quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Gravura segundo Lancret






Nos posts em que tenho mostrado porcelanas decoradas com cenas galantes vêm obrigatoriamente à baila nomes de pintores franceses do século XVIII, sobretudo Antoine Watteau, mas também François  Boucher e Jean-Honoré Fragonard, que, com outros que seguiram a mesma escola, cultivaram o estilo Rococó e pintaram a frivolidade da vida cortesã da época.
Resolvi por isso mostrar uma gravura que comprei há tempos na Feira da Ladra, precisamente por apresentar uma  cena desse tipo, embora durante muito tempo não lhe tenha conseguido atribuir autoria. Relacionava-a mais com Watteau ou Boucher e foi nas suas obras que começou por incidir a minha pesquisa, mas sem resultados.

Auto-retrato de Nicolas Lancret (da Wikipédia)
 Há poucos dias encontrei finalmente a pintura original que deu origem a esta gravura e cuja autoria era de um nome menos conhecido, embora também muito prolífico: Nicolas Lancret (Paris, 1690- Paris,1743).
Pintou cerca de 400 quadros, de grande número dos quais foram feitas gravuras ainda em vida do pintor. Ele próprio aprendeu gravura no início da sua aprendizagem nas artes, antes de se dedicar à pintura e de frequentar a escola da Academia.

L'innocence (Museu do Louvre)

A tela original,  intitulada "A Inocência", data de 1743 e foi encomendada para o Palácio de Versalhes no reinado de Luís XV, provavelmente para o apartamento de Madame de La Tournelle (1717-1744),  amante declarada de Luís XV, antecessora de Madame de Pompadour.
A obra encontra-se hoje - com o seu par, "A Lição de Música", que fez parte da mesma encomenda para o Palácio de Versalhes - no Museu do Louvre, mas nas minhas visitas a essa imensidão de museu, com tantas vedetas para admirar,  não tenho ideia de ter posto os olhos em qualquer delas.

La leçon de musique (Museu do Louvre)

Este par de telas tem em comum a presença de um casal de jovens adultos na companhia de uma menina, em cenário idílico de parque frondoso com elementos de arquitetura. Sabendo-se que Madame de La Tournelle foi a mais nova de cinco irmãs, quatro delas sucessivamente amantes de Luís XV, permito-me pensar que a menina dos quadros representaria ela própria, num passatempo  inocente com um passarinho ou em aprendizagem musical, talvez acompanhada de uma das suas irmãs e de um galante acompanhante...




A aristocracia francesa cultivava muitas atividades de ar livre em parques e jardins e aqui vê-se que o passatempo consistia em libertar um pássaro da gaiola onde o transportaram, para lhe dar "recreio", soltando-o, mas preso por uma longa  fita.
Não sei qual foi o processo de reprodução de que resultou esta minha gravura, mas não constando dela os nomes do pintor e do gravador,  não é certamente uma das primeiras, gravadas em vida de Lancret.


Poderá ser uma reprodução de museu, neste caso do Louvre, mas não muito recente, a avaliar pelo papel de suporte e até pela moldura, que se vê na primeira fotografia.





































LA LE




8 comentários:

  1. Olá Maria
    Muito interessante e sugestiva a sua gravura e a pesquisa cuidadosa que realizou. São estas pequenas vitórias que nos motivam a continuar.
    As influências dos pintores e gravadores fizeram-se sentir, como foi o caso de Pillement que esteve em Portugal e aqui deixou seguidores. Interpretavam a sua obra, mas davam-lhe o seu cunho próprio. As cenas campestres, tão ao gosto do século XVIII, podem também ser vistas em painéis de azulejos, nos jardins de palácios e casas senhoriais.
    Cumprimentos
    if

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    1. Muito obrigada, If, pelo seu comentário e pelas achegas muito a propósito que aqui deixou, com a referência a Pillement e com o paralelismo que estabeleceu entre estas pinturas francesas e as cenas campestres dos painéis de azulejos do séc. XVIII.
      Afinal, em arte, tudo tem a ver com tudo...
      Um abraço

