sexta-feira, 27 de julho de 2012

Cem Mil, um número a assinalar

Eduardo Viana (1881-1967), O Homem das Louças, 1916
Hoje, segundo as estatísticas do blogger, o Arte, livros e velharias atingiu as 100.000 visitas.
Apesar de ser um número insignificante se comparado com outros sítios da internet - e tenho um exemplo muito próximo, o buscaonibus, um site de referência para transportes no Brasil, que atingiu 4 milhões de visitas em menos de quatro anos -  não deixa de ser um feito para um blogue não comercial, que começou há menos de dois anos, de forma titubeante e pouco confiante, nas mãos de alguém que fazia a sua primeira aventura na blogosfera.
É portanto um marco a assinalar e decidi fazê-lo com um post diferente, partilhando obras de dois dos meus pintores portugueses favoritos - Amadeu de Souza-Cardoso e Eduardo Viana - escolhidas pela temática que tem muito a ver com o conteúdo do blogue.

Amadeu de Souza-Cardoso (1887-1918), Sem Título (natureza-morta), 1910-11

A primeira, o quadro a óleo sobre tela de Eduardo Viana com o título O Homem das Louças, retrata uma figura popular quase desaparecida, numa postura muito natural de um certo abandono, com uma expressão que me parece indicar pouca azáfama de vendas (tempos de guerra, também tempos de crise...) Notável a mestria de Viana nos cambiantes de cor em formas geométricas, quer na roupa, quer no cenário. Segundo A Arte Portuguesa do Século XX, de Rui Mário Gonçalves, revela influências dos Delaunay no disco a formar o alguidar e nas peças de artesanato popular
As outras duas são naturezas mortas, um tipo de pintura que para mim tem o atrativo adicional de me dar a apreciar interiores com mesas postas, loiças, vidros, jarras de flores  e outros utensílios domésticos de eras passadas, em composições criativas através do olhar e do talento dos artistas plásticos.
Adoro observar quais foram os objetos escolhidos para figurar na composição, porquê aqueles e não outros, a forma como foram dispostos, as cores, a incidência da luz, enfim apreciações de uma leiga na matéria que apenas se deixa seduzir por arte e beleza.

Eduardo Viana, K4 Quadrado Azul, 1916

Visitei a Exposição da Gulbenkian "A Perspectiva das Coisas. A Natureza Morta na Europa nos séculos XVII e XVIII" - parte I e deslumbrei-me com aquelas telas, particularmente as mesas de festiva abundância da nossa Josefa de Óbidos. Lamento ainda hoje não ter ido ver a parte II, obras dos séculos XIX e XX de nomes como Gauguin, Picasso, Monet, Cézanne, Van Gogh, Matisse, Manet, Magritte... e os portugueses Eduardo Viana, Amadeu de Souza-Cardoso, Mário Eloy e Vieira da Silva, estes de mais fácil acesso para nós já que pertencem ao acervo do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. De qualquer forma, graças  a este meio excecional que é a Internet, pude chegar a muitas dessas obras que lá estiveram expostas.
Uma delas é a natureza-morta Sem Título de Amadeu de Souza-Cardoso, com um pormenor que me enternece, a presença das três pequenas galhetas - ou serão pequenos bules?- com um ar muito Deco, no canto inferior direito. A serem galhetas, denotam a vontade de sair da norma, acrescentando mais uma ao par a que estamos habituados... Mas o agrupamento de três elementos, de flores e de folhas, mantém-se na jarra de flores logo ao lado. Depois acho estranhas as duas bananas poisadas, com uma folha que pouco tem a ver com as folhas de bananeira. Há de um lado o sino que nunca vi em naturezas-mortas e do outro a guitarra, esse sim um elemento muito usado pelos cubistas. E há o facto de serem duas mesas e não uma... enfim um sem número de perplexidades que nos desafiam a ficar a olhar... e a tentar descobrir...

