terça-feira, 31 de maio de 2011

Chávenas de chá de porcelana inglesa do século XIX / 19th century English porcelain tea cups

Nesta nova mensagem de Tea Cup Tuesday vou mostrar duas chávenas inglesas que já apareceram num post do início de Maio, mas não falei sobre elas.

  
Têm em comum não só o azul cobalto com arabescos de ouro e flores, mas também o formato, o chamado London shape com a caraterística asa.
 Não têm marca de fabrico mas têm números de padrão - pattern numbers - que poderão sempre contribuir para a sua identificação, através dos registos nos pattern books.


O tipo de decoração desta chávena e pires foi muito usado em Inglaterra no  século XIX, o interior da chávena mais decorado do que o exterior onde se vê uma delicada cercadura dourada. Este tom de pêssego como fundo, a par do azul cobalto, é outra caraterística usada durante um certo período da época vitoriana.


O número de padrão que se pode ver quer na chávena quer no pires, o 586, é um número baixo que aponta para um fabrico bastante recuado, já que estes números chegaram aos milhares a meados de mil e oitocentos. Alguns fabricantes usaram prefixos de letras, mas não me parece ser esse o caso do K antes do número 586 na primeira chávena, parece-me mais uma marca de pintor.





Aqui vê-se bem o motivo de rosas em coroa ou grinalda, que foi  introduzido pela marca Spode no início do século XIX, mas depois  usado por vários fabricantes ao longo da época vitoriana.



Esta segunda chávena penso ser anterior à primeira, com uma porcelana mais escura, talvez a chamada hybrid paste, anterior ao uso da bone china. Esta resultou de uma mistura fosfática que passou a dar à  porcelana uma cor muito branca. 


A decoração, nos tons Imari - azul, vermelho ferro e dourados - apresenta uma certa influência oriental, com aves exóticas misturadas com flores e ramagens, igualmente exóticas, que me parecem do tipo hibiscus.


Vários fabricantes ingleses do início do século XIX - Coalport, Ridgway, Rockingham - usaram números fracionários. Particularmente na Coalport foram numerando os seus padrões em numeração progressiva até ao número 1000 e a partir daí iniciaram uma segunda série, com o número dois como numerador e depois o número três e assim sucessivamente. Daí resultaram números fracionários que ajudam a identificar o fabrico.


A beleza da pintura num pires com um formato muito fechado, ainda ao estilo da porcelana chinesa

Neste caso só o pires está numerado e será o padrão 1042, segundo este critério, mas não me parece ser Coalport porque eles usaram mais os algarismos a ouro. Na minha opinião, Ridgway, que marcou a vermelho, será uma mais forte possibilidade. Sendo assim, a chávena e pires datariam de 1810-1815, mas a informação disponível é muitas vezes contraditória.

                             

Chávena e pires Ridgway com o número de padrão 2/620  a vermelho, encontrados em http://www.everythingstopsfortea.com/pre-circa-1840/john-ridgway-london-shaped-cup-saucer-c-1810.html.

Note: I must apologize to my English-speaking visitors for the not very satisfactory translation done by Google Translator, but for the time being I have to rely on it.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Pequeno oratório "bala" de Ouro Preto


Quando visitei  Ouro Preto, a antiga Vila Rica, hoje cidade Património Cultural da Humanidade, em Minas Gerais, Brasil, não pude deixar de fazer uma visita ao Museu do Oratório, um magnífico acervo doado ao Estado brasileiro pela colecionadora  Angela Gutierrez.
Desta colecionadora brasileira já aqui falei noutros posts a propósito da sua magnífica coleção de Sant' Anas.


O Museu do Oratório está instalado neste edifício, um anexo da Igreja do Carmo, mesmo ao lado do Museu da Inconfidência, e aí viveu durante algum tempo, no século XVIII, o "Aleijadinho", nome por que ficou conhecido o artista António Francisco Lisboa, Patrono da Arte no Brasil, natural de Ouro Preto.
Ali se encontram 163 oratórios distribuídos por vários espaços segundo a sua tipologia - de viagem, populares e eruditos - que datam do século XVII ao século XX, assim como as 300 imagens que também compõem o acervo.


Reprodução em miniatura do Profeta Joel, uma das grandiosas estátuas do "Aleijadinho" no Santuário do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, Minas Gerais

De entre os oratórios de viagem, encantaram-me particularmente os chamados oratórios bala, com um formato muito invulgar, que lembra precisamente uma bala, para se poderem adaptar facilmente a espaços disponíveis na bagagem, que era transportada no dorso de animais, nas longas viagens através do  interior do Brasil pelos chamados tropeiros.
Nos séculos de colonização portuguesa, no interior do Brasil, quase todas as famílias de fé cristã tinham um, já que viviam por vezes a grandes distâncias de igrejas ou capelas e assim tinham a sua "capelinha" para devoção privada.




