sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

FELIZ ANO NOVO!


Esta menina de olhar sereno, com o seu belo cesto de flores, apesar do tempo chuvoso e cinzentão que a rodeia, vai ser a  mensageira dos meus votos de um feliz 2011 para todos os que visitam estas páginas. Desejo a todos, sobretudo muita saúde, física e mental, muita serenidade e paciência.