Vários conjuntos de três elementos idênticos

Na natureza morta de Eduardo Viana, também presente na exposição da Gulbenkian, que ele intitulou K4 Quadrado Azul, (nome de um texto publicado por Almada Negreiros em 1916), para mim deslumbrante nas cores e nas  formas, lá estão de novo temas cubistas como as guitarras e a palavra escrita e apercebemo-nos da  proximidade com obras da mesma época de Amadeu de Souza-Cardoso.
E assim, com magníficas criações destes dois pintores modernistas portugueses, penso ter  agradecido  condignamente as 100.000 visitas que me fizeram e sobretudo aquelas que são acompanhadas de comentários, pelo estímulo constante que me têm dado.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Um motivo popular da Vista Alegre - A popular pattern by Vista Alegre



Já tinha selecionado as chávenas de chá para participar esta semana no Tea Cup TuesdayTea Time Tuesday e Tuesday Cuppa Tea,  mas o último post do LuisY fez-me mudar de planos.
É que a bacia da Vista Alegre que ele partilhou connosco está decorada com um motivo muito simples e fresco, conhecido por Silvinhas, que sempre me agradou muito e de que fui reunindo algumas peças.
Já as mostrei aqui nos primeiros tempos do blogue, mas não participei com elas nestes eventos da terça-feira e entretanto já aumentei o lote :),  por isso resolvi selecionar algumas dessas porcelanas para o chá de hoje.




A popularidade deste motivo está bem comprovada pelas marcas destas peças, que abrangem um período que  vai do final do século XIX até aos anos 60 do século XX, mas continuou em linha até ao final do século. Foram mudando os formatos mas o motivo manteve-se e agora a bacia mostrada pelo Luís, com a sua marca VA azul, prova que o Silvinhas já era usado a meados do século XIX.

1881-1921
1881-1921
1922-1947
1947-1968

A última peça que comprei e também a que tem a marca mais recente neste conjunto é a leiteira, mas aprecio em especial uma das que tenho há mais tempo, a chávena a lembrar linhas Deco, por apresentar uma marca referente a um único ano, o do centenário da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre, fundada em 1824.  

Centenário -1924

Sempre que me sento na varanda para o chá, para ler ou simplesmente para descansar, vejo-me rodeada de verde e algumas flores. Hoje, ao contemplar de novo esse cenário, emocionei-me ao pensar nas pessoas do Algarve e da Madeira, mas também da Catalunha, cuja paisagem também era assim verde e cheia de vida, a sua vida, mas que  de um momento para o outro, por ato criminoso ou negligente, se viram rodeadas de labaredas a transformarem tudo em negrume e desolação.
É bem verdade que esta vida é um vale de lágrimas...
Temos mesmo que tirar o máximo partido dos pequenos prazeres que se nos oferecem no dia a dia e estes momentos de partilha e de convívio virtual, no que me diz respeito, fazem parte desse lote.
Uma boa semana para todos!

NOTA: Mais de três anos depois da publicação deste poste, a 5 de Outubro de 2015, recebemos um importante contributo num comentário de JJ, informando que a Vista Alegre deu a esta decoração o nome de Oslo e deixando o link que o comprova.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Galheteiro em faiança de Viana (?)

aqui mostrei, em Outubro do ano passado, galheteiros atribuíveis a Estremoz, mas por uma razão ou por outra, tardei a voltar a este tema.
Afirmei na altura que gosto especialmente destes objetos, mas não confessei que fiquei ainda mais encantada e motivada :) ao ver uma coleção de algumas dezenas na casa de uma familiar de pessoas amigas, no centro de Lisboa. Várias prateleiras com filas de galheteiros antigos de faiança... é uma vista magnífica!
Só que são objetos que resistem mal à passagem do tempo.
Sendo a faiança um material facilmente quebrável, o facto de estes recipientes servirem a  azeite, tornando as superfícies viscosas e escorregadias ao manuseamento, agrava a probabilidade de queda e quebra. E não nos podemos esquecer que nos ambientes rurais a janta ou a ceia consistia em muitas casas invariavelmente no escorrido ou escoado, isto é batatas cozidas com hortaliça, uma postita de bacalhau ou outro peixe, quando o havia, e um fiozinho de azeite a alegrar o menu. E lá vinha o galheteiro, para muitos um luxo, diariamente para a mesa.


Tudo isto para dizer que o meu galheteiro de hoje está cheio de mazelas, de faltas e defeitos como dizem os catálogos das leiloeiras, mas está completo, o que nem sempre acontece.
Não tem qualquer marca e talvez por isso e pelas mazelas comprei-o a um preço convidativo, mas para quem conheça faiança de Viana e especificamente galheteiros de Viana do século XIX, a atribuição parece-me inevitável. 



A haste central com a pega em forma de lira (obrigada if) é muito caraterística, assim como o formato das galhetas, com o bico pronunciado e a tampa estilo boné.