Interior de um oratório bala da coleção do Museu do Oratório

Em geral são muito coloridos, arte popular em madeira pintada, por dentro e por fora, decorados com flores e com uns toques de dourado.
Ainda hoje se fazem e vendem-se não só na loja do museu, mas nas lojinhas de artesanato que abundam nas ruas principais de Ouro Preto.



São peças artesanais verdadeiramente encantadoras e logo me apeteceu trazer um, mas  limitada pelo espaço na bagagem, procurava um oratório bala, por nunca ter visto aquele formato antes, mas em tamanho pequeno. Finalmente encontrei este que correspondia ao tamanho que eu queria, mas só era pintado por dentro, já que sendo feito da nobre madeira de jacarandá, o artesão quis deixá-la à vista.


Como a altura no interior é reduzida, só dá para imagens pequenas e por isso vive lá este tosco Santo António com o Menino, em terracota, para mim com o encanto que lhe dão as marcas deixadas  pelo tempo. 

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Prato de "contas"... em conta!

Constatamos a toda a hora que o preço das antiguidades e velharias baixou consideravelmente de há dez anos para cá, mas sobretudo nos últimos cinco anos. Há dez ou quinze anos não me passaria pela cabeça adquirir um prato de faiança do século XVII ou mesmo do século XVIII porque achava os preços completamente proibitivos.


No final do ano passado, numa ida ao Porto com o meu marido, enamorei-me deste prato num antiquário e pensámos adquiri-lo para ser a nossa prenda de Natal. No entanto, fizemos uma oferta que não foi aceite e hesitámos na compra. Há dois ou três meses voltámos lá, o prato ainda lá estava, e desta vez, em conjunto com outra peça de faiança, o preço foi mais convidativo e fez-se negócio.



Na loja estava com mau aspecto, tinha zonas com sujidade entranhada e um restauro antigo com um tom amarelado, para cobrir um cabelo bem visível na segunda e terceira fotos.
Nada que uma boa limpeza não pudesse resolver e foi isso que lhe fiz.
Agora não me canso de o admirar na parede da minha entrada. Adoro aquele azul, os contornos a manganés e aquele ar muito rústico e primitivo.


Tem uma pasta bem diferente de um outro mais ou menos da mesma época que já mostrei noutro post (Prato antigo com decoração barroca) e isso leva-me a pensar que serão de centros de fabrico distintos. O primeiro, de pasta mais clara e fina, será de Lisboa e este... de Coimbra, século XVIII?
Associei-o a fabrico de Coimbra quando vi a pia de água benta atribuída a Brioso que o LuisY mostrou no seu blogue numa mensagem recente, mas as duas peças podem não ter nada que ver uma com a outra.
A verdade é que o tardoz que aqui se vê, com todas as irregularidades e imperfeições, é muito semelhante ao de alguns pratos ratinhos de Coimbra.


Entretanto recebi, por amabilidade duma seguidora deste blogue, fotos de duas peças da sua coleção de faianças - um prato de contas, que se vê acima, em tudo semelhante ao meu e um prato "conventual" de faiança malegueira na imagem abaixo, com o  mesmo motivo floral ao centro. A única diferença que consigo notar entre os dois pratos de contas é o laço na base das flores, que o meu não tem. Parece-me, no entanto, que foi um descuido do pintor, que encheu a azul a parte do desenho que era suposto ser o laço e deixou por pintar o meio que faria de nó. Assim resultou uma versão ligeiramente diferente, o  que também é interessante. 



A verdade é que estas faianças, sendo em geral datadas ainda do século XVII mas continuando pelo XVIII,  já tinham perdido a qualidade e finura da primeira fase em que grande parte da produção se destinava a ser embarcada para o centro e norte da Europa. Como já referi no post sobre o prato com decoração barroca, as faianças da Holanda substituiram as nossas no mercado europeu e a partir daí os nosso artesãos passaram a produzir só para o mercado interno.

Tardoz do prato conventual

Essa produção tornou-se mais grosseira, a decoração simplificou-se, os contornos a manganés, por exemplo nos pratos de contas, ficaram mais grossos. a pasta mais imperfeita, enfim esta faiança ficou mais rústica mas ganhou em encanto pela sua ingenuidade e espontaneidade, muito notórios na chamada faiança malegueira.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Várias cores, o mesmo modelo / Several colours, the same model

Mais uma terça-feira de Tea Cup Tuesday e Tea Time Tuesday em que vou participar com porcelana Vista Alegre.


