quinta-feira, 30 de maio de 2013

Crianças, fábulas...e um grande escritor quase esquecido...



Em vésperas do Dia da Criança e na semana em que se assinalam os 50 anos da morte de Aquilino Ribeiro (1885-1963), efeméride muito pouco assinalada tanto quanto me apercebi, ocorreu-me trazer aqui uma das suas obras de literatura infantil, Romance da Raposa, uma leitura deliciosa para crianças e adultos.
As aventuras da raposa Salta-Pocinhas - raposeta matreira, fagueira, lambisqueira  ou raposeta pintalegreta, senhora de muita treta - são narradas numa riqueza e vivacidade de linguagem e com um humor que terá pouco paralelo na literatura portuguesa do século XX. Com sequências de palavras a rimar entre si, tipo lengalenga, com uma musicalidade que enfeitiça qualquer leitor, miúdo ou graúdo, parece-me uma escolha muito acertada para pais ou avós embalarem as suas crianças  com uma historinha ao deitar na caminha. Eles podem não entender grande parte do vocabulário, mas a sonoridade das rimas e a comicidade das situações serão suficientes para prender os miúdos às aventuras e artimanhas da Salta-Pocinhas, sempre esfomeada, e para quererem saber mais na noite seguinte...

As ilustrações a preto de Benjamim Rabier continuam a ser muito atraentes

Só li este romance já adulta quando o meu pai o ofereceu à minha filha, porque na minha própria infância e adolescência nunca me tinha cruzado com ele, embora tivesse em casa  à disposição vários outros títulos de Aquilino - o Malhadinhas, A Casa Grande de Romarigães, Maria Benigna... - que li mais tarde.
O Romance da Raposa, escrito por Aquilino para o seu filho, em 1924,  vem na longa tradição de fábulas de animais,  desde o longínquo Esopo da Grécia antiga, muitas com a raposa como protagonista.

Em cima Fables de La Fontaine Illustrées
E aqui entra uma edição  das fábulas de La Fontaine (1621-1695) que comprei há anos, uma edição francesa do final do século XIX, infelizmente sem as páginas iniciais - pelo menos a página de rosto e as primeiras quatro páginas numeradas -  intitulada Fables de La Fontaine illustrées, o título de capa, ou Fables choisies de La Fontaine, o título de topo de página.
Contém centenas de fábulas em verso, protagonizadas por humanos e por animais e em várias dezenas intervém a raposa. São doze livros encadernados num volume, com muitas ilustrações a preto e algumas a cores de página inteira, curiosamente todas estas ilustrando histórias com figuras humanas.

O velho e os três rapazes

A leiteira e o pote de leite
O moleiro, o rapaz e o burro

Mas voltando à popularidade da raposa, também o grande J. W. Goethe (1749-1832) escreveu uma história em verso intitulada Reineke Fuchs (Reineke, a Raposa), destinada ao público infantil; e em contos tradicionais portugueses a astúcia e manha da raposa sempre surgiu como forma de nos ensinar a sermos espertos e nos precavermos contra certas habilidades... que são apanágio de muitos dos nossos semelhantes...
Há dois desses contos que estão gravados na minha memória, tantas vezes me foram contados e recontados enquanto criança: A Raposa e o Lobo em que como é habitual a comadre matreira sai a ganhar no que os dois combinam fazer em comum  e A Raposa e o Mocho, sendo desta vez a raposa que sai  enganada pelo sábio mocho. Tem um final com duas frases que retive até hoje :)
 - Mocho comi! (grita a raposa vaidosa abrindo as goelas)
 - A outro sim, que não a mim!!! (responde o mocho escapando-se da boca escancarada)

E daqui a mais um anito ou dois, o Gabriel vai ter muitas historinhas como estas para ouvir! E depois os primos, os irmãos... :))


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Uma caneca que veio do Norte...


