terça-feira, 22 de setembro de 2015

Cinco anos de blogue!!!! - Five years of blogging!!!!

É verdade, são já cinco anos de existência! Não vou deitar muitos foguetes porque os últimos dois anos foram de notória desaceleração da atividade do blogue... bastante intensa no início!
Tal como fiz para celebrar o primeiro ano de atividade bloguista, resolvi hoje assinalar o quinto aniversário recordando os cinco posts mais vistos de sempre. Para alguns vejo justificação, para outros nem tanto, mas enfim, são os gostos ou as necessidades do público que me visita a determinarem este protagonismo.
As imagens estão por ordem de número de visualizações, do  mais para o menos visto, e cada legenda fornece o link para cada post, pelo que me dispenso de mais considerações sobre eles.

Serviço de chá Arte Déco - Art Deco tea set 

A primeira porcelana inglesa

A decoração "Margão" da Vista Alegre, o famoso "Zwiebelmuster ou "blue onion pattern"

O outono, os cogumelos e os meus livros sobre cogumelos

Um pote Carvalhinho sob anonimato
Mas não só de recordações vive a publicação de hoje! Como o chá e as faianças foram duas linhas de força do blogue ao longo destes anos, hoje, ainda por cima uma terça-feira, não podia deixar de haver chá, mas servido em chávena e pires  de faiança!


E que faiança! Com toda a probabilidade, a julgar pelo motivo decorativo e pela cercadura, produção de meados do séc. XIX da nossa bem conhecida Fábrica de Santo António de Vale da Piedade,  extinta há quase noventa anos, com localização à beira do Douro, em Vila Nova de Gaia.


A acompanhar o conjunto, um pires em forma de covilhete, que comprei no mesmo lote e que tem a curiosidade de ser decorado também no verso da aba.


Na véspera da entrada no outono, ele já se anuncia por aqui com um ar fresquinho, embora em dia de muito sol. Nada melhor que um chá verde acompanhado de frutos da época - uma compota de figo servida com nozes para cortar um pouco o excesso de doce...


    
E, a servir de fundo, as hortênsias numa fase em que gosto muito delas, já com as suas tonalidades outonais, prontas a aguentarem-se mais tempo nas jarras...

Com ligação a Tea Time Tuesday  e às  amigas de além Atlântico e grandes entusiastas do chá.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Fruteiro ou cesto para castanhas em faiança inglesa Herculaneum



Ainda não estamos no tempo das castanhas, mas a verdade é que o que apresento aqui hoje é o que os ingleses chamam (ou chamavam...) chestnut basket and stand ou, com menos rigor, fruit basket and stand.
Já aqui tenho referido que a produção cerâmica inglesa no tempo da Revolução Industrial foi muito abundante e variada. Para satisfazer o gosto e o requinte da próspera burguesia industrial interna, assim como todo o mercado espalhado pelo Império, os fabricantes não se poupavam a esforços, e conceberam novas formas e novos produtos que hoje nos surpreendem pela especificidade do seu uso à mesa.



Estes cestos e respetiva base, vasados neste caso, mas também muitas vezes encanastrados, como já aqui mostrei, eram efetivamente usados para levar à mesa castanhas, mas também outros frutos, secos ou frescos, em vez dos tradicionais cestos de vime, destinados ao serviço das camadas menos abonadas da população.



Trata-se da pasta chamada pearlware, com os típicos tons azulados nas junções e dobras, aqui numa bonita moldagem que aparenta concheados, embora o objetivo fosse imitar cestaria.
Encontrei estas peças, um par de cestos e de bases, há cerca de um ano,  expostas no chão à mistura com outras loiças e tralhas, na Feira de Velharias de Coimbra. Reconheci logo a forma, mas quando peguei num exemplar e virei para ver a marca, exultei mesmo! Era o nome Herculaneum, já bem meu conhecido, que estava bem legível gravado na pasta.


Isso confirmava-me logo duas coisas - que as peças eram indubitavelmente inglesas e que foram fabricadas em época anterior a 1840, a data de encerramento da Herculaneum Pottery de Liverpool.
Sempre foi uma das minhas marcas míticas, não só por ser da Herculaneum a decoração View at the Fort Madura que esteve na origem da bem conhecida paisagem País de Miragaia, mas também pelo seu fabrico de porcelanas para o chá, hoje peças raras e muito valorizadas.


