quinta-feira, 28 de julho de 2011

Caixa de costura Arte Déco... ou um mundo feminino em vias de extinção


 Há cerca de um mês, o LuísY do blogue Velharias apresentou um post sobre um pequeno móvel e daí partiu para considerações, que bem ilustrou, sobre a utilização em Portugal, durante séculos, de pequenos móveis de estrado nas dependências da casa reservadas aos lavores femininos.
 Nesse estrado, devidamente revestido a tapeçaria, as mulheres da casa sentavam-se entre almofadas e pequenos móveis e aí se dedicavam à costura, aos bordados, às rendas e talvez também lessem em conjunto ou rezassem.
O Luís ilustrou esse ambiente com a magnífica pintura de Josefa de Óbidos (1630-1684) "Casamento Místico de Santa Catarina" do Museu Nacional de Arte Antiga.


Também da Josefa de Óbidos é esta "Anunciação" em que se vê  Maria ajoelhada num desses estrados, ao lado de uma banqueta com um livro aberto, o que significa que, aos olhos seiscentistas da Josefa de Óbidos, a Virgem estaria a ler em cima do estrado quando foi visitada pelo anjo...
Vi mais uma vez esse ambiente recriado numa recente visita ao MUDE em Lisboa para visitar a exposição “M & M. MNAA & MUDE / MUDE & MNAA. Artes e Design”. Lá estava o estrado com a tapeçaria, os almofadões e a pequena mesa de costura vindos do Museu Nacional de Arte Antiga.


Sempre tive, como qualquer mulher da minha geração, pequenas caixas com divisórias para guardar linhas, agulhas, fitas, molas e colchetes, para não falar das caixas cheias de botões, enfim um nunca acabar daquelas coisas que achamos necessárias para fazer pequenos arranjos de roupa em casa. Mas ficava deslumbrada com as caixas de costura grandes, em madeira, e nunca me tinha disposto a adquirir nenhuma.
Só há pouco mais de um ano, numa feira, vi uma que me encantou, já não tanto a pensar na costura mas na quinquilharia de loiça que ando sempre a comprar e precisa de ser guardada.


Claro que não é um móvel de estrado, aliás é grande como caixa embora pequena como móvel, mas pertence ao mesmo mundo dos lavores femininos.
Eu é que já não me dedico muito a esses trabalhos e então guardo nesta caixa pratos de faiança inglesa que vão sendo destronados por outros que tenho expostos.
As linhas deste pequeno móvel são Arte Deco e veja-se o pormenor dos puxadores metálicos e esféricos, sendo feito em madeira de umbila -  uma madeira moçambicana bastante dura, segundo me disseram as senhoras a quem o comprei.
Voltando à nossa Josefa de Óbidos, ou Josefa de Ayala, cuja pintura reflete bem uma visão do mundo muito feminina, não podia deixar de mostrar aqui uma obra que me impressionou entre muitas outras que vi numa magnífica exposição patente no Museu Gulbenkian no ano passado:  "A Perspectiva das Coisas - A Natureza-Morta na Europa".
É esta natureza-morta, onde estão bem ilustradas outras prendas tradicionalmente femininas, não as da costura e lavores, mas as da confeção de doçarias e a forma  requintada e festiva de as apresentar sobre uma mesa.


Penso que só umas mãos de mulher poderiam ter criado uma composição como esta, com esta riqueza de pormenores e esta profusão de flores. Aqui também se vêem caixas, maiores e mais pequenas, forradas com papéis recortados, certamente para ofertas ou venda de doces a partir dos conventos femininos.
A exposição tinha vários núcleos, mas este das doçarias era um verdadeiro festim para o olhar.
Também apreciei demoradamente os pormenores da loiça, vidros e outros objetos, alguns preciosos, retratados em algumas telas.


segunda-feira, 25 de julho de 2011

As chávenas que me fascinam... The cups that fascinate me...

Mais uma participação no Tea Cup Tuesday, no Tea Time Tuesday e no Teapot and Tea Things Tuesday.

No princípio do mês de Julho, a Princesa Nadie que também participa nestes eventos de terça-feira, mostrou um poster emoldurado com chávenas antigas de porcelana inglesa e num post seguinte forneceu o link para uma página web da empresa que os cria e distribui, em Inglaterra.
Fiquei maravilhada com todas aquelas belezas, porque vi  posters diferentes do único que eu conhecia e tinha comprado numa das últimas visitas ao Victoria & Albert, em Londres, na loja do museu.

