sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Azulejos Arte Nova numa casa da Mealhada


Esta casa de estilo Arte Nova situa-se mesmo no centro da pequena cidade da Mealhada e é por isso um edifício bem conhecido dos bairradinos.
Nela funciona há várias décadas a Farmácia Brandão, nome do primitivo proprietário, Augusto Brandão, que encomendou esta obra para ampliar e remodelar a antiga casa comercial da família. Segundo reza a história local, esta construção foi feita com dinheiro ganho no Brasil e o novo estabelecimento, que abriu como loja de "fazendas, mercearia, tabacos, transações bancárias, passagens para a África e Brasil", segundo publicidade na imprensa local, foi inaugurado em 1912.


Na fachada, não só os painéis de azulejos decorados com ramos de lírios em linhas coleantes, mas também outros elementos florais talhados na pedra, atestam bem o gosto da época.
No telhado, por cima da varanda, uma estrutura em ferro que, de acordo com testemunho oral, suportava uma bandeira de uso obrigatório nos estabelecimentos com venda de tabaco.
Também aqui se podem ver soluções arquitetónicas muito usadas nos edifícios Arte Nova: o revestimento do andar superior a telhas de lousa, imitando escamas de peixe e a inevitável presença de ferro forjado com linhas curvas e flores na pequena varanda do primeiro andar. Sempre as linhas orgânicas a dominar nos pormenores decorativos...


Aqui temos uma das portas laterais ladeada de montras, belíssimamente emoldurada por cantarias e encimada pelos magníficos azulejos. Um dos motivos talhados na pedra é o cacho de uvas, um dos ex-libris da Bairrada.


A fachada deste edifício sempre me atraiu pela sua beleza. O estilo Arte Nova é dos que conseguem reunir mais admiradores porque desenvolveu composições muito harmoniosas e  atraentes mesmo aos olhos de leigos nesta matéria.

Entretanto, há uns tempos reparei num pormenor dos painéis de azulejos que passou a concentrar as minhas atenções por um novo motivo.
É que há  inscrições que os atribuem à Fábrica da Fonte Nova (Aveiro), com as datas de 1911 e 1912.



Ora, segundo o ceramista José Queirós, o encerramento desta fábrica ocorreu em 1908 e segundo Artur de Sandão ainda antes, em 1904. Penso que esta última data será um engano motivado pela fundação em 1904 da Fábrica Aleluia, por João Aleluia e outros operários cerâmicos saídos da Fonte Nova, que estaria já nessa altura a atravessar dificuldades.
Mas será que este dado presente nos azulejos é fiável em relação à Fonte Nova? Se assim for, a data de encerramento da fábrica é posterior à indicada por José Queirós na bíblia para os amantes da cerâmica que é a sua obra "Cerâmica Portuguesa" datada de 1907 (posteriormente atualizada, pois só assim se compreende que contenha a data de encerramento de uma fábrica em 1908).
Bem, seja qual for a verdade dos factos quanto à Fábrica da Fonte Nova, uma coisa me parece certa em relação a este edifício mealhadense: assim remodelado, está a comemorar a bonita idade de cem anos... e em magnífico estado de conservação!


Postal da 2ª década do séc. XX, onde se vê a casa, à direita, com o estabelecimento comercial de Augusto Brandão
Entretanto, o seguidor deste blogue J.Saraiva veio amavelmente em meu auxílio e permitiu, com um link que deixou no seu comentário, que eu ficasse esclarecida quanto ao encerramento da Fonte Nova.
José Queirós não deixa de ter razão, já que a Empresa Cerâmica da Fonte Nova abriu falência em 1908, a sociedade que a explorava desfez-se e a fábrica de louça esteve à beira de fechar definitivamente. Só que dois antigos pintores da empresa, resolveram chamar a si a sua exploração, abriram assim um novo ciclo de laboração muito dedicado à produção de azulejos, e ela só veio a ser semi-fechada em 1930, com a morte do último desses proprietários. Esteve durante alguns anos quase sem atividade e depois, sendo de madeira, ardeu completamente num incêndio em 1937.

Na sequência do comentário de AM-JMV, resolvi  acrescentar aqui fotografias do interior da farmácia, onde se pode ver que estão bem preservados os materiais de acabamento e elementos decorativos originais.



Pode-se apreciar no interior, um delicado friso com motivo floral em tons pastel, já não de azulejos, mas, segundo creio, de vidro pintado.



Muito a propósito o slogan publicitário da ROC: a beleza não tem idade... o que se aplica não só às pessoas, mas também aos edifícios!!!

O arquiteto deste e doutros edifícios Arte Nova do distrito de Aveiro, incluindo os das Termas da Curia edificados entre 1909 e 1914,  foi Jaime Inácio dos Santos (1874-1942).


12 comentários:

  1. Olá Maria Andrade, olhe pode consultar documento de investigador de Aveiro: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223394764P3rXB4nf5As64EQ1.pdf
    Onde indica a destruição da fábrica da Fonte Nova em 1937 provocada por um incêndio.
    BFsemana, jsaraiva

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  2. Muito obrigada J. Saraiva, pelo envio deste link.
    Graças a ele fiquei esclarecida em relação à(s) data(s) de encerramento da Fábrica da Fonte Nova e já posso dar outra conclusão ao post.
    Um bfs também para si.

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  3. Fez um bom trabalho de detective e depois como é costume nestes blogs, apareceu mais alguém com uma informação suplementar e deslindou-se o mistério. Julgo que estes posts fornecem um serviço à comunidade, pois disponibilizam informações úteis sobre monumentos e edifícios de interesse arquitectónico a quem faz pesquisas no google. E depois a casa é um charme. Também me delicio com a arquitectura deste período.

    Bjos

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    1. É verdade, Luís, estes blogues permitem uma interação muito interessante, envolvendo pessoas com os mesmos interesses.
      A informação circula com rapidez e assim é possível obter esclarecimentos que podem ter interesse para muita gente.
      Esta foi uma bela invenção, não haja dúvida!!!
      Um abraço

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  4. Olá Maria,
    Um bonito edifício, sem dúvida, apesar da escala um pouco desiquilibrada (precisava ter tido mais um andar para aguentar a mansarda de forma proporcionada). No entanto, isso não invalida a sua importância patrimonial actual que urge preservar. O desenho e o trabalho das cantarias lavradas são muito bons. A linguagem Arte Nova do edifício remete-nos para o arq. Ernesto Korrodi. Não tem ideia se foi ele quem o projectou? Os azulejos são, de facto, a sua mais-valia, contribuindo em muito para a dimanização das fachadas. Parabéns por dar a conhecer esta pequena delícia. Na falta de um inventário, quando aparecerá um blogue que resolva fazer o levantamento e divulgação da arquitectura deste estilo em Portugal? Antes que a selvajaria nacional associada à especulação imobiliária os destrua a todos. Sabe se o edifício tem os interiores intactos? É que, agora, com a falsa noção de que reabilitar um imóvel antigo é manter-lhe apenas a fachada, estão-se a perder irremediavelmente interiores cuja autenticidade é insubstituível. Perdem-se estuques, azulejos, marcenarias, serralharias artísticas,técnicas construtivas, etc, enfim, todo um mundo de conhecimentos que não mais se recuperarão.
    Bjs

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  5. Olá AM-JMV,
    Obrigada pelas palavras simpáticas.
    Pela análise que fazem da casa, parece-me haver por aí olhar de arquiteto(a)... :)
    Concordo convosco em relação aos atentados que se cometem ao permitir-se a destruição de edifícios com valor patrimonial, mesmo que por vezes se deixe ficar a fachada. Conheço um caso aqui perto em que só deixaram um bocado da fachada que tinha uns azulejos e uma terminação em arco bem bonita e depois por trás construíram um mamarracho que vai certamente abafar aquele pequeno elemento arquitetónico... mas é para dizerem que preservaram a fachada!
    Quanto a esta casa, penso que o interior foi mantido, pelo menos desde o tempo em que passou a farmácia, talvez nos anos 20. Tem muita madeira pintada de branco, uma espécie de mezanine... não me lembro de mais pormenores, fiz mal em não ter fotografado o interior, mas ainda estou a tempo ;).
    Quanto ao nome do arquiteto, não faço a menor ideia, nem acho que seja fácil consegui-lo. De qualquer forma, conheço uns parentes desta família Brandão e quando tiver oportunidade pergunto se é possível obter essa informação.
    É mais um dado sobre a casa que terá certamente interesse.
    Beijos

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    1. Afinal foi fácil saber o nome do arquiteto :)
      Já o acrescentei.

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  6. Olá,obrigado pela mostra destes belíssimos azulejos,um dia tenho que os fotografar,continuação de boa semana e bons posts.
    JAC

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    1. Caro José Castro,
      Seja bem vindo aqui de novo!
      Aos poucos vai fazendo um levantamento bastante exaustivo da azulejaria em todo o país!
      Se quiser utilizar alguma(s) destas fotografias no seu blogue, sinta-se à vontade para o fazer.
      Tenha uma boa semana.

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    2. Olá Maria,obrigado pela sua gentileza,já copiei duas fotos e um destes dias serão colocadas no meu blog.
      Votos de um bom fim de semana.
      JAC

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  7. Desta vez não vou maçar muito com relambórios!
    Haja Deus! :-)
    Muito interessante o edifício com dois estilos algo distintos, apesar de não se antagonizarem.
    A parte superior com a mansarda mais tradicional, ao estilo francês, a inferior construída num casamento, mais ligeiro, entre a azulejaria "art noveau" e cantarias dotadas de escultura orgânica, ainda que a estrutura seja igualmente tradicional.
    Essa região ainda vai tendo bonitas peças para mostrar, oxalá continuem, pois, hoje em dia, nunca se está seguro ... o camartelo dos especuladores imobiliários está sempre ao virar da esquina, e, sobretudo, não avisa da sua vinda!
    Fico sempre a imaginar a beleza dos interiores das casas de habitação que estes edifícios deveriam albergar!
    Uma boa semana
    Manel

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  8. Olá Manel,
    Já sabe que os seus comentários são sempre muito bem vindos e não maça nada com a sua escrita!
    O edifício tem realmente muito interesse, embora eu não me aperceba de questões mais técnicas que deixo para quem sabe...;)
    Estava mesmo a pedir um post e a casa ao lado, que se vê no postal, também não vai ser esquecida.
    Penso que ambos os edifícios estão a salvo do camartelo, bem conservados e muito apreciados pela comunidade, mas daqui a uns anos, quem sabe?
    Uma boa semana também para si.

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