Estas loiças são muito delicadas, em faiança bastante fina, mas sem qualquer beliscadura, apenas manchadas em algumas zonas, sobretudo no interior dos cestos. Não devem ter tido muito uso, já que resistiram assim intactas quase duzentos anos, no mínimo 175!

O exemplar à venda na Worthpoint, com a mesma decoração featheredge (orla em plumas)
São peças já difíceis de encontrar, mesmo no mercado online, sobretudo em par, e só encontrei um exemplar de um cesto, sem base, desta forma e fabrico, num site de leilões americano, o WorthPoint, atribuindo a peça a um período entre 1795 (pouco depois da fundação da Herculaneum) e 1815, mas a marca é diferente desta, com apenas a inicial maíúscula, o que deve ter determinado essa datação mais recuada.

Um outro formato de cesto e base da Herculaneum
Quase um mês depois, lembrei-me de acrescentar aqui uma foto que tirei na Casa-Museu Egas Moniz em Avanca, que já publiquei num poste sobre a referida casa. Numa mesa com várias peças inglesas creamware, apresentadas como Wedgwood, vê-se à esquerda um cesto e base no formato do meu par Herculaneum e à direita mais um exemplar  num outro formato muito comum no século XIX e de que já falei aqui num outro poste.



terça-feira, 7 de julho de 2015

Um novo estudo sobre faiança de Coimbra



Há poucos dias tive a grata surpresa de receber uma oferta que me encheu de satisfação: a obra que eu há muito aguardava, Louça tradicional de Coimbra  1869-1965, da autoria do meu amigo António Pacheco, responsável pela coleção de Cerâmica do Museu Nacional Machado de Castro e co-autor da monografia Cerâmica de Coimbra - Do século XVI a XX.


O espaço temporal sobre que incide este estudo vem dar continuidade à monografia que menciono em cima, já que se concentra na produção coimbrã de final do século XIX e do século XX.
É objeto desta publicação  muita faiança não marcada, com caraterísticas cercaduras estampilhadas, muitas vezes em formas oitavadas. Mas já aparecem algumas marcas de fabricante, sobretudo do século XX, como Alfredo Oliveira e Viúva de Alfredo Oliveira, Retiro das Lages ou José Cardoso & Cª.


Este livro é profusamente ilustrado, com exemplares, não só de Faiança Ratinho, mas também com Cantão de Coimbra, Cerâmica Falante, "Louça de Vandelli", Faiança Historiada,...


A caneca oitavada, que figura na primeira fotografia podia ter integrado a obra, já que apresenta uma marca rara do período tratado. Só que já chegou tarde às minhas mãos, e quando dei conta dela ao autor, a obra já estava para a tipografia e não foi possível fazer o acrescento.


A decoração marmoreada em azul tem um pormenor de  traços a vinoso que  lhe enriquece o efeito e lhe dá um ar mais arcaico. Mas o principal interesse da peça é a marca Veiga Succes COIMBRA que aponta para fabrico anterior a 1911-12, dada a forma escrita abreviada de successores. 
Com efeito, é a 1ª Reforma Ortográfica de 1911, levada a cabo após a Implantação da República, no sentido de simplificar a escrita e fazer chegar a literacia a mais vastas camadas da população, que elimina as consoantes duplas cc, (diccionário), ll (illustrado), nn (annúncio) e substitui os ph por f, afastando assim muitos vocábulos do seu étimo latino ou grego.
(É por isso que me dá vontade de rir quando se utilizam os argumentos da etimologia para contestar o último acordo ortográfico...)


Este Veiga Successores refere-se certamente à Fábrica de Leonardo António da Veiga, 1870-1915, que já é referido por José de Queirós como laborando na Rua Simão de Évora e na Rua da Louça e que participou e foi premiado na Exposição Distrital de Coimbra de 1884.
Finalmente deixo aqui duas travessas oitavadas com interessantes motivos centrais, claramente filiadas na produção coimbrã de final do século XIX ou início do XX. Na primeira, os eternos corações flamejantes rodeados de coloridas flores, bem apropriados a humildes prendas de casamento ou de namoro; na segunda, também rodeado de flores em grinalda, o busto de uma guapa espanhola, estilo sevilhana, com a sua peinheta na cabeça - sempre as espanholitas a despertarem a imaginação do nosso Zé Povinho...