Agora, no final de Julho, mostro aqui o meu poster e mais chávenas que vou colecionando.
Para além de muito atraentes e decorativos, estes posters, que também servem de papel de embrulho(!), são úteis aos amantes de porcelana inglesa antiga, porque têm os exemplares todos identificados quanto ao fabrico e datados.


Neste caso trata-se de chávenas da época georgiana, de 1760 a 1830, com decorações de influência chinesa, como se pode ler na legenda do poster.


Resolvi "criar" algo de semelhante com algumas das minhas chávenas da mesma época, colocando-as num pequeno móvel onde guardo e ao mesmo tempo exponho as chávenas e pires que estão desirmanados, assim como outras pequenas peças.

As que escolhi têm quase todas pires, mas para este efeito só as chávenas me interessavam.
Aqui está o resultado, uma espécie de retrato de família :)

Decidi dispô-las segundo o formato e assim ficaram na primeira fila as tacinhas de chá; na segunda as chávenas de café, em inglês "coffee cans", maiores do que as que usamos atualmente; na terceira as chávenas de chá de forma arredondada, ao fim e ao cabo o formato das tacinhas mas com pega, a chamada "bute shape"; na última fila, num formato só introduzido na segunda década do século XIX, as chávenas de chá "London shape".
Não ficou bonito o retrato de família?
Agradeço à Princesa Nadie por ter inspirado este post.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Terrina de faiança com várias leituras

Tenho algumas peças de faiança portuguesa, incluindo terrinas, para além das que já aqui partilhei, mas como não sou capaz de dizer grande coisa sobre elas, não me tenho sentido motivada a mostrá-las aqui no blogue.
A que mostro hoje é a última que comprei, juntamente com dois galheteiros também de faiança, numa daquelas ocasiões, raras, felizmente para a bolsa, em que não conseguimos escolher qual das peças comprar e trazemos o lote para casa. Este não foi caro porque as peças têm todas restauro ou pequenos defeitos.


Achei esta terrina muito curiosa  porque embora aparentemente a tampa e a base não coincidam, a verdade é que a pasta e as duas tonalidades de azul da decoração são exatamente as mesmas.

Vista de cima nota-se também a coincidência nos motivos geométricos que decoram as asas e a pega da tampa. Se as duas peças não nasceram uma para a outra, pelo menos fizeram-lhes um casamento feliz.


O motivo da base parece-me ser uma mistura do "País" de Miragaia e afins com uma versão de "Cantão Popular" mas não sou capaz de dar palpites quanto à origem. A cúpula do edifício e a palmeira lembram Miragaia e suas imitações, mas os restantes elementos já são de outro "filme".



É difícil perceber se a estrutura com arcos à frente do edifício pretende representar uma ponte, geralmente presente no cantão popular. Eu penso que sim, mas, podia também ser uma galeria no rés-do-chão do palácio com um terraço por cima...


Por baixo das asas, pequenos motivos de água e nuvens, muito presentes nas decorações cantão popular. A toda a volta da base o motivo dos edifícios aparece em repetição, quatro vezes.
Curiosamente todo o conjunto fez-me lembrar, salvaguardando as óbvias diferenças e distâncias, as terrinas redondas no "Cantão" chinês que têm na base uma cena original "Cantão" ou semelhante e a tampa só decorada com peónias.


Terrina do último leilão da leiloeira Renascimento, porcelana da China, período Qianlong

terça-feira, 19 de julho de 2011

Porcelana inglesa da época Georgiana - Georgian English porcelain

Esta semana participo no Tea Cup Tuesday e no Tea Time Tuesday inspirada pela Terri de Artful Affirmations que tem feito posts belíssimos sobre porcelana e faiança a partir de Inglaterra, onde está de férias.
This week I participate in Tea Cup Tuesday  and in Tea Time Tuesday inspired by Terri of Artful Affirmations, who has made two very fine posts about porcelain and pottery, from England, where she is on holidays.


Numa pequena sala que durante décadas me serviu de escritório, tenho um armário- estante onde  aos poucos fui substituindo livros e dossiês por porcelana. Como a minha atividade profissional esteve sempre ligada ao mundo anglófono, foi nessa sala que, à mistura com livros, quadros e outros objetos relacionados com a cultura inglesa, fui concentrando toda a porcelana  antiga e também alguma faiança com essa origem.