 

Bem, comprei-a no Norte, a um vendedor do Norte, isso posso assegurar. Quanto à origem do fabrico, as dúvidas habituais... mas há palpites!
Descobri-a na Feira da Vandoma no Porto, assim inteirinha mas com várias rachadelas, a um preço  que achei compativel com o estado... e com a atração que exerceu logo sobre mim :)
É um recipiente de litro, pelo que o imagino a ser usado por homens de há cem anos dados ao copo, que ao regressarem do trabalho, ao fim do dia, tinham passagem obrigatória por tabernas ou adegas para beber uma litrada, à roda ou talvez não! E depois, em casa, era um Deus nos acuda...
Na forma e tamanho é muito parecida  com uma que foi partilhada pelo Luís no Velharias, atribuída à Fábrica da Fervença em Gaia. O meu palpite quanto a esta azul e branca, por analogia  com outras faianças nortenhas, é que seja também de Gaia - os dois tons de azul, o estampilhado, os esponjados, as pinceladas largas - e logo os nomes que ocorrem, com produção mais conhecida neste tipo de faianças, são Fervença, Bandeira e Santo António de Vale da Piedade; mas sei lá quantas fábricas gaienses, utilizaram as mesmas técnicas decorativas?!

Canjirão da coleção António Capucho atribuído à Fábrica da Bandeira em Gaia

Mede 15cm de altura, 10,5 cm de diâmetro, tem paredes finas e, ao achá-la muito leve, verifiquei o peso que é de 400 gramas. Será que estes dados são relevantes para a identificação? Se ao menos aparecesse uma igual em coleções antigas...


Bem, eu sei que ela só estava habituada a lidar com vinho, mas não resisti a pôr-lhe dentro este raminho de flores bem singelas - malmequeres e centaureas(?) - que, mesmo sem grandes cuidados,  teimam em aparecer todos os anos no meu jardim. E eu fico bem agradecida por esta dádiva da natureza!

A minha sinfonia azul




domingo, 19 de maio de 2013

Dia dos Museus em duas Casas-Museu

É verdade, foi um dia em cheio!
De manhã a visita à recentemente remodelada - reabriu em Janeiro - Casa-Museu Egas Moniz em Avanca, onde já tinha estado por duas vezes, mas onde não me canso de voltar; de tarde a ida a Ovar para visitar a Casa-Museu Júlio Dinis, também com remodelação e reabertura recentes, desta vez para mim uma estreia.


Casa-Museu Júlio Dinis
São dois espaços totalmente diferentes. O primeiro, um belo palacete do início do século XX, intimamente ligado à vida e obra do nosso Nobel da Medicina, uma casa de família, embora destinada a férias, bem vivenciada e repleta de objetos pessoais e coleções reunidas pelo casal. Dela falarei com mais pormenor em outra ocasião. 
Quanto ao segundo, uma típica casa vareira de rés-do-chão transformada num espaço cultural, mantendo três das pequenas divisões originais devidamente mobiladas, foi destinado a perpetuar a memória de uma estada breve em Ovar do médico e escritor Joaquim Guilherme Gomes Coelho(1839-1870) que todos conhecemos por Júlio Dinis, nascido e residente no Porto.



Sendo espaços diferentes, estão ligados não só pela curta distância entre as duas localidades, mas também pelo facto de o médico e cientista Egas Moniz ser considerado o primeiro dinisiano, tendo publicado Júlio Denis e a sua Obra, Lisboa, Casa Ventura Abrantes, 1924.
Foram cerca de três meses, há precisamente 150 anos,  que Júlio Dinis passou nesta casa de familiares, em período de tratamento da tuberculose que o iria vitimar prematuramente aos 31 anos. Foi ali que observou a vida das gentes do povo, os seus hábitos, as ambições de alguns, os trajares e falares, que lhe serviriam de inspiração para os  romances campesinos que escreveu a seguir, particularmente As Pupilas do Senhor Reitor, cuja escrita iniciou naquele período.

O conjunto de material informativo preparado para os visitantes
A remodelação do edifício não se fez sem polémica. Sendo uma  casa de lavradores do século XIX já rara em Ovar, pequena como era, mas com um grande pátio e terreno nas traseiras - a fazer jus ao ditado "casa onde caibas, terra que não saibas"- foi ali construído um novo edifício ligado à casa, onde foi instalado um moderno auditório e outras dependências, ocupando uma grande área do pátio...  e lá se foi um espaço importante de uma casa de memórias...