Estão as duas partidas e coladas, uma com gatos, outra não, mas...who cares?

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Chávena "Metz" de Sacavém


Todos nós temos na vida muitos altos e baixos que, sobretudo os baixos, nos levam a repensar muita coisa, a fazer balanços, a alterar hábitos, interesses e rotinas. Recentemente achei que devia refrear o entusiasmo pela compra de velharias, sobretudo cerâmica, e desfazer-me de algumas. Tenho conseguido isso, mas depois falta a pica da novidade, da descoberta, que dá por vezes o impulso para novos postes.
No entanto, trouxe há dias esta chávena e pires de café para casa porque: small is beautiful ;) cabe em qualquer lado ;) e para além de a ter conseguido muito baratinha ;) tem algum interesse para partilhar aqui com quem gosta da loiça de Sacavém.


Trata-se do conhecido motivo Metz, mas ao contrário do que aparece no catálogo Primeiras peças da produção da fábrica de louça de Sacavém: o papel do coleccionador, editado pela Câmara Municipal de Loures e que o LuisY citou no Velharias a propósito de um prato seu, num poste muito completo e cheio de interesse, apresenta a estampagem a preto e não nas três cores lá apresentadas: castanho, anil e verde.


Um outro motivo de interesse é o facto de ostentar, apenas no pires,  a segunda marca da Fábrica de Sacavém, correspondente ao período de fabrico 1863-1870. Eu já tinha em casa um prato estampado a verde com este motivo, herdado da minha avó paterna e já com muitas mazelas do uso, mas com uma marca do período Gilman, talvez 2ª década do século XX, o que revela que o motivo Metz foi usado pela fábrica durante décadas.

A marca do pires, a segunda usada pela Fábrica de Sacavém(1863-1870)
Nesta chávena e pires, sobretudo na chávena, nota-se uma aplicação da estampa bastante deficiente, com borrões e linhas curvas, o que se pode dever à falta de experiência neste tipo de trabalho, aliada à dificuldade inerente à estampagem de peças pequenas com zonas côncavas e convexas.

Pormenor do interior da chávena

Em cima a decoração e o formato da asa da chávena
Em baixo, o estafado prato Metz que era da minha avó Marizé (ou bisavó Marcolina?) e a respetiva marca.

Marca Gilman LDA. - 1918?

O catálogo Porta aberta às memórias, editado pelo Museu de Cerâmica de Sacavém, inclui oito páginas com as principais marcas de produção e suas variantes, de que aqui deixo as oito mais antigas.

As oito marcas mais antigas da Fábrica de Sacavém
(em Porta aberta às memórias, p. 440-441)


Os dois catálogos aqui referidos


terça-feira, 21 de abril de 2015

Azulejaria coimbrã na Igreja de Santa Catarina da Anobra



Painel de azulejos do século XVIII de fabrico coimbrão - Nascimento da Virgem

Desde que tive acesso á tese de doutoramento em História da Arte Portuguesa apresentada à FLUP por Diana Gonçalves dos Santos: Azulejaria de Fabrico Coimbrão (1699-1801) Artífices e Artistas. Cronologia. Iconografia. abriu-se-me um mundo rico e variado de descobertas, ao encontro da arte azulejar de produção coimbrã, num período que corresponde, grosso modo, ao século XVIII. Passei a visitar com especial interesse muitos locais de Coimbra e arredores onde essa azulejaria estava já identificada por J. M. dos Santos Simões em Azulejaria em Portugal no Século XVIII, mas só agora  estudada em profundidade e fotografada nesta tese de doutoramento.
Diana G. Santos fez um levantamento exaustivo de todos os exemplares existentes, num espaço geográfico que abrange nove distritos do centro e norte de Portugal - de Leiria a Viana do Castelo e de Aveiro à Guarda - mas que naturalmente tem uma concentração mais notória no distrito e concelho de Coimbra. Na cidade são dezenas os sítios onde se podem apreciar azulejos de figura avulsa, albarradas e vasos floridos, painéis figurados e narrativos, registos de santos... e é um prazer apreciar pormenores, comparar estilos e tentar adivinhar autorias.
Foi em Maio do ano passado, durante a iniciativa "Percursos do Azulejo" levada a efeito pela Rede de Museus de Coimbra para assinalar o Dia Internacional e Noite dos Museus, que tomei conhecimento de toda esta realidade em visitas guiadas dentro da cidade - Paço das Escolas, Museu Machado de Castro, Colégios da Alta - algumas delas orientadas pela própria autora do estudo aqui referenciado. Ao consultar a obra, apercebi-me com admiração que também as pequenas igrejas do concelho de Coimbra e concelhos limitrofes, dispunham de núcleos muito interessantes de azulejaria coimbrã e constavam do levantamento feito por Diana Gonçalves dos Santos.

