Bem, estando este livro datado de 1583, o "quase" ainda é um período de 83 anos que o separa da data que se convencionou adoptar como limite para se considerar um livro como incunábulo - 1500.
Mas gostava de ter um, lá isso gostava...
Como é sabido, a invenção da imprensa, isto é, a utilização de tipos metálicos móveis para imprimir texto sobre papel, deve-se a Johannes Gutenberg (c.1398 -1468) que nasceu e morreu na cidade alemã de Mainz, também conhecida em português como Mogúncia, e daí revolucionou o acesso ao conhecimento e a história da humanidade.
Depois de desenvolver o seu invento por mais de uma década, fez por este processo uma magnífica edição da Bíblia, a Bíblia Latina, publicada em 1455. Esta foi a sua obra maior, sendo conhecida por "Bíblia de Gutenberg" ou "Bíblia das 42 linhas", de que existem hoje 48 cópias conhecidas.
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Página da Bíblia de Gutenberg |
Todos os livros impressos em vários países da Europa, incluindo Portugal, entre 1455 e 1500 são os chamados incunábulos, termo que vem do latim "in cuna" ou seja "no berço", referindo-se aos primeiros tempos do uso da imprensa.
Este foi um dos meus salvamentos numa feira de velharias, há já uns 8 ou 10 anos. Estava em monte com outros livros e eu tive a sorte de reparar que tinha a data de 1583, não na folha de rosto, que está rasgada, mas na última página impressa.
Trata-se de uma enciclopédia escrita em latim no séc. XIV, dividida em 10 livros, cada um deles versando um tema diferente, sobre a natureza, as artes, as leis e a moral, e por sua vez divididos em capítulos.
O autor, Joanne de Santo Geminiano, nasceu em Itália no final do séc. XIII e lá morreu, supõe-se que em Siena, em 1323. Tomou o hábito dominicano em Siena e já era conhecido em toda a Itália como pregador quando se dedicou a esta obra, cujo manuscrito foi completado em 1313.
A primeira edição impressa foi publicada em 1477 e ainda houve várias edições no séc. XV, portanto incunábulos. A partir daí, por todo o séc. XVI e XVII, fizeram-se edições desta obra em várias cidades europeias: Veneza, Antuérpia, Lyon e Frankfurt são as que eu já vi referenciadas.
No caso desta minha edição, que pela data e pelo nome do tipógrafo terá saído de uma oficina de Antuérpia, os dez livros da enciclopédia estão contidos num único volume de 546 páginas com caracteres minúsculos.
São os seguintes os títulos dos dez livros:
1 - De Caelo et Elementis (sobre o céu e os elementos);
2 - De Metallis et Lapidibus (sobre os metais e as pedras);
3 - De Vegetabilibus et Plantis (sobre os vegetais e as plantas);
4 - De Natatilibus et Volatilibus ( sobre os nadadores e os voadores);
5 - De Animalibus Terrestribus (sobre os animais terrestres);
6 - De Homine et Membris eius (sobre o homem e os seus membros);
7 - De Visionibus et Somniis (sobre as visões e os sonhos);
8 - De Canonibus et Legibus (sobre os cânones e as leis);
9 - De Artificibus et Rebus Artificialis (sobre as artes e as coisas artificiais);
10 - De Actibus et Moribus Humanis (sobre os actos e os costumes humanos).
Como se vê, uma obra muitíssimo abrangente se nos lembrarmos que foi escrita no início do séc. XIV. Nas últimas 26 páginas tem um índice por ordem alfabética de todos os assuntos tratados.
O estado de conservação não é bom, mas pode considerar-se razoável, dada a idade do exemplar: para além da folha de rosto rasgada, faltam-lhe algumas páginas pelo meio e há muitos picos de traça que, no entanto, não afectam o texto.
Tem encadernação de pele, in-oitavo - tamanho dos cadernos que corresponde à divisão das folhas de papel em oito partes - mas é mais recente do que a edição, porque as páginas originais foram guilhotinadas. Na verdade, quase não existe margem superior talvez para que o livro coubesse melhor entre prateleiras.
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Página de rosto completa de um exemplar com a mesma edição do meu |