É um galheteiro bastante pequeno, com galhetas baixinhas e gorduchas, o que lhe dá graça, tendo cada uma apenas 11cm de altura, incluindo a tampa.



A estrutura da base consiste em quatro pequenas taças separadas, ligadas por "pontes" a formar um quadrifólio, no centro do qual se insere a haste que serve de pega. Tenho visto este formato muito usado em galheteiros do Norte, pelo menos Viana ou Darque e Torrinha têm exemplares marcados com estas caraterísticas, mas têm geralmente as galhetas mais altas.
Galheteiro fabrico de Darque-Viana, séc. XVIII/XIX, marcado com V, de um catálogo da leiloeira S. Domingos
Entretanto, a nossa amiga e colecionadora de faianças, que também gosta de galheteiros e já disponibilizou imagens de um galheteiro de Estremoz, enviou-me fotos de um belo exemplar de Viana, marcado.


Pela decoração ao estilo neoclássico a vinoso, diria que se trata de fabrico do século XVIII, da primeira fase de produção da Fábrica de Viana que laborou em Darque de 1774 a 1855.


A estrutura da base é a mesma dos anteriores galheteiros que aqui vemos e novamente tem a pega da haste central em forma de lira, mas as pegas dos recipientes  apresentam um belo formato em folha e não um simples botão, revelando uma preocupação em dar requinte aos pormenores que me parece apontar para as primeiras fases de fabrico de Darque.


Muito obrigada a esta estimada amiga por mais uma partilha que tanto veio enriquecer o post!


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Chá com Anne Shirley - Tea with Anne Shirley


Esta semana, por sugestão da Sandi de Rose Chintz Cottage, vou participar no Tea Cup Tuesday, Tea Time Tuesday  e Tuesday Cuppa Tea evocando  a obra “Anne of Green Gables” da autora canadiana Lucy Maud Montgomery (1874-1942).


Publicada em 1908, é um clássico da literatura juvenil, sobretudo no mundo anglófono, mas que eu tenha conhecimento nunca foi editada em Portugal, só foi traduzida para português no Brasil, onde ficou conhecida por dois títulos: Anne Shirley e Anne de Green Gables.


Anne Shirley (Imagem da Internet)

Para além da obra literária ser muito conhecida, fizeram-se filmes e séries e, mesmo em Portugal, esta personagem fez companhia a muitos miúdos, na série de desenhos animados Ana dos Cabelos Ruivos, que passou na televisão no final dos anos 80.



Ao escolher as chávenas para este chá especial, pensei na vida humilde e rural da Anne em Green Gables – nome da quinta onde esta menina órfã foi recebida por um casal de irmãos solteiros e já idosos, Marilla e Mathew – e achei adequadas estas peças de faiança inglesa do século XIX, decoradas a lustrina dourada.
Escolhi um par de chávenas maiores para Marilla e Mathew e uma chávena mais pequena , com um pires diferente e mais mimoso para a Anne dos tempos em que chegou àquela casa.


A marca que se vê em cima, diz-nos que o fabricante foi T. Boote & Son de Burslem e corresponde ao ano de 1868; Vase, jarra ou jarrão, é o nome do motivo decorativo.


O pires que acompanha a chávena mais pequena apresenta o motivo Florence, muito adequado para a pequena Anne.
Mas achando eu que o chá sabe melhor bebido em chávena de porcelana, juntei aqui mais uma chávena que a Anne já adulta e professora, gostaria certamente de ter recebido como oferta do namorado e antigo colega de escola, Gilbert Blythe.




 E certamente também não desdenharia receber uma Flor de Cera, ou Hoya Carnosa, uma pequena maravilha da natureza que nesta altura tenho aqui a florir em vasos.
Também a chávena e o pires foram decorados com motivos florais lindíssimos, pintados à mão, certamente em Inglaterra a meados do século XIX.


Não tem marca de fabrico, apenas  um número de padrão a dourado, cujos únicos algarismos visíveis são 266, mas nota-se que havia pelo menos mais um dígito e talvez ainda uma letra a que os ingleses chamam "suffix letter".
Encantei-me por esta chávena e pires há uns dois anos, na única vez em que fui à Feira de Velharias das Caldas da Rainha. Estava sem asa, mas mesmo assim, por 5 €, trouxe-a comigo. Entretanto mandei-lhe colocar uma asa em trabalho de restauro e lá fiquei com mais uma beleza inteirinha.
Espero que tenham gostado deste chá na minha varanda, com flores e verde. A Anne teria adorado! :)

