Falei aqui pela primeira vez neste livro há mais de dois anos, quando me dispus a restaurá-lo e a completá-lo na Oficina de Conservação e Restauro de Livros da Rua da Alegria em Coimbra, que nessa altura comecei a frequentar.
O Thesouro de Prudentes de Gaspar Cardoso Sequeira é uma obra importante, quer pelo conteúdo, quer pelo autor, que foi um cosmógrafo e matemático português do século XVII, natural de Murça em Trás-os-Montes, sendo Thesouro de Prudentes (Lisboa, 1612) o seu segundo livro publicado.
A obra compõe-se de quatro livros, divididos em vários tratados sobre Astrologia, Medicina, Aritmética, Geometria, Ilusionismo (tratado III, livro III). Segundo informação da Wikipédia, é o quarto livro alguma vez escrito que descreve truques de ilusionismo e o primeiro a explicar como é que são feitos esses truques.
Encontrei-o na Feira da Ladra num estado deplorável, como se pode ver nas fotos que se seguem, faltando-lhe mais de 100 páginas. Mas tratando-se de uma obra importante do nosso século XVII, e neste caso uma edição de 1701, achei que valia a pena trazê-la comigo.
Esta obra teve várias reedições ao longo dos séculos XVII e XVIII, em Coimbra e em Lisboa, sendo esta de Lisboa, da Oficina de Manuel Lopes Ferreira. A última que conheço é também de Lisboa, de 1712, do editor Miguel Manescal.
A capa é em pergaminho numa encadernação típica da época, não tem cartão a reforçá-la nem tinha guardas, elementos que não seriam usados neste tipo de encadernação, chamada de solapa.
O livro começou por ser todo desmanchado, a capa limpa e as folhas lavadas, uma operação morosa e delicada, seguindo-se o restauro das folhas rasgadas, com papel japonês. Ficou então a aguardar o completamento dos cadernos através da digitalização das páginas e folhas em falta a partir de um exemplar completo. Depois de uma primeira digitalização que correu mal e que deixou o trabalho parado durante um ano, quase me levando a desistir de o completar, tive acesso através da Oficina de Restauro a um outro exemplar e então foi possível retomar o processo.
Cadernos já restaurados |
Costura dos cadernos por processo antigo |
Transfil manual |
Junção da capa aos cadernos já cosidos |
É uma obra muito interessante também pelas ilustrações, só que, como é habitual acontecer, eram sobretudo as páginas ilustradas que estavam em falta.
Um dos muitos ornatos de fim de página |
Dou-lhe os meus parabéns pelo magnífico resultado do seu trabalho e pela persistência e paciência que revela. Cá em casa, também tenho uma Senhora assim, que está a tratar de um mal-tratado "Regra e perfeição da conversação dos monges", impresso por Germão Galharde, em 1531. Trabalhos de "filigrana" que muito admiro!..:-)
ResponderEliminarUma boa noite!
Bom dia, APS!
EliminarAinda bem que em sua casa também há quem se dedique a este trabalho de minúcia para salvamento de livro antigo. Esse que têm em mãos é outro tesouro!
Eu já faço sozinha trabalhos de higienização, colagem e restauro de páginas, mas este livro envolveu operações muito técnicas em muitas sessões na oficina de restauro...
Cumprimentos
Eu iria sugerir justamente a digitalização das páginas faltante. Que bom q deu tudo certo.Parabéns pelo trabalho.
EliminarEu aqui em Salvador garimpo muitos livros em ferro velho. Tenho muita coisa q tenho tá servindo p/trabalho de historiadores. Ocorre q não tenho grana para restaurá-los, mesmo sendo Técnico de Restauro.
Ola Maria Andrade!!
ResponderEliminarQue lindo, todos os detalhes. parabens pelo trabalho!! Permitiu uma conversação por mais umas boas decadas...
Beijinhos
Obrigada, caro Flávio. Não só o livro foi salvo de ir parar ao lixo, dado o estado em que se encontrava, mas foi reabilitado e conservado por mais algumas gerações, assim o espero... :)
EliminarBeijos
Garimpem em ferros velhos e nos próprios sebos. Conversem com os donos. Existem muitas obras raras de colecionadores particulares q são jogadas foras por estar infestado de insetos xilófagos.
EliminarThis is amazing dearest Maria! You always have such special posts that teaches us so much about different subjects and this one is no exception! I'm so happy you saved this old treasure from who knows what, as it was in such sad stage. Thank you for your sweet and kind comment, my friend. Have a happy week.
ResponderEliminarFABBY
Hi Fabby,
EliminarI can't resist an old book that needs love and care... ;)
They're real treasures and this one even more so since that's how the 17th century author named it.Thanks for visiting, dear friend.
Hugs
Muito curioso este seu livro.
ResponderEliminarEstive a lê-lo em "vol d'oiseau" e fiquei encantado com os conhecimentos algo enciclopédicos que o autor trata, dedicando-se a assuntos tão variados com trabalhos do campo como a truques com cartas, passando pelo cálculo prático, aritmética, conversão de moedas, pesos e medidas, medicina e conhecimentos geométricos aplicados tanto à astronomia como à gnomónica e até à astrologia, à qual, e curiosamente, se dedica de forma muito particular (por estes escritos entendem-se os interesses fulcrais da época).
Interessante para consultar.
Claro que me interessou sobretudo o capítulo dedicado à gnomónica, que me toca especialmente.
Enfim, tem aqui um tesouro que recuperou de forma exímia.