Terá sido esse pátio, fulcro das atividades da lavoura, para onde se abria a cozinha da casa,  que permitiu ao  escritor tomar contacto com os jornaleiros e outros trabalhadores ao serviço desta Casa dos Campos, ouvindo os seus relatos aos donos da casa sobre o dia de trabalho, por vezes sem ser notado e tomando notas, enquanto se ia inspirando para a construção de personagens. Mas também fazia passeios pelo campo, observava as lavadeiras nos ribeiros ou os bandos de raparigas que regressavam do trabalho a cantar. Outras pessoas que conheceu na altura, como o médico local, serviram de modelo a descrições realistas de figuras como o inesquecível João Semana.



Estranhamente, ou talvez não, só encontrei cá em casa um exemplar das obras de Júlio Dinis, Uma Família Inglesa, que reli recentemente, o que significa que também eu embarquei na onda de esquecimento geral a que este escritor injustamente tem sido votado... como Aquilino, Castilho, Herculano, Junqueiro...  Tomei contacto com Júlio Dinis, como quase todos da minha geração, na adolescência,  ainda na casa paterna, sendo de lá o exemplar que hoje fotografei e aqui mostro, encadernado pelo meu pai, mas mantendo-lhe a capa original.


Muitos consideram estes romances leitura ligeira, muito bucólica e cor-de-rosa, mas não deixam de ser testemunhos de uma época e de um estilo de vida já desaparecido, cuja dureza era compensada pela abundância proporcionada por terras férteis e pelo sol sempre presente em época de verão, a convidar a festejos e a rituais de namoro, mesmo durante as tarefas agrícolas.   São romances de história simples mas bem construídos e com grande riqueza de personagens que permitiriam  fazer ainda cedo no percurso escolar a iniciação ao romance. Mas permitem também mais de um plano de leitura, apresentando motivos de interesse para diferentes tipos de leitores.

A Clara, de José Malhoa, Museu do Chiado
Na narrativa de As Pupilas do Senhor Reitor existe  análise e crítica social na caraterização do ambiente rural de meados do século XIX e na denúncia de certos comportamentos de tipos populares, como as beatas...; há reflexos das discussões sérias do momento nas reações dos aldeãos aos ecos que lhes chegavam das teorias evolucionistas de Darwin; há tratamento psicológico das personagens e talvez as primeiras descrições realistas no romance português, havendo quem considere Júlio Dinis próximo do naturalismo de Zola.
Este romance de génese ovarense poderá ter contra si o sucesso da versão cinematográfica de Leitão de Barros, conotado com o Estado Novo, o que leva por vezes à associação anacrónica desta obra literária com esses tempos de má memória...

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A propósito do Dia da Espiga - About "Dia da Espiga" (Ear Day)




Foi já há dias, na última quinta-feira, que se celebrou mais uma vez o Dia da Espiga, que coincide com a Quinta-feira da Ascensão. 
Aqui na Bairrada é feriado municipal em vários concelhos, permitindo a participação das populações em festejos religiosos e profanos, entre eles as tradicionais  romarias  do Buçaco e  do Buçaquinho, de que já aqui falei no ano passado.
No entanto, só ontem, domingo, tive oportunidade de ir com o meu neto de dois anos apanhar as flores e os verdes que compõem o raminho, achando que, mesmo com atraso, há que cumprir uma tradição que nos leva ao campo, ao ar livre, e transmiti-la aos nossos rebentos. 


Apanhámos uma pequena haste de oliveira, outra de alecrim, uma folha de videira, duas papoilas, dois malmequeres brancos, vários amarelos... e juntámos duas espigas secas que tinha cá em casa, uma vez que por aqui não há campos de trigo. Acho que não faltou nada do que é tradicional e tem uma simbologia própria: paz (oliveira), saúde (alecrim), alegria (videira), amor (papoila), ouro e prata (malmequeres) e pão ( espiga de trigo e de outros cereais).
Há um ano, assinalei aqui a data com pratos do modelo "espiga" de Sacavém, mas este ano escolhi um conjunto de louça, na maioria inglesa, que pela decoração me faz lembrar estes nossos ramos da espiga que ficam de prevenção durante todo o ano a partilhar com Santa Bárbara a missão de proteger os lares de raios e trovões, numa simpática parceria cristã-pagã...