Já aqui mostrei noutras mensagens este modelo de chávena de chá da Vista Alegre, moldada em gomos ou polilobada.


Estas, não estando marcadas, sei que são Vista Alegre do século XIX, graças a uma visita que fiz à Casa-Museu Egas Moniz - o Prémio Nobel da Medicina português -  na sua terra-natal, Avanca, a norte de Aveiro, onde vi chávenas iguais e como tal identificadas.


                                                                                                                         
                                               
A decoração é muito simples:  filetes  a  ouro e arabescos também a ouro, intercalados por raminhos de flores muito singelos, pintados à mão  .                                                                      
Achei engraçado encontrá-las nestas três cores e assim as fui juntando. Posso usá-las com um bule do mesmo formato em branco, mas para mais requinte há sempre a alternativa do bule de prata ou de casquinha (em inglês silverplate).

                                                                                       

sábado, 14 de maio de 2011

Apontamentos Arte Nova na Curia - IV

Quando se visita a Curia, não se pode deixar de reparar neste belo edifício com um ar um pouco Art Nouveau, presentemente devoluto e à venda, que se situa na Avenida Central, a principal artéria da Curia, ao longo do Parque das Termas.

                           

O aspecto actual resulta de obras de recuperação a que foi sujeito há cerca de 15 anos, mas felizmente não lhe alteraram a traça. O nome Villa Rosa data dessa remodelação, já que antes disso era conhecido primeiro como Hotel Rosa e, a partir dos anos 30, tendo aumentado os níveis de exigência, como Pensão Rosa.



Como já aqui referi, numa mensagem anterior sobre a Curia, o grande surto de construções termais e hoteleiras nesta estância deu-se nos anos dez e vinte do século passado, daí podermos reconhecer em vários edifícios a influência da estética Arte Nova.


É o caso deste edifício, construido em 1914, que está mesmo classificado pelo Guia de Portugal da Editorial Presença como de estilo Arte Nova, segundo li num de vários artigos que Mª Cristina Simão publicou sobre a Curia, na revista cultural de Anadia  Aqua Nativa. Será certamente uma interpretação portuguesa das caraterísticas desse estilo.


Embora o nome do arquiteto não seja conhecido, notam-se aqui preocupações estéticas em todas as fachadas e uma volumetria muito atraente. Na fachada principal é de salientar a graça da escadaria, o pequeno terraço, o belo beiral a descer simetricamente pela fachada e o formato das janelas que ladeiam a entrada principal.


O torreão embeleza as fachadas sul e nascente, esta nas traseiras, mas visível quer da Linha do Norte, quer da Estrada Nacional 1.


Deve ter constituido um bom investimento para  o proprietário, o hoteleiro Manuel Joaquim Rosa, já que logo em 1915 ele encomendou um novo projeto a uma dupla de arquitetos de Lisboa. Era um projeto mais grandioso, um Grande Hotel, mas devido a entraves colocados pela Sociedade das Águas da Curia, na altura ainda a definir arruamentos e outras obras, a construção foi sendo sucessivamente adiada e nunca se veio a realizar.

A avaliar pelo número de pessoas que posaram para a fotografia neste postal - tal como os outros dois, da coleção Alberto Simões - o hotel tinha uma razoável afluência ainda antes dos anos 20. É interessante observar os vários tipos sociais, entre crianças e adultos, hóspedes, serviçais e outros populares. Para além dos hóspedes, certamente pertencentes a uma burguesia abastada, famílias inteiras que vinham a águas, vê-se uma criada de quarto à janela, criadas com avental a vir das traseiras, um rapaz de boné e bicicleta, talvez moço de recados ou mero transeunte. No primeiro plano está uma rapariga com um cântaro à cabeça, ainda uma forma de se assegurar naquela época o abastecimento de água ao hotel, pelo menos para beber e para confecionar alimentos, já que haveria certamente um poço ou um tanque com água trazida do rio Cértima para as restantes necessidades de água.


Afinal, só no fim da década de 30 este estabelecimento, que entretanto passara a designar-se Pensão Rosa, publicita a existência de água canalizada em todos os quartos. No entanto, a única casa de banho disponível para os 24 quartos (!!!) não dispunha de água quente. Segundo o gerente da altura, se necessário a água era aquecida na cozinha e transportada para os quartos, mas parece que isso raramente acontecia uma vez que a maioria dos clientes tomava banho no balneário termal... :)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Chávena de porcelana de Paris ? / Paris porcelain cup?

Mais uma terça-feira em que vou participar no Tea Cup Tuesday com uma chávena de porcelana pintada à mão.