sexta-feira, 6 de julho de 2012

O Convento da Conceição em Beja




No anterior post, dei conta da minha visita ao Convento da Conceição, ou antes, ao Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, onde está instalado o Museu Rainha D. Leonor, o núcleo central do Museu Regional de Beja.
Impressionada como fiquei com a evocação de Soror Mariana Alcoforado, dei-lhe primazia na feitura de um primeiro post, mas não podia deixar de mostrar em mais pormenor o local que lhe serviu de morada, embora só o suficiente para incitar a uma visita mais ou menos demorada, que nenhuma mostra fotográfica pode substituir, ainda por cima com as limitações técnicas que esta tem e que para mim agora estão mais evidentes, sem já nada poder fazer...




Naquele rico edifício de mais de 500 anos, fundado na segunda metade do século XV pelos primeiros duques de Beja, pais da Rainha D. Leonor e de D. Manuel I, sujeito a várias remodelações, reúne-se um valioso acervo, de que estão em exposição permanente coleções de azulejaria, arqueologia, arte sacra e pintura. Com o meu gosto mais que confessado por cerâmica, foi naturalmente a azulejaria - dos séculos XVI, XVII e XVIII - que mais atraiu a minha atenção, não só pela quantidade e qualidade dos conjuntos, mas por se encontrar ainda toda como material de revestimento original.



A entrada no museu faz-se pelo antigo coro baixo da igreja, de que se pode ver um pouco ao fundo, à direita na fotografia de cima, o local onde as freiras da Ordem de Santa Clara assistiam aos serviços religiosos, separadas por grades dos restantes fiéis. É nessa área vestibular que se encontra patente a exposição sobre Mariana Alcoforado.



A igreja, intervencionada no tempo de D. João V,  impressiona pela riqueza da talha dourada, alguma ainda do século XVII, que cobre a nave única e a capela-mor quase integralmente,  intercalada por painéis de azulejos azuis e brancos, alusivos à vida de S. João Batista. No centro da nave estão expostos andores processionais, em prata, do século XVIII.


Nesta foto vê-se um dos painéis azulejares dedicados a S. João Batista, com data de 1741.
Mas a apoteose dos revestimentos a azulejo vem a seguir, quando se entra no claustro - revestido a azulejos do século XVII, maioritariamente de padrão e alguns enxaquetados - e se passa à sala do capítulo.





Ao entrarmos na Sala do Capítulo, o olhar é primeiro atraído pela intrincada pintura da abóbada, de 1727, mas logo em frente fica a capela de Cristo Crucificado e os azulejos enxaquetados que a forram e emolduram, a chamar a atenção para as paredes e para a azulejaria que reveste a sala.




E aí, com o meu fraquinho por azulejos hispano-árabes, foi um deslumbramento! A toda a volta, variados painéis de azulejos sevilhanos do século XVI, encimados por pinturas murais em semi-círculo. Segundo li, neste caso trata-se de azulejos de aresta, técnica usada para manter as cores separadas, como já antes se utilizara a corda seca, só que não as sei distinguir à vista. 
Em cima do arcaz vêem-se vários Cristos e outros em tamanho natural se encontram dentro da sala.




Sevilha foi por excelência o local de produção destes azulejos, seguindo uma tradição mourisca, mas também Toledo os produziu e, segundo Rui André Alves Trindade: Revestimentos cerâmicos portugueses: meados do século XIV à primeira metade do século XVI, Edições Colibri, Lisboa, 2007, houve produção portuguesa destes materiais nos séculos XV e XVI. 


Muito mais há para apreciar no edifício e no acervo do museu: portais góticos, brasões e lápides tumulares, a escudela em porcelana chinesa (1541) de Pero de Faria, uma grelha ou grade  medieval em terracota, de influência mourisca, a secção de arqueologia, etc.
Dos restantes núcleos do Museu Regional, visitámos o sítio arqueológico Rua do Sembrano, essencialmente romano, mas com várias camadas de vestígios; até lá vi púcaros e asados medievais! Ficou por ver o  Núcleo Visigótico, um conjunto muito relevante a nível nacional,  fechado naquele dia por falta de pessoal.  Sempre a contenção orçamental a penalizar, de que maneira, os nossos bens culturais e, claro, a refletir-se no emprego...
Espero ter aguçado o apetite de alguém para dar um saltinho até Beja... ou fazer um desviozito na rota, quem sabe?

