Uma das áreas da faiança portuguesa que é alvo de interesse e suscita muitas dúvidas é a faiança azul e branca a que se chama de Miragaia, sobretudo o motivo País e o chamado Cantão popular. Felizmente o catálogo Fábrica de Louça de Miragaia veio lançar alguma luz sobre o assunto, ao demonstrar que muita coisa do género se fabricou noutras unidades cerâmicas do norte do país, mas obviamente não o esgota.
Uma das fábricas concorrentes com produção semelhante, de que se fala muito menos, é a de Santo António de Vale da Piedade e talvez por essa razão, esse nome exerce sempre em mim alguma atração.
Travessa marcada da Fábrica de Miragaia |
Fiquei por isso muito satisfeita quando há tempos um seguidor deste blogue me enviou amavelmente fotografias de duas travessas suas do século XIX, com o motivo País - o tal que foi inspirado num motivo da faiança inglesa da Herculaneum Pottery já aqui abordado - ambas marcadas, sendo a primeira de Miragaia e a segunda de Santo António de Vale da Piedade.
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Travessa da Fábrica de Santo António de Vale da Piedade e respetiva marca |
Comparando as duas peças apenas visualmente e a duas dimensões - fatores como o peso e o tipo de pasta também são sempre importantes - percebe-se que o motivo central é muito semelhante nos dois exemplares, mas já na cercadura, flores e folhas apresentam diferenças. Também segundo o amigo possuidor das peças, os azuis são distintos, mais intensos os de Sto António, embora devido à variável incidência de luz nas fotografias, esse dado não seja percetível aqui nem nas imagens de catálogos. Talvez mais percetível é um outro dado também distintivo das duas produções segundo o dono das peças que é o branco "frigorífico" de Miragaia que não se observa em Santo António de Vale da Piedade.
Jarra de altar sem marca |
Os azuis muito vivos que decoram esta minha jarra de altar, já aqui partilhada, estarão mais próximos dos de Santo António do que dos de Miragaia, só que aqui não aparece qualquer marca. Aliás, a única peça deste tipo que tenho marcada é um prato de Miragaia, sobre o qual já fiz um post, mas que achei oportuno aqui trazer de novo. Pretendo salientar a semelhança com a primeira travessa, não só no motivo, que é o mesmo, mas na moldagem da orla, bem caraterística da loiça tipo país de Miragaia.
Prato marcado da Fábrica de Miragaia |
Para além disso, penso que os tons azuis do meu prato ficaram razoavelmente fiéis na fotografia aos tons Miragaia que ele apresenta ao vivo, notando-se uma diferença assinalável em relação aos azuis da jarra. Será que é esse tipo de diferença que se observa ao comparar-se ao vivo peças de um e de outro fabrico?
Luis Augusto de Oliveira, grande colecionador de faiança portuguesa de há cem anos, que muito contribuiu para as coleções do Museu de Viana, no seu catálogo "Exposição Retrospetiva de Cerâmica Nacional em Viana do Castelo" refere-se assim aos azuis de Santo António de Vale da Piedade do período de João Araújo Lima, pós Rossi, portanto.
" Em 1844 conseguiu admitir o barrista Francisco de
Lima, melhorando em seguida as condições da fabricação, rivalisando então de
certa maneira com os productos de Miragaya.
Diligenciou obter a maneira de preparar a melhor tinta de
côr azul, que resultou do emprego de cobalto, depois de passar por diversas
reacções chimicas, sendo a receita fornecida pelo lente de Chimica da Academia
Polytechnica Frei Joaquim de Stª. Clara de Souza Pinto..."
Também do mesmo seguidor é esta travessa, sem marca, segundo ele atribuível a Santo António de Vale da Piedade pelo tipo de cercadura, muito semelhante à de uma peça de lá proveniente.
Eu considero-a uma travessa encantadora, não só pela delicadeza do motivo floral da cercadura, mas também pelo tema central nitidamente inspirado na fábula de La Fontaine "A raposa e o corvo".
Só que aqui os azuis já não parecem tão intensos...
Enfim, há que concluir que é dificílimo fazer este tipo de comparações por fotografia.
Resta-me agradecer ao seguidor anónimo que nos proporcionou admirar e discorrer sobre as suas belíssimas peças, disponibilizando também alguma da informação que aqui partilhei.