 Neste mundo das antiguidades e velharias, é fácil cairmos em equívocos quando nos falta informação sobre as peças, principalmente quando falta a marca de fabrico.


Comprei esta chávena e pires, já há alguns anos, como Velho Paris ou Vieux Paris e depois de alguma pesquisa, encontrei um exemplar exatamente igual ao meu num catálogo online da leiloeira Cabral Moncada, de 2005.


A peça era descrita da seguinte maneira: "Chávena e pires, porcelana, decoração rosa, policromada e dourada, flores, Europa séc. XIX/XX. Dim. 17,5 x 9cm." As dimensões correspondem ao diâmetro do pires e à altura da chávena, por isso percebe-se que se trata de um tamanho grande, uma  chávena de pequeno-almoço.


Assim, fiquei convencida de que tinha em casa uma bonita chávena de porcelana europeia, muito provavelmente francesa, Velho Paris.


As marcas pintadas à mão, as iniciais J.F. e o número, que se podem ver no verso do pires, penso serem de pertença, talvez de um colecionador. A chávena tem um M marcado na porcelana.













Acontece, porém, que na minha última visita ao Museu da Vista Alegre, me deparei com uma chávena de modelo igual ao da minha, os mesmos concheados retocados a dourado no pires e na chávena, a mesma asa, a mesma faixa a ouro no interior da chávena. A decoração, sendo diferente, é do mesmo tipo, apresentando uma reserva na chávena com um belo bouquê de flores.


Agora é que estou baralhada: será a minha chávena Velho Paris ou Vista Alegre?

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Pote da Fábrica Constância

Uma seguidora deste blogue enviou-me recentemente fotografias de uma bela peça de faiança portuguesa da sua coleção.


Trata-se de um pote de quatro asas, com uma decoração riquíssima e com marcas  na base, entre elas, Compª de Maria de Portugal  e as iniciais FCCL dispostas em cruz.


Ainda antes de ter conseguido ler a referência a Maria de Portugal, suspeitei logo que era uma peça produzida pela Fábrica Cerâmica Constância, por analogia com outros exemplares de decoração semelhante, quer nos tons utilizados, quer no estilo dos desenhos. Para além disso, as iniciais FCCL levaram-me a pensar nas palavras Fábrica Cerâmica Constância Lisboa.
Existe ainda na base uma marca de artesão, um J com uma flor, a anotação de exemplar único e uma data, 1930.
Sei agora, à posteriori, graças a um comentário a este post do Mercador Veneziano, que o J com a flor, uma rosa, seria a marca do pintor José Rosa Rodrigues que trabalhou nesta fábrica na década de 30.


A Fábrica Constância foi fundada em 1836, na Rua de S. Domingos à Lapa, às Janelas Verdes, mas só em 1842 adotou o nome que, com uma ou outra variante, se mantém até hoje. Ali trabalhou, logo no início, um nome muito importante da cerâmica portuguesa do século XIX, Wenceslau Cifka, artista boémio multifacetado, que veio para Portugal como acompanhante do nosso rei-artista, D. Fernando, marido de D. Maria II.


Maria de Portugal é o pseudónimo de Albertina dos Santos Leitão, uma notável ceramista, mas também escritora e pintora, que foi discípula de Leopoldo Battistini, artista cerâmico de relevo, à época proprietário da Fábrica Constância. Nos anos 30 do século XX ela própria assumiu a direção artística da fábrica e tornou-se sua proprietária, daí a inscrição Compª de Maria de Portugal, datada de 1930.


Até à sua morte em 1971 destacou-se não só na produção de faiança artística, mas também com painéis de azulejo e com as suas peças participou em exposições, em Portugal e em vários países estrangeiros.
 

 Nesta peça a decoração é muito curiosa, com reservas debaixo de cada uma das asas, onde se podem ler pequenos excertos que poderão ser de um poema, já que numa das reservas aparece um título, "Val de Amôres" e por baixo "as quatro chamas"; noutra reserva vê-se uma assinatura, para mim ilegível. Estas peculiaridades, juntamente com a referência a exemplar único, fazem-me pensar numa peça comemorativa ou destinada a homenagear alguém.



Para além das reservas com inscrições e do pontilhado de fundo, a decoração é feita com árvores, de que consegui identificar, com a ajuda da nossa seguidora, uma laranjeira, uma oliveira e uma videira, que teriam certamente algum significado para uma ocasião especial.


Trata-se de um exemplar que se presta a interpretações de vária ordem e por isso uma peça que, para além de ser única, é muito estimulante para qualquer entusiasta da cerâmica portuguesa.