Os parabéns pelo trabalho, que deve ter requerido muita paciência, "know how" e investimento monetário, mas tem uma obra digna e que, prevejo, poderá ter mais uma longa vida pela frente! Se já viveu 300 anos está pronto para outros 300!
Uma boa semana
Manel
Manel, eu também só tenho lido alguns extratos até porque confesso que não me é fácil fluir naquela escrita do século XVII, mas achei sobretudo deliciosos os capítulos que se referem à agricultura. Vivendo numa região vinícola, quis ler o capítulo intitulado "Do modo que se fará que as vides dem uvas em todo o anno"! ou então "De como se farão todas as arvores anãs, e de alguas que dem fruto sem caroço" Veja lá que delícia! Lembrei-me logo das uvas modernas sem graínhas :)
EliminarE depois há o Lunário perpétuo com muitas tabelas em que se prevê o tempo que fará nos diferentes meses e dias do ano conforme as luas e signos... enfim, uma complexidade de cálculos e noções bastante estranhas às nossas mentes de hoje.
E espero bem que ele nunca caia em mãos perdulárias nas próximas gerações dos meus parentes ;) para que ainda goze da longevidade que o Manel lhe vaticina.
Obrigada e uma boa semana também para si.
Querida María
ResponderEliminarGracias de corazón
Un Beso
Não há de que agradecer, querida Princesa. É natural que queiramos dar força e esperança às pessoas que estimamos, mesmo à distância...
EliminarBeijos
Fico sempre com vontade de aprender restauro de livro antigo. Mas, infelizmente, quando vou trabalhar para uma biblioteca tenho sempre pilhas de livros para catalogar e há que rápidamente cataloga-los e classifica-los a todos, pois outra pilha ainda maior me espera na sala seguinte.
ResponderEliminarA obra que apresentou é curiosa, pois é um tema laico. Julgo que nesta época a maioria das edições tratavam de temas religiosos. Por outro lado, sendo uma súmula de conhecimentos úteis, permite fazer uma ideia do que seria a cultura geral desejável na época.
Bjos e parabéns pelo trabalho
Obrigada, Luís.
EliminarPois é, o problema para se meter nestas lides de restauro de livros é mesmo a sua falta de tempo porque há operações bastante simples e que podem melhorar muito o estado das encadernações. Refiro-me à limpeza, página a página, com uma trincha, à hidratação da pele das capas com cera e às colagens, sempre com cola branca e nunca com fita-cola, como de certeza já sabe. E depois há o restauro de folhas com papel japonês, o que também não é difícil. Enfim, haja tempo...
Esta obra é muito conhecida e apreciada precisamente por conter muitos tratados de índole científica,mas não deixa de fazer referência, logo no primeiro livro, ao calendário litúrgico, aos dias santos e às festas móveis... Sim, porque convinha não haver um afastamento total da esfera religiosa...;)
Beijos
Cara Maria,
ResponderEliminarSigo o seu blog e gostaria de saber se você poderia me ajudar em uma coisa, possuo alguns livros guardados em gavetas com desumidificares de ar e suas capas estão com pó grudado junto as capas e estão com uma impressão de que as capas estão meladas e gordurosas... como sei da sua grande paixao por livros antigos gostaria de saber qual a maneira que você limpa limpa seus livros?
Desde já agradeço
Ricardo
Ricardo, a melhor maneira de limpar capas de pele sujas e engorduradas é com algodão embebido numa solução de água e sabão. Simples e barato, como vê. : )
EliminarCumprimentos. Felizmente ainda há pessoas que prezam a nossa cultura. Isto sim é patriotismo. Muitos parabens. Pensava que a primeira edição era de 1612. Folgo em saber que remonta a 1602. Obrigado
ResponderEliminarObrigada, Salamander, pelo simpático comentário. E estava certo na sua convicção de que a primeira edição da obra data de 1612. Fiz confusão com a data da publicação anterior de Gaspar Cardoso Sequeira, "Prognóstico Lunário para o ano de 1605". Agradeço a sua observação, que me possibilitou corrigir o erro.
EliminarCumprimentos
Conheço este livro maravilhoso e possuo um exemplar em muito bom estado, embora a necessitar de restauro e dos rebordos das páginas!
ResponderEliminarEste estava em mísero estado, mas acabou por ficar apresentável.
EliminarCertamente o seu também merece restauro. Há que pôr mãos à obra! :)
Tenho esse mesmo livro, herdado de minha bisavó, num estado que dá pena... faltam algumas páginas, não muitas, mas algumas apresentam-se incompletas. Sem capa, sem nada... escapou ao lixo pela minha intervenção. Apenas descobri o ano por encontrar escrito numa das suas páginas "temos sabido neste ano de 1621..:" É uma obra muito curiosa e que merece ser preservada.
ResponderEliminarSim, merece ser preservado mais um exemplar desta obra tão interessante! A capa é o mais fácil de arranjar, em pele.
EliminarHá que pôr as mãos na massa... ou entregá-la em mãos competentes para restauro...
Obrigada pela partilha.
Boa tarde, sou mágico e colecionador de livros sobre o assunto. Tenho um acervo grande de livros antigos. Por um acaso você teria interesse de vender esse exemplar??
ResponderEliminarOla Maria Andrade,
ResponderEliminarque havia conhecido em Coimbra anos atrás, eu sou o Azulejosammler,
Eu já não tenho o seu E-mail.
Saudações Nikolaus
info@azulejomuseum.com
Olá Nikolaus!
ResponderEliminarSó agora vi aqui este comentário. O meu e-mail é andrade.maria82@gmail.com
Saudações