Os dois pratos maiores e a chávena de café são de fabrico Wedgwood - os pratos em faiança fina tipo creamware e a chávena em porcelana. Só que a infeliz chaveninha estava há muito sem companhia e um dia destes apercebi-me que um pratinho Vista Alegre que por aí andava fazia com ela o par perfeito: raminho de flores nas mesmas tonalidades e filete dourado a rematar. Ficámos eu e ela satisfeitas :).



O pratinho V. A. é de meados do século XX, como prova a marca usada entre 1947 e 1968.

Quanto aos pratos em faiança Wedgwood têm uma orla moldada a fazer lembrar as orlas em pena (feather edge) ou em concha (shell edge) que tão populares foram em Inglaterra, a verde ou a azul, nos serviços de louça comum em creamware  a partir do final do século XVIII. No entanto, as marcas destes pratos apontam já para o final do século XIX ou início do XX, sendo anteriores a 1908, data em que a Wedgwood generalizou o uso de Made in England nas suas marcas, segundo o site the potteries.org .






Na marca da chávena vemos os nome do motivo,"colonial sprays", que foi produzido entre 1974 e 1980, como louça comemorativa associada a Williamsburg, uma cidade americana do estado da Virgínia que teve  proeminência na época colonial.


E agora, resta-me acrescentar que me vou associar às minhas parceiras do chá que são as amáveis e incansáveis anfitriãs semanais de Tea Time Tuesday e Tea Cup Tuesday, a Sandi, a Terri e a Martha (a Ruth de Tuesday Cuppa Tea não tem aparecido), embora desta vez traga uma chávena de café... que também posso usar para beber chá, claro ;)


E que seja bem-vinda a Primavera, finalmente a fazer-se sentir a sério!

I apologize to my English-speaking friends and visitors for not writing a bilingual text, but time has been scarce lately, and so I'll have to rely on Google Translator.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O beiral de faiança da Rua das Sobreiras

Mais uma vez aqui trago um beiral de faiança fotografado no Porto, desta vez na zona da Foz, na Rua das Sobreiras, marginal ao rio Douro.


O edifício antigo com a capela adjacente foi remodelado recentemente e ali foram instalados estabelecimentos comerciais e de serviços, sem que lhe alterassem a nobre fachada.


Deliciei-me a admirar o beiral azul e branco de telhas de faiança, mas também os pormenores do trabalho de cantaria em granito que  dá ao edifício um aspeto sólido e muito digno. 


Numa esquina do beiral, onde se destacam os magníficos telhões mais compridos que formam o ângulo reto, consegui detetar quatro motivos diferentes, para além de ligeiras variantes dentro do mesmo motivo, todos a terminar em relevo de folhas de acanto a branco e filete azul. 


Imagino que quem se encarregou da obra terá tido dificuldade em encontrar estas caraterísticas em telhões com o mesmo desenho, daí a miscelânea de motivos que, na minha perspetiva, só veio enriquecer o efeito decorativo.


Também estou convencida que terá havido recurso ao Banco de Materiais, em boa hora instituído  pela Câmara do Porto, já lá vão uns anos, agora com um espaço de exposição situado na Praça de Carlos Alberto, numa esquina do Palácio dos Viscondes de Balsemão. Segundo informação que obtive lá, há materiais  de todos os tipos provenientes de demolições, mas sobretudo azulejos, que estão armazenados num espaço muito maior, à espera de serem requisitados  e utilizados em projetos de remodelação de edifícios antigos, a título gratuito. Quem dera que outros municípios adotassem uma medida semelhante!

O motivo que se encontra em maior abundância, talvez Devezas

As telhas brancas que nos beirais se sobrepõem às decoradas

Em cima um motivo típico de Sto António de Vale da Piedade,
com relevo branco a  rematar

Para mais e melhores  imagens do Banco de Materiais ver:
http://portojofotos.blogspot.pt/2012/04/124-banco-de-materiais.html