Capela de Nossa Senhora da Conceição, a antiga Capela do Santíssimo

A que tive mais curiosidade em visitar foi a Igreja de Santa Catarina, na Anobra, uma freguesia próxima de Coimbra pertencente ao concelho de Condeixa-a-Nova, com um interesse acrescido para mim desde que descobri, não há muito tempo, ser dali proveniente um ramo da minha família paterna, algumas gerações atrás. Eu não conhecia  a igreja e logo por azar foi este um dos poucos casos em que não foi possível à autora fazer a visita e fotografar os exemplares azulejares de forma a  incluí-los na obra.  
Tinha portanto que ir ao local e encontrar a igreja aberta para apreciar e fotografar os painéis de azulejos que estavam descritos  por Diana Santos, com base no trabalho de Santos Simões, mas sem qualquer imagem a acompanhar.
Quando entrei na nave da Igreja da Anobra fiquei desolada. Havia azulejos, sim, mas daquelas horrorosas cópias da azulejaria de padrão do séc. XVII com um brilho novíssimo que até ofusca! Temi o pior, já que não me lembrava que a localização dos azulejos do séc. XVIII se limitava a uma capela lateral. Perguntei a uma senhora se não havia na igreja painéis de azulejos antigos e ela lá me indicou a capela lateral que ela chamou de Nossa Senhora da Conceição, mas que era a antiga Capela do Santíssimo.
Aí, sim, havia exemplares notáveis de painéis de espaldar recortado com quatro cenas da vida de Maria, ilustrando os seguintes momentos:  Nascimento, Casamento, Anunciação e Assunção.
Nascimento da Virgem

Desposórios da Virgem

Anunciação

Assunção da Virgem

Como se pode ver, todos os painéis são compostos de azulejos com pintura a azul e branco, mas no primeiro - não consegui ver a base do 2º e do 3º -  é visível um rodapé de azulejos marmoreados a verde e manganês, muito típicos da produção coimbrã.


Azulejos marmoreados de produção coimbrã - 3º quartel do séc. XVIII

O que mais me encantou foi a representação do nascimento de Maria em duas cenas no mesmo painel - ao fundo vemos Santa Ana ainda de cama prestes a dar à luz e em primeiro plano encontramo-la já com a menina no colo, a vesti-la com a ajuda de S. Joaquim.  Os pormenores da vida quotidiana familiar - o mobiliário, a roupa de cama, os cortinados, os cestinhos com roupa, o chão ladrilhado, as cantarias - são apontamentos realistas muito bem executados que conferem um interesse muito particular a este painel.




Para além dos painéis figurados, a capela foi ornamentada com representações de  colunas e vasos a azul e branco sobre fundo marmoreado a manganês.


Estes painéis de azulejos, com exuberantes  emolduramentos num estilo rococó ou rocaille de recortes e concheados, penso serem atribuíveis a Salvador de Sousa Carvalho, por analogia com dezenas de outros exemplares fotografados que lhe são atribuídos, para além de dois painéis assinados. Foi um mestre pintor de azulejos que, sendo natural de Lisboa, e tendo ali iniciado a sua arte, casou-se em Coimbra com uma neta de outro importante nome da azulejaria coimbrã, Agostinho de Paiva. Ali se distinguiu como pintor de azulejos na segunda metade de setecentos, tendo ainda sido encarregado da condução da Fábrica da Telha da Universidade (1773-1779), fundada com vista  a suprir as obras exigidas pela Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Um prato inglês e seus sucedâneos em faiança portuguesa

ou seja, sucedâneos de sucedâneos...