Quando se fala no século XIX inglês, há uma associação imediata à época vitoriana, que marca o auge do poderio industrial britânico e é ainda uma época alta do seu poderio imperial. No entanto, o reinado da Rainha Vitória, por muito longo e marcante que tenha sido (1837-1901), no que diz respeito à produção de porcelana, o que me interessa mais para este post, já não corresponde à época de ouro em termos de inovação e de qualidade artística.


Antes dela, apenas separado pelo curto reinado de William IV (1830-1837) houve um longo período de mais de um século da história inglesa (1714-1830) correspondente aos reinados de quatro monarcas de nome Jorge (George I, George II, George III, George IV) também muito marcante para a história mundial já que correspondeu à grande era de expansão do Império Britânico e assistiu às primeiras décadas da Revolução Industrial.
Nessa época, nos reinados de Jorge II e de Jorge III se situam as primeiras fases  da produção de porcelana em Inglaterra. Foi nesse período que  se deu a invenção e consolidação de técnicas, se experimentaram fórmulas de diferentes pastas até à invenção da "bone china", a porcelana fosfática tipicamente inglesa que se deve ao pioneirismo de  Josiah Spode.


A  porcelana desta época, atrai pela   simplicidade elegante nas formas e nas decorações, pelo menos até ao período Regência (1811-1820), sendo a porcelana mais valorizada por colecionadores e por historiadores desta arte, com a mítica Chelsea à cabeça, de que já falei num outro post, seguida de muito perto por Derby, também já aqui tratada,  e por Worcester.
Na foto acima, mostro  porcelana ainda sem marca de fabrico, à excepção das taças e pires Derby em primeiro plano, que já mostrei noutro post. Algumas peças têm como única marca o número de padrão, o que permite por vezes identificar o fabrico e a respetiva data aproximada. Neste conjunto há, para além de Derby, porcelana New Hall - a do centro é o padrão 311 datado de 1795-1800 - e Coalport da mesma época e mais tardia. Estas formas simples de taças de chá eram os recipientes ainda sem asa que copiavam a porcelana chinesa, mas neste caso já com uma decoração segundo padrões europeus, à excepção das peças New Hall no centro do conjunto, com nítida influência  família rosa da porcelana chinesa de exportação, conhecida por Companhia das Índias.

Deste par faz parte o exemplar que deu início à minha coleção de porcelana inglesa. Comprei a taça e pires numa feira em Coimbra ou Aveiro, já não me lembro, como porcelana francesa, embora pouco convencida, mas depressa descobri tratar-se de um padrão inglês muito usado por mais do que um fabricante, quer em formas lisas, quer assim em gomos espiralados, na viragem do século XVIII para o século XIX. Não tem qualquer marca, mas graças às minhas pesquisas na net, pela forma e decoração penso tratar-se do padrão 202 da New Hall. Passados anos, na feira de Algés, encontrei um exemplar igual, formando agora o par.

Esta porcelana era ainda de pasta tenra (também chamada de pasta branda ou pasta mole em oposição à fórmula chinesa de pasta dura), daí o craquelé ou crazing que afeta um dos exemplares, sobretudo o pires.
A forma com estrias espiraladas é muito caraterística desta época em Inglaterra e por isso identifiquei este outro exemplar, que encontrei à venda num antiquário de Aveiro, também sem qualquer marca ou decoração, como de fabrico inglês.


Tem uma pasta acinzentada e baça,  ainda pasta tenra, o que confirmei ao encontrar um conjunto de taças e pires iguais na coleção online de um museu inglês, Brighton & Hove Museums, que os atribui a Coalport, final do século XVIII.


Quase todas estas porcelanas foram compradas em Portugal,em diversos lugares e ocasiões, por preços módicos considerando a antiguidade, entre 15€ e 25€ cada taça e pires, exceptuando as peças Derby. A taça e pires padrão 311 da New Hall traz-me gratas recordações da última ida a Londres, há mais de um ano, onde foi comprada com mais duas peças de porcelana antiga no Jubilee Market, junto a Covent Garden.

terça-feira, 12 de julho de 2011

As flores mais singelas da porcelana da Vista Alegre - the simplest flowers of Vista Alegre porcelain

Cá estou eu a participar novamente no Tea Cup Tuesday e no Tea Time Tuesday.


Este é mais um bule do modelo gomado da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre que já mostrei noutro post, mas agora, tanto o bule como a chávena e pires, com uma decoração muito simples de raminhos com uma rosa, pintados à mão. Completa a decoração um filete azul no bordo das peças e no bico do bule. 

