Esta tacinha de chá de porcelana chinesa , do séc. XVIII, é um dos meus mais estimados pequenos tesouros porque representa um período muito particular da história da porcelana na Europa.
Nunca é demais lembrar que foram os portugueses envolvidos na saga das descobertas que, ao longo do séc. XVI, foram responsáveis pela chegada à Europa, através do porto de Lisboa, de imensas cargas com objectos de porcelana, entre outras riquezas.
A China já a fabricava no séc. IX mas ficava a uma distância incomensurável à época, e só muito esporadicamente havia notícias na Europa da existência daquele produto simultaneamente belo, resistente, de fácil lavagem e manutenção e sem perigos para a saúde. Convém lembrar que os materiais usados até então para servir os alimentos eram o barro, a madeira e os metais mais ou menos nobres, cuja oxidação representava grandes riscos para a saúde. O vidro era um produto caro e muito frágil.
Assim, quer através da Rota da Seda, quer através do comércio dos Árabes com o Extremo Oriente, iam chegando aos portos do Mediterrâneo exemplares de porcelana que muito fascinavam os europeus mais ricos, membros das casas reais, os únicos que podiam aspirar a possuir tão exótico material nos seus Gabinetes de Curiosidades. As porcelanas chinesas eram assim equiparadas a objectos de cristal de rocha, de jade, de marfim e madrepérola, de prata, ouro e pedras preciosas, que enchiam estas verdadeiras cavernas de Ali Babá.
Ao abrir-se a Rota do Cabo e a carreira da Índia, a China ficou muito mais próxima da Europa e não só as especiarias, mas muitos outros produtos exóticos do Oriente fizeram a sua aparição triunfal no porto de Lisboa onde mercadores de toda a Europa, mas sobretudo da Europa do Norte, os esperavam para depois os distribuirem pelos respectivos países. Assim se foi criando um mercado para a porcelana e uma procura cada vez maior.
Ao abrir-se a Rota do Cabo e a carreira da Índia, a China ficou muito mais próxima da Europa e não só as especiarias, mas muitos outros produtos exóticos do Oriente fizeram a sua aparição triunfal no porto de Lisboa onde mercadores de toda a Europa, mas sobretudo da Europa do Norte, os esperavam para depois os distribuirem pelos respectivos países. Assim se foi criando um mercado para a porcelana e uma procura cada vez maior.
O meu mini-micro-nano gabinete de curiosidades com pequenas peças orientais |
Porém, durante o séc. XVII, ao mesmo tempo que o quase monopólio do comércio do Oriente passava das mãos dos portugueses para as dos holandeses, cujos piratas começaram a sistematicamente assaltar e pilhar as grandes carracas portuguesas, (daí o nome kraakporselein, ainda hoje dado à porcelana chinesa de exportação desse período) também a manufactura de porcelana na China sofria as consequências da guerra civil, entrando em declínio. É então que entra em cena um novo país exportador de porcelana, o Japão, que através do comércio monopolista dos holandeses, coloca os seus produtos na Europa, educando o gosto europeu no sentido da decoração imari e kakiemon. Os tons imari - fundamentalmente azul, vermelho e dourados - passam a ser moda e a procura é crescente. Os próprios chineses que entretanto recuperaram o mercado, começam a fabricar o chamado imari chinês e a satisfazer este novo gosto.
É então, já à beira do séc. XVIII, que os holandeses começam a utilizar um estratagema que lhes permite abastecer o mercado europeu de porcelana imari a preços muito reduzidos: importam porcelana azul e branca da China - a que utiliza decoração azul sob o vidrado, sem acrescentar outras cores sobre o vidrado, o que encarecia o processo e consequentemente o produto - e é só na Holanda que os restantes tons imari são acrescentados em pequenas oficinas de pintura de porcelana, processo a que os ingleses chamaram clobbering.
Foi este o caso da tacinha de chá que é vedeta neste post. Trouxe da China umas nuvens e ramagens azuis e depois de viajar largos meses no fundo de um escuro porão, chegou à Europa onde toda a restante pintura foi acrescentada por mãos holandesas a meados do séc. XVIII. A pequena travessa oval que está dentro da vitrine também pode ter sido decorada pelo mesmo processo, ou então é de imari chinês. Ainda não consegui esclarecer esta dúvida porque nunca vi nenhuma igual, ao passo que a decoração da taça de chá aparece em livros e sites.
Comprei-a numa feira, não me lembro se em Aveiro se em Coimbra porque o vendedor faz estas e outras feiras. Andei a namorá-la durante algum tempo porque achava o preço alto, considerando o tamanho e o estado de conservação da peça, mas já me parecia algo de especial. Soube destas histórias de porcelana decorada na Holanda, e também em oficinas de Londres, através de sites ingleses, não me lembro se antes se depois de a comprar, mas o certo é que a comprei por 30€ há já uns anos.
Hoje acho que foi um preço muito acessível, considerando o prazer que me dá ter em casa uma peça capaz de contar toda esta história dos longos percursos da porcelana.