segunda-feira, 2 de julho de 2012

As cartas de Mariana Alcoforado ou "Lettres Portugaises"


Na minha última passagem pelo Alentejo fui finalmente visitar o Museu Regional de Beja, cujo principal núcleo está instalado no Convento da Conceição daquela cidade.
Sabia da existência de um acervo importante de azulejaria portuguesa e hispano-árabe a revestir o interior do convento - e a esse nível o claustro e a sala do capítulo são notáveis - e contava encontrar alguma faiança portuguesa na exposição permanente, o que não se verificou, para minha grande desilusão.
Mas em compensação, tivemos um bónus logo na entrada: uma exposição temporária dedicada a Soror Mariana Alcoforado (1640-1723), a presumível autora das mundialmente famosas "Lettres Portugaises", supostamente escritas por ela neste convento, onde viveu em clausura durante 72 anos.

Gravura de Eisen aberta a buril por Massard representando a infeliz freira em traje de dama e em ambiente do século XVIII
Fiquei logo ali encantada com o conteúdo das vitrines, a primeira com edições das Cartas Portuguesas do final do século XVII e do século XVIII, do acervo do museu; da primeira edição estava patente apenas uma reprodução da página de rosto.


Editadas pela primeira vez em 1669, em Paris, por Claude Barbin, estas cinco cartas teriam sido escritas em 1667 e 1668 por uma freira portuguesa, mais tarde identificada como Soror Mariana Alcoforado, a um oficial francês, o Marquês de Chamilly, que nunca é nomeado nas cartas. 


No claustro, azulejos do tempo de Mariana, certamente testemunhas silenciosas da sua infelicidade amorosa.


Segundo reza a história, foi a partir da janela do seu convento de clarissas em Beja que ela, vendo este oficial francês passar na rua durante a sua permanência em Portugal, envolvido que estava na ajuda militar à coroa portuguesa durante a Guerra da Restauração, se apaixonou por este homem e a ele se entregou num relacionamento amoroso clandestino, dentro das paredes do convento.
A janela de Mariana, chamada janela de Mértola, tal como se apresenta hoje
Passado algum tempo, descoberto o romance, ele partiu para França, com a promessa nunca cumprida de mais tarde se lhe vir juntar,  abandonando-a num estado de paixão e de sofrimento que ela exprime, em desvario, nas cinco cartas compiladas. 

Edição de 1672

Edição de 1682

Edição de 1701

Edição de 1707


Para mim, um motivo de interesse acrescido foram as gravuras cheias de pormenores mundanos presentes nas três edições do século XVIII.
A obra, dada a conhecer em França como reproduzindo cartas de amor autênticas de uma religiosa portuguesa a um tal Cavaleiro de C., portanto testemunhos de um amor ilícito, conheceu uma popularidade tal que as edições se sucederam ainda durante o século XVII. A de 1672 é já a 3ª edição de Claude Barbin e outros editores se lhe juntaram, em França e noutros países europeus.

Edições estrangeiras, das centenas que se publicaram em vários idiomas por todo o mundo
Algumas das edições sobre as cartas, da autoria de investigadores portugueses, publicadas entre 1891 e 1966  


Para além dos exemplares bibliográficos e de fotografias antigas do convento e das últimas religiosas que o habitaram, um outro núcleo interessante da exposição são as reproduções de obras de arte de nomes como Modigliani, Matisse, Lima de Freitas, José Rodrigues, inspiradas por esta figura quase mítica de freira portuguesa apaixonada.
Desenho de Matisse
Tive pena de não ver ali representada a obra do pintor António Pimentel (1935-1998), prematuramente desaparecido e a quem já dediquei um post, que também se inspirou na triste história de Soror Mariana Alcoforado para uma série de quadros que considero magníficos, pela força das cores e da composição, pelos elementos simbólicos com uma carga erótica mais ou menos sugerida.
Aqui vou preencher essa lacuna com dois quadros desta temática que fotografei de um catálogo.

Pintura a acrílico sobre tela de António Pimentel

Mariana versus Marianne de António Pimentel

Não posso deixar ainda de referir que foram as Lettres Portugaises, supostamente escritas por Mariana Alcoforado, que serviram de mote às Novas Cartas Portuguesas das chamadas "três Marias" - Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa - que tanto incomodaram as mentalidades do regime de Salazar, tornando-se um livro proibido pela censura que valeu às autoras um processo em tribunal.
Voltarei ao Convento da Conceição em Beja no próximo post.