É tempo de cogumelos... e eu adoro cogumelos.
No Outono, 4 ou 5 dias depois das primeiras chuvadas, eis que começam a brotar por todo o lado, nos jardins, nos campos e nas florestas. Durante este mês de Novembro há notícias da realização por todo o país de encontros, congressos e sessões gastronómicas que têm por tema a micologia, mais propriamente os macrofungos, ou seja, os cogumelos.
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Como eu, o Prémio Nobel da Literatura e também artista plástico Günter Grass gosta de cogumelos. Dedicou-lhes uma série de aguarelas e gravuras, e é dele esta litografia que aqui mostro. Comprei-a em Lubeque, no norte da Alemanha, onde residiu e há uma casa com o seu nome e também um galerista que o representa na cidade. Foi durante uma viagem que fiz com uma colega e um grupo de alunos para participarmos num MUNOL (Model United Nations Of Lübeck). Fazia parte das visitas para profs a ida à galeria e acabei por não resistir aos cogumelos e ainda trouxe uma serigrafia, também de Günter Grass, com uma vista costeira do sul de França nuns azuis magníficos.
Na sua obra auto-biográfica "Descascando a cebola" ele narra como se começou a interessar pelas artes plásticas, ainda criança, como esse gosto foi interrompido pelo eclodir da guerra em 39, que obrigou a família a deslocar-se, como foi incorporado e participou na guerra, ainda muito novo, do lado das forças hitlerianas na qualidade de jovem alemão que era. Regressado à vida civil, foi-se nele desenvolvendo paralelamente o gosto pela escrita e o gosto pelas artes plásticas: escultura, desenho, gravura e aguarela.
Neste álbum, comprado na loja do Museu Grão Vasco, aparecem algumas aguarelas dos anos 50, mas são principalmente dos anos 90 até 2000. Há um grupo muito interessante com que ilustrou a obra "O meu século", 100 aguarelas e 100 histórias, uma para cada ano do séc. XX, em que combina magistralmente cor e texto. Há um outro grupo dedicado a Portugal, com paisagens do Algarve, onde tem uma casa e passa longas temporadas.
Voltando aos cogumelos, são várias as espécies retratadas, certamente reminiscências da infância na sua Danzig natal (agora Gdansk) onde os colhia nos campos, e da época de guerra em que o conhecimento de algumas espécies lhe valeu como meio de mitigar a fome nos campos e florestas alemães.
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Boletos, 2000 |
Este é um dos meus interesses especiais, inevitavelmente sazonal, e chegado o Outono, todos os anos, lá ando eu a prescrutar o jardim diariamente à procura das espécies que, ano após ano, tenho vindo a manter e a fazer propagar à volta da casa.
A técnica é muito simples: conhecendo o habitat ideal de algumas espécies comestíveis, nomeadamente as árvores com que fazem simbiose, fui espalhando por aqui alguns exemplares que apanhava noutros sítios e também as águas de os lavar, quando os consumia.
Mas este processo de atracção e consumo de cogumelos silvestres foi muito lento e rodeado das maiores cautelas. Venho duma família micófoba que por ter conhecido casos graves de mortes por ingestão de cogumelos, não permitia a entrada em casa de qualquer espécie que não fosse de cultura. Mas a verdade é que sempre exerceram sobre mim alguma atracção e em miúda lembro-me de comer deliciosos tortulhos (talvez o
macrolepiota procera) em casa de pessoas amigas quando vivia na Beira Baixa.
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Mistura de cogumelos, 2000 |
Já depois de casada, vivendo no campo, via-os todos os anos a brotar no jardim e no restante terreno e ao ler um artigo numa revista juvenil dos meus filhos sobre cogumelos, apercebi-me que algumas das espécies que lá estavam indicadas como comestíveis e descritas em pormenor, já eram minhas velhas conhecidas do jardim. Fui-me informando melhor, comprei livros bem ilustrados e fui perdendo o receio aos poucos. A minha maior preocupação era sempre saber o que é que distinguia cada espécie comestível de outras semelhantes que fossem tóxicas. Aprendi os nomes científicos e só comecei a consumir os exemplares que sabia exactamente que nome e características tinham: formato e cor do chapéu, formato e cor das lâminas, (no caso dos cogumelos de lâminas que são os mais perigosos porque são de lâminas as espécies mortais, como os terríveis amanitas: amanita phalloides, amanita virosa, amanita pantherina e ainda o amanita muscaria, o bonito cogumelo mágico dos anõezinhos, alucinogéneo e mortal se ingerido em grande quantidade) tamanho e grossura do pé, com ou sem anel e características do anel, formato da base, etc.
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Agaricus campestris |
Os que apareciam mais no jardim eram do género agaricus, isto é, da família dos cogumelos brancos que compramos nos supermercados como champignons. São fáceis de identificar por serem brancos no pé e no chapéu, mas terem lâminas de tom rosado enquanto jovens, que vão escurecendo até ficarem dum tom púrpura acastanhado ao envelhecerem.
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Lactarius deliciosus |
Outra espécie que identifiquei com facilidade e que aparecia debaixo de um grande pinheiro manso foi o lactarius deliciosus, popularmente conhecidos por sanchas ou pinheiras. Têm um tom alaranjado às vezes avermelhado, uns mais do que outros, o chapéu apresenta círculos concêntricos das mesmas tonalidades, as lâminas e o pé, que é oco quando maduro, são da mesma cor. Deitam um líquido laranja avermelhado se espremidos e ficam esverdeados em zonas de corte, por oxidação, mas nada disto é tóxico.
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Macrolepiota procera |
A terceira espécie que foi fácil de identificar foi o
macrolepiota procera, conhecido em todo o país por nomes muito diversos:
peneiras, roques, púcaras, frades, gasalhos, marifusas,
capões ou
capoas são os que eu conheço. Quando o vi no campo pela primeira vez, não tive qualquer dúvida do que se tratava. É um cogumelo enorme, o chapéu aberto chega a ser do tamanho de um prato raso, e o pé é muito alto e fino. Tem um anel móvel, lâminas brancas e o pé e chapéu são em branco sujo com uns acastanhados, no caso do chapéu são escamas que se soltam.
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Boletus edulis |
Os boletos são dos mais apreciados e têm saído anualmente, sobretudo de Trás-os Montes, sem qualquer controle, toneladas deles que se destinam aos mercados e lojas gourmet das principais cidades europeias. Não têm lâminas, mas poros, uma espécie de esponja, por baixo do chapéu. O boletus edulis é um cogumelo volumoso, carnudo, muito macio e muito saboroso, mas raramente o encontro na minha zona, pois aparece sobretudo em carvalhais e soutos.
Agora já consigo identificar mais duas ou três dezenas de espécies, comestíveis e não comestíveis, e participei já por várias vezes nos Congressos anuais da Associação Micológica "A Pantorra", sediada em Mogadouro e noutros encontros micológicos por eles promovidos. Quando fui a primeira vez era a única associação micológica que existia no país, mas hoje em dia, já cá há várias associações do género e o interesse por este tema parece ser crescente já que os cogumelos, um óptimo alimento, podem acrescentar grande valor económico às nossas florestas.