Este é um prato de faiança inglesa, com um atraente motivo oriental num flow blue muito ténue, talvez acidental, saído da fábrica de John Meir & Son a meados do séc. XIX. Trata-se de um fabricante sobejamente conhecido por cá, que ainda só John Meir estabeleceu a sua atividade cerâmica em Tunstall, Staffordshire, e aí laborou entre 1812 e 1836.
Eu já conhecia o motivo e já tinha visto pratos destes à venda, mas não a preços que me convidassem a trazer mais um azul e branco para casa. Desta vez, já lá vão uns meses, os deuses foram-me favoráveis...
Na marca consta o nome do motivo, Kirkee, e eu, iludida pela semelhança com os motivos da porcelana chinesa azul e branca, logo pensei ser o nome inglesado de alguma localidade ou região chinesa, como é o caso dos motivos Cantão.

A marca, com o efeito flow blue (ou azul escorrido ou borrão) a notar-se 

Puro engano. Ao pesquisar  o nome no Google, logo descobri tratar-se de uma cidade indiana perto de Pune, no estado de Maharashtra, e até longe do mar, ao contrário do que sugeria a gravura.
Foi uma cidade com relevância para os ingleses, no tempo em que dominaram grande parte do subcontinente indiano, daí ter merecido ser lembrada na sua produção cerâmica do séc. XIX, mesmo sem ter sido representada com qualquer fidelidade ao local. Com efeito, segundo a Wikipédia, foi lá que a Companhia Inglesa das Índias Orientais foi atacada e venceu os Marajás na que ficou conhecida como Batalha de Khadki (em inglês Kirkee), em 1817.


O prato Kirkee foi entretanto destronar outro no meu escaparate de faiança inglesa azul e branca e estava mesmo no meu ângulo de visão quando nos dias mais frios deste inverno me sentava junto ao fogão de lenha. Um dia reparei que aquele motivo era déjà vu. Sim, aquela baía do motivo central, com as formas vegetalistas  à beira da água, o edifício oriental mas com uma cruz no topo, o chorão, a vedação, eram-me familiares.


Fez-se luz! Era nada mais nada menos que o motivo central de uma tosca travessa de faiança que já aqui mostrei e cujos pormenores decorativos me intrigaram sempre.


Não percebia o que era aquele amontoado de pedregulhos a fazer curva, nem entendia o que eram aquelas quatro colunas, tipo lampião ou arco e balão das marchas populares... Finalmente foi desfeito o mistério.
Os elementos estão lá todos. Foi certamente desenho à vista feito a partir de um prato ou travessa do serviço de jantar Kirkee que terá chegado a uma casa abastada do Porto ou de Gaia, na época em que a comunidade inglesa do Porto era forte e as trocas comerciais com Inglaterra muitas e frequentes.


Só o desenho da cercadura se afastou do original, se é que podemos chamar original a um motivo claramente influenciado pela porcelana chinesa azul e branca - sim, vai tudo sempre ter à porcelana chinesa e depois encontramos sucedâneos de sucedâneos, numa cadeia que se estende até quase aos nossos dias.
Mais curioso ainda foi ter encontrado entretanto, no blogue "Velharias, tralhas e traquitanas" uma travessa de faiança portuguesa com uma decoração ainda mais fiel ao padrão Kirkee.


Neste caso até a cercadura procura reproduzir a barra, tipicamente chinesa, que delimita o covo do prato inglês, repetida em menor escala no recorte da respetiva aba, não faltando as reservas com os motivos florais nesta versão portuguesa.
É mais um dos muitos motivos da nossa faiança cuja filiação podemos reconhecer na faiança inglesa de pó de pedra, alguns com raizes orientais mais remotas - o motivo País de Miragaia vindo da Herculaneum Pottery, o Cantão Popular com raizes no Willow, os Chalés alpinos (Vilar de Mouros e outros) que reproduzem o Roselle, os nossos motivos Cavalinho ou Estátua com origem na Grecian Statue... E até julgo ter um Templo do Céu em faiança portuguesa que os ingleses também fabricaram! Mas esse fica para outro dia... ;)