As jarras digitadas ou floreiras de três, quatro, cinco dedos, estão no meu imaginário desde criança. Desenhava-as muitas vezes nos meus quadros a lápis de cor, com flores muito atabalhoadas, já que a habilidade para o desenho nunca por cá morou muito...
Talvez por isso, sempre quis ter uma, antiga, com aqueles dígitos cheios de escamas em relevo, de que se encontram alguns exemplares nas coleções do MatrizNet. Só que, até há pouco tempo, ainda não me tinha cruzado com nenhuma que achasse apetecível. ;)
Esta chamou-me a atenção num antiquário de Coimbra onde gosto de entrar de vez em quando. Ao ver de perto, percebi que não estava nada bem tratada, com um dos dedos partido e colado, mas o preço marcado não era propriamente hostil e ainda baixou para uma dezena de euros, após pequena negociação. Via-se que era para despachar o "traste"!
Notei, ainda na loja, que a etiqueta com o preço estava colada sobre um marca na base, incisa na pasta. Tal facto aguçou-me logo a curiosidade e deixou-me a pensar se teria havido intenção de esconder a marca, talvez estrangeira e não em faiança portuguesa antiga, como levaria a pensar o formato da jarra de três dedos.
Ao chegar a casa, procurei decifrar a marca com uma lupa, mas não foi fácil perceber quais as iniciais que lá estavam. Por cima delas também não era muito clara a figura, mas parecia uma coroa. Resolvi fotografá-la para a conseguir ampliar no computador e percebi então tratar-se das iniciais RF efetivamente sob uma coroa. Seria Real Fábrica? Ou Royal Factory? Ao percorrer as listas de marcas portuguesas - nas obras de José Queirós e de Arthur de Sandão - vi que não era marca que ali constasse e então convenci-me que seria inglesa.
A pasta parecia-me creamware, muito mais fina e bem acabada do que a das floreiras portuguesas que eu tenho visto. O próprio formato tem pormenores requintados como fitas e laços bem moldados. O problema é que por mais que procurasse no meu livro inglês de marcas e em sites da Internet, o RF com a coroa não se dignava aparecer.
Na semana passada, estive com um especialista em cerâmica do Museu Machado de Castro e lembrei-me de lhe mostrar a marca, que tinha no cartão da máquina. Disse-me ele logo: "Isso é Rato!" E eu incrédula: "Rato? Mas eu nunca vi marcas da Fábrica do Rato com coroa e gravadas na pasta!"
Bem, resumindo e encurtando, ele pôs-me nas mãos o catálogo Real Fábrica de Louça ao Rato, Lisboa MNA/IPM, 2003 para eu folhear e, ao fim de um bom bocado, lá estava a marca, fotografada numa caneca cabeça de preta da coleção Hipólito Raposo, do último período de produção da fábrica (1818-1834).
Segundo o especialista Alexandre Pais, estas marcas a punção terão sido usadas a partir da administração de Alexandre Vandelli (de 1818 a 1824) em faiança de pó de pedra, a grande novidade à maneira inglesa do stoneware, que foi introduzida na altura. Assim, depreendo que a pasta desta minha jarra seja pó de pedra, aos meus olhos leigos facilmente confundível com o creamware inglês.
Imaginem a emoção! Sim, porque não é todos os dias que se encontra uma peça marcada da Real Fábrica de Louça, um tanto escaqueirada, é certo, mas a revelar a qualidade e sofisticação daquele fabrico, iniciado em 1767 por ordem do Marquês de Pombal!
As marcas da Fábrica do Rato em Arthur de Sandão |
Bem, resumindo e encurtando, ele pôs-me nas mãos o catálogo Real Fábrica de Louça ao Rato, Lisboa MNA/IPM, 2003 para eu folhear e, ao fim de um bom bocado, lá estava a marca, fotografada numa caneca cabeça de preta da coleção Hipólito Raposo, do último período de produção da fábrica (1818-1834).
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Caneca do Museu Nacional Soares dos Reis atribuída à Fábrica do Rato |
Imaginem a emoção! Sim, porque não é todos os dias que se encontra uma peça marcada da Real Fábrica de Louça, um tanto escaqueirada, é certo, mas a revelar a qualidade e sofisticação daquele fabrico, iniciado em 1767 por ordem do Marquês de Pombal!