Esta pintura a óleo sobre tela é a minha preferida cá em casa e vou deixá-la aqui convosco durante um período em que, não estando ausente, vou estar impossibilitada de alimentar este blogue com regularidade. Adoro a beleza serena e triste desta mulher, e o jogo das cores, assim como o geometrismo das formas, conferem ao quadro um grande impacto visual. Mas não é só por isso que ele tem um significado especial para mim.
Em primeiro lugar, o pintor António Pimentel, Tópi para os amigos,tem lugar assegurado entre os pintores portugueses contemporâneos, embora esteja neste momento algo esquecido.
Foi co-fundador do Círculo de Artes Plásticas da Associação Académica de Coimbra - hoje CAPC, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, a comemorar 50 anos, que teve merecido destaque ontem, no programa Câmara Clara - mas a sua formação mais séria nas Belas Artes obteve-a em Paris, onde estudou e viveu nas décadas de 60 e 70.
É natural de Condeixa-a-Nova, portanto meu conterrâneo, amigo de infância e juventude do meu pai, e com ele convivemos, embora esporadicamente, na última fase da vida, porque infelizmente já nos deixou há doze anos, quando contava apenas 63 anos.
Comprámos este quadro à sua viúva, a também artista Colette Vilatte, a companheira que conheceu em Paris e o acompanhou no regresso a Portugal. Uma força da natureza, amiga sempre calorosa e jovial, a Colette também já se deixou morrer, prematuramente como o marido, por ter uma vida de tal maneira assoberbada de trabalho que nem se permitiu o luxo de cuidar da saúde quando ficou mais debilitada e surgiu a doença.
Também poderia falar da pintura da Colette, e talvez fale um dia, mas desta vez é de António Pimentel que se trata.
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António Pimentel à saída do atelier no Bom Velho |
Este meu, dele, quadro é de 1957, ano em que ele fez a sua primeira exposição individual na Galeria "Primeiro de Janeiro" em Coimbra. Era ainda muito novo, 22 anos, e pintava sob a influência da corrente neo-realista, notando-se já aqui o geometrismo que caracterizaria o seu trabalho em fases posteriores. A Colette deixou-nos escolher esta tela, pela qual me encantei no atelier do Bom Velho, apesar de ser um trabalho marcante dos tempos de juventude do marido, que tinha permanecido na sua posse.
Depois do regresso a Portugal, vindo de Paris, trabalhou em Lisboa como publicitário e ilustrador. Só em 1985 resolveu dedicar-se de novo à pintura e regressou à terra natal onde montou casa e atelier, não na vila, mas nas aldeias próximas de Alcabideque - onde se localiza a mãe de água que abastecia Conímbriga - e de Bom Velho.
Realizou dezenas de exposições, individuais e colectivas, não só em Portugal, mas também no Brasil, França, Espanha, Bélgica, Inglaterra e Alemanha.
Entre os trabalhos de pintura mais conhecidos de António Pimentel está a sua série dedicada ao rei D. Sebastião, que esteve exposta na Bélgica durante a Europália, em que surgem como elementos simbólicos elmos e guitarras - as 10.000 guitarras que, segundo a lenda, juncavam o chão por entre os despojos de Alcácer Quibir. Também muito conhecidos são a série de trabalhos dedicados a Soror Mariana Alcoforado e às "Lettres Portugaises", os meus preferidos, cheios de imaginação, sensualidade e beleza. Também tem um quadro magnífico com um cogumelo, que conheço dos catálogos, mas não sei em que afortunadas mãos ele se encontra.
A exposição "Organismos", fragmentos de peças mecânicas com azuis e vermelhos lindíssimos, foi a última que realizou, já consumido pelo cancro que o vitimou, e q visitámos com ele no Museu Municipal Santos Rocha da Figueira da Foz, em 1997, depois de ter tido destaque na Galerie Sanguine de La Rochelle, em França.