Têm duas das marcas usadas pela Vista Alegre no período 1881-1921. Penso que seria porcelana de uso corrente, duma gama um pouco acima dos modelos brancos sem decoração, mas sem os requintes de pintura e os toques de dourado que caraterizam exemplares mais ricos da mesma época.


Na mesma linha decorativa e também do mesmo período de fabrico da Vista Alegre, tenho mais duas chávenas e um pires. As chávenas ostentam a marca "cegonha", tal como as anteriores usada de 1881 a 1921.


O pires maior, sem chávena, é mais antigo do que as restantes peças, já que está marcado com o VA azul que se vê na fotografia acima.

Esta chávena muito delicada, em porcelana casca de ovo, tem um pires com a mesma marca e a mesma decoração, mas em porcelana mais grossa.



A flor pintada à mão que se vê agora, não sendo já uma rosa, mantém os mesmos tons e o mesmo tipo de folhagem da primeira decoração.


A esta segunda chávena juntei um pires, que não sendo Vista Alegre, nem sequer português, tem uma decoração de raminhos muito semelhante. Não será difícil encontrar um pires que case com a chávena, mas para já, enquanto não o tiver, não me parece que fique mal este no conjunto.

                                    

A marca a azul que tem no fundo, pouco perceptível mas já minha conhecida de outras peças que tenho, identifica-o como sendo fabrico alemão de Carl Tielsch - as iniciais CT sob uma águia de asas abertas - fabricante que operou na segunda metade do século XIX na Silésia, na cidade de Altwasser, à época alemã, mas depois integrada na Polónia com o nome de Stáry Zdrój.

sábado, 9 de julho de 2011

Caixa indo-inglesa de Vizagapatam

Durante mais de vinte anos tive um casal de grandes amigos a viver em Bruxelas e por isso várias vezes os visitei, e pude conhecer a cidade.
Dali fizemos viagens a Bruges, Antuérpia, Amsterdão, Colónia; com eles visitei a exposição "The Golden Age" no Rijksmuseum de Amsterdão; também a partir de Bruxelas viajámos até Londres de combóio, no Eurostar, e atravessámos o Canal da Mancha pelo "chunnel". São tudo experiências que guardo com carinho nas minhas memórias e  que recordo muitas vezes só de olhar para certos objetos.
Esta caixa é um deles.


Programa que procuro não perder, em qualquer cidade que visite, são as feiras de velharias ao fim de semana. Desta vez fui com o meu marido, num Domingo de manhã muito frio de Fevereiro, a uma feira de velharias na parte mais antiga de Bruxelas.
Depois de percorrer várias bancas, algumas simples panos estendidos no chão com objetos que pouco me diziam, vi uma caixa em muito mau estado que me chamou a atenção porque reconheci o trabalho rendilhado em marfim.
A caixa estava uma ruína, muito suja e baça e com falta de muitas peças. No entanto, ao abri-la, vi que tinha dentro vários bocados soltos de marfim e o estado no interior, excluindo a sujidade, era quase impecável.

Pediram-me 50 ou 60 euros por ela naquele estado, mas acabei por a trazer por 40.
Dali, enregelados com uma temperatura de 0º, refugiámo-nos num bar tipo pub inglês, super-aquecido como é habitual por estas paragens, tomámos uma bebida quente e já recompostos, regressámos à casa dos nossos amigos com o recém-adquirido tesouro. Apesar de eles não nos acompanharem no gosto por velharias, gostam de objetos de qualidade e reconheceram-na e apreciaram-na na caixa que levávamos.


Já em casa, em Portugal, ao proceder à limpeza da caixa, verifiquei que o exterior era revestido a chifre, e não a madeira como eu pensava e como tem no interior. As peças soltas foram coladas e ela ficou com o aspecto que tem atualmente. É portanto uma caixa de madeira, provavelmente teca, revestida a placas de chifre e decorada com placas rendilhadas de marfim e ainda peças de marfim esgrafitadas com motivos vegetalistas e figuras de deuses hindus. A fixar as peças tem delicadas tachas ou botões de marfim já com algumas faltas.


Entretanto, iniciei uma pesquisa para saber do que se tratava, o que não foi difícil porque  era claro tratar-se de trabalho com origem no sub-continente indiano. Vim a saber que este tipo de artefactos foi produzido nos séculos XVIII e XIX na cidade de  Vizagapatam, na costa oriental da Índia, durante o domínio britânico, produção muito incentivada pelos colonizadores e exportada em larga escala para os territórios do Império Britânico.
Depois de ter visto vários exemplares de caixas deste tipo, sei que a esta faltam os pés de marfim em forma de garra que lhes dão ainda mais encanto.
São e foram sempre objetos muito úteis na vida quotidiana e há exemplares magníficos com marfim e com madrepérola na arte indo-portuguesa. Eu na minha caixa de Vizagapatam guardo leques antigos, de marfim e de tartaruga, dois materiais orgânicos cuja comercialização está atualmente muito condicionada, e justificadamente, em defesa das espécies, mas que no passado foram muito apreciados pelos europeus como materiais exóticos de grande beleza e plasticidade.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Versões da paisagem "Cantão"

Como outros amantes de velharias e de faiança portuguesa, tenho vários exemplares de faianças a que se convencionou chamar "Cantão Popular".
São conhecidos no mundo das velharias por Miragaia (Porto), mas a  maior parte será já do século XX, sobretudo de Aveiro e de Gaia, o que será o caso de pratos e travessas que tenho e também uma infusa, iguais a alguns exemplares já mostrados nos blogues Velharias e Lérias e Velharias.


Mas também aparecem nesses blogues peças mais antigas do tipo desta pequena travessa, que comprei já cheia de gatos, mas que achei irresistivelmente encantadora.
Lá está o palácio oriental, a ponte, as árvores estilizadas, as nuvens, os traços a sugerir a água do rio, tudo elementos da paisagem "Cantão", tal como foi por cá reproduzida. Os desenhos da aba repetem-se com ligeiras variações neste género de peças.
 

Há pouco tempo descobri outra travessa, muito maior do que a anterior, desta vez com uma decoração bastante diferente, mas em que se reconhecem os elementos da paisagem Cantão.


Apesar dos gatos e esbeiçadelas, dei  sem grande hesitação os 15€ que me pediram por ela na Feira de Velharias de Aveiro. É uma representação mais tosca das decorações com repetição de motivos que se veem em jarras Miragaia ( nº 253 e 254 do catálogo Fábrica de Louça de Miragaia) e também em pratos ingleses John Meir & Son.


No rio vêem-se agora várias ilhotas, cada uma com o seu edifício, e no desenho central, assim como num outro do lado esquerdo, o palácio oriental parece ter sido transformado em templo cristão, já que se vêem os edifícios encimados por uma cruz... ou serão postes de bandeira que tão populares eram nestas decorações populares?


A ponte parece ter desaparecido do desenho central, a não ser que esteja representada pelas quatro colunas que se vêem do lado direito do edifício central, junto à árvore; no entanto, na forma essas colunas parecem reproduzir os pilares da base do palácio oriental que aparece  no motivo inglês "Willow" de que mostrarei um exemplar mais abaixo.


Penso, no entanto, que há duas pontes, muito singelas, nos pequenos desenhos superiores, dos vários que compõem o motivo do centro da peça.
As árvores já estão a caminho das mais estilizadas que parecem paraquedas em versões posteriores como as marcadas Cavaco Gaia.


Aqui se vê a diferença de tamanho e de opções decorativas entre as duas peças.
A cercadura da aba na segunda travessa também parece ter sido feita à mão como a da primeira, porque o motivo de arabescos e folhas, embora sempre repetido como os que são feitos por estampilha ou stencil, apresenta diferenças na repetição. 
E agora uma revelação a posteriori. Vi há pouco tempo um prato coberto com cercadura semelhante atribuído a Santo António de Vale da Piedade!


Estes pratos são de porcelana chinesa, talvez Qing do século XVIII ou XIX, com as paisagens originais chinesas conhecidas por "Cantão". Curiosamente, há elementos que não constam destas versões originais, nomeadamente a ponte e, no prato de cima, o chorão, mas a paisagem de rio, edifícios ribeirinhos, barcos e barqueiros aparecem nos dois exemplares.
Os ingleses transformaram e popularizaram estas paisagens no motivo "Willow", o salgueiro ou chorão, que também encontramos na faiança portuguesa de Sacavém, Massarelos e outras  e que a Vista Alegre também reproduziu no motivo "Blue Canton".


Travessa inglesa "willow" de John Meir & Son

O "Blue Canton" da Vista Alegre com a marca associada "Mottahedeh"