Há poucos dias tive a grata surpresa de receber uma oferta que me encheu de satisfação: a obra que eu há muito aguardava, Louça tradicional de Coimbra 1869-1965, da autoria do meu amigo António Pacheco, responsável pela coleção de Cerâmica do Museu Nacional Machado de Castro e co-autor da monografia Cerâmica de Coimbra - Do século XVI a XX.
O espaço temporal sobre que incide este estudo vem dar continuidade à monografia que menciono em cima, já que se concentra na produção coimbrã de final do século XIX e do século XX.
É objeto desta publicação muita faiança não marcada, com caraterísticas cercaduras estampilhadas, muitas vezes em formas oitavadas. Mas já aparecem algumas marcas de fabricante, sobretudo do século XX, como Alfredo Oliveira e Viúva de Alfredo Oliveira, Retiro das Lages ou José Cardoso & Cª.
Este livro é profusamente ilustrado, com exemplares, não só de Faiança Ratinho, mas também com Cantão de Coimbra, Cerâmica Falante, "Louça de Vandelli", Faiança Historiada,...
A caneca oitavada, que figura na primeira fotografia podia ter integrado a obra, já que apresenta uma marca rara do período tratado. Só que já chegou tarde às minhas mãos, e quando dei conta dela ao autor, a obra já estava para a tipografia e não foi possível fazer o acrescento.
A decoração marmoreada em azul tem um pormenor de traços a vinoso que lhe enriquece o efeito e lhe dá um ar mais arcaico. Mas o principal interesse da peça é a marca Veiga Succes COIMBRA que aponta para fabrico anterior a 1911-12, dada a forma escrita abreviada de successores.
Com efeito, é a 1ª Reforma Ortográfica de 1911, levada a cabo após a Implantação da República, no sentido de simplificar a escrita e fazer chegar a literacia a mais vastas camadas da população, que elimina as consoantes duplas cc, (diccionário), ll (illustrado), nn (annúncio) e substitui os ph por f, afastando assim muitos vocábulos do seu étimo latino ou grego.
(É por isso que me dá vontade de rir quando se utilizam os argumentos da etimologia para contestar o último acordo ortográfico...)
Este Veiga Successores refere-se certamente à Fábrica de Leonardo António da Veiga, 1870-1915, que já é referido por José de Queirós como laborando na Rua Simão de Évora e na Rua da Louça e que participou e foi premiado na Exposição Distrital de Coimbra de 1884.
Finalmente deixo aqui duas travessas oitavadas com interessantes motivos centrais, claramente filiadas na produção coimbrã de final do século XIX ou início do XX. Na primeira, os eternos corações flamejantes rodeados de coloridas flores, bem apropriados a humildes prendas de casamento ou de namoro; na segunda, também rodeado de flores em grinalda, o busto de uma guapa espanhola, estilo sevilhana, com a sua peinheta na cabeça - sempre as espanholitas a despertarem a imaginação do nosso Zé Povinho...
Estão as duas partidas e coladas, uma com gatos, outra não, mas...who cares?