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  2. A pintura francesa do XVIII não é aquilo que se chama de espantosa, muito menos, promissora.
    É uma coisa delicodoce, meio sem futuro, e com representação de cenas idílicas, um pouco estereotipadas, no seu lado "bonitinho", mas pouco mais que isso.
    Não aprecio Rigaud, um pintor de corte, interessado só nos proventos que lhe advinham por tornar Luis XIV mais grandioso, nas representações que dele fazia, nem Lancret, que invadia os apartamentos de coisas que ornamentavam, mas mais nada, não serviam para se poisar neles o olhar e sentir os caminhos que se poderiam abrir, ou a força latente da boa pintura, muito menos Fragonard que se dedicava a representar uma nobreza decadente nos seus delírios pastoris ou entretenimentos, perfeitamente inócuos, que só diria algo aos próprios representados (se tanto), ou o próprio Boucher, que se especializou nos corpos desnudos femininos que se reclinavam, langidamente, em canapés ou sofás (normalmente, e para tornar estas cenas mais aceitáveis em sociedade, estas figuras estavam associadas às representações de deuses e deusas da mitologia clássica, muito em voga) - quiçá servisse igualmente para excitar a libido masculina, mas, em termos de pintura, não ia muito mais longe que isso... mas que tudo era muito bonitinho, como convinha à arte criada por uma sociedade decadente, lá isso não há dúvida.
    Mal sabia esta sociedade que estava em vias de ser totalmente virada do avesso (sobretudo para a pintura, foi uma sorte, para a classe predominante da época, uma catástrofe!).
    O único caminho que este tipo de pintura foi capaz de entreabrir, ainda que duma forma muito pueril e tímida, e como tema de suporte para a figuração humana, foi o da paisagem.
    Claro que, a par, e do outro lado do canal, e ainda que de forma algo paralela, a arte inglesa era muito mais forte, mais promissora, com as explorações artísticas de Reynolds, Romney, Gainsborough, Lawrence, Stubbs ou mesmo Zoffany.
    O tema da paisagem, aqui, ganhou força e proeminência, a par da representação humana.
    Mas, afinal, em Inglaterra, o tema da paisagem sempre foi mais trabalhado e desenvolvido, talvez pelo próprio caráter e interesses da sociedade em questão.
    No entanto, e devo reconhecê-lo, em França também havia alguma representação de qualidade na pintura, como era o caso de algumas obras de Watteau, uma ou outra paisagem de Lantara (Simon Mathurin), alguns retratos de Nattier, as cenas de género de Greuze e as fantásticas naturezas mortas de Chardin!
    Sinto algum prazer em ver algumas das obras executadas por madame Vigée-Lebrun, sobretudo um ou outro retrato que pintou de Maria Antonieta. Alguns dos seus desenhos são tão simples e esquemáticos que se tornam quase percursores.
    Tudo isto surgiu pela sua gravura de Lancret.
    Fico encantado por ver aqui a Maria Andrade, a par do Luís, a desbravarem o árduo caminho, pouco explorado, da gravura.
    É uma tarefa muito interessante, para quem se interessa por estas coisas, mas completamente árido para a vasta maioria das pessoas hoje em dia.
    Nota-se na quantidade de comentários que vão recebendo nestes "posts".
    Fruto de uma falha na educação no campo das artes.
    Hoje em dia, para justificar a ausência de gosto estético, diz-se a frase completamente "batida" e sem qualquer sentido: "Gostos não se discutem" ... e com isto se tapa o buraco que é a ausência de guias estéticos no panorama artístico da nossa sociedade. Até duma apatia total face à história ("que me interessam as pessoas mortas?" dizia-me alguém, ainda há pouco tempo, quando tentava explicar determinadas características duma época particular).
    Afinal temos alguma culpa, pois, em parte, somos os responsáveis pela educação de uma sociedade.
    Eu, apesar de sentir o inútil que é, continuo obstinadamente a tentar! Veremos o resultado ... mas não promete
    Manel
    Manel

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  3. Olá Manel,
    Mais um comentário de fôlego que gostei muito de ler!
    O Manel discorre sobre estes assuntos com uma desenvoltura invejável, graças aos conhecimentos que adquiriu e foi sempre consolidando e desenvolvendo nesta área.
    Eu lá vou aprendendo mais sobre gravura e sobre pintura consigo, também com o Luís, e com algumas pesquisas que vou fazendo e como deve calcular são aprendizagens que me enchem de prazer!
    Realmente estas cenas estão cheias de frivolidade! Penso que os pintores francesas desta época tiveram que se sujeitar às modas vigentes, ao gosto dominante sobretudo na corte, para terem encomendas e poderem mostrar e vender a sua arte. A vida cortesã nos reinados dos últimos Luíses atingiu extremos de ociosidade, de fausto desregrado, e de cultura do superficial, sem qualquer consideração pela miséria do povo à sua volta! Por isso não admira que as ideias revolucionárias tivessem encontrado em França terreno fértil para se instalarem e desenvolverem...
    Refere aqui nomes de pintores que eu não conhecia, mas a referência cá fica e vai certamente motivar outras pesquisa... :)
    Tenha um bom fim de semana

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  4. Bem, o Manel roubou-me as deixas todas!!!

    Em todo o caso, percebo que não tenha reparado no Lancret quando foi ao Louvre, com as milhares de pinturas que há naquele museu. Mas as molduras são sumptuosas.

    Gostei do seu post, que agarrando numa pequena estampa, conseguiu relaciona-lo com a pintura e com a frivolidade da corte francesa.

    julgo que esta gravura ficará deliciosa ao pé de um móvel ou uma de cadeira mais arrebicados, sugerindo um certo ar de corte decadente.

    Beijos

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  5. Olá Luís,
    Fiquei a pensar na sua sugestão, mas não estou a ver um bocado de parede nessas condições onde possa pendurar a gravura. Só a pendurei para a fotografia, mas aquele lugar já tem dono... um prato, claro! :)
    Bjs

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  6. Ora parede arranja-se sempre. Eu quando tenho 20 cm de parede livre fico logo com um ataque de agorafobia e vá de pendurar logo ali qualquer coisa. Até já há coisas pelos tectos. lol

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  7. Pois, viver sozinho tem as suas vantagens!!!
    Mas a gravura já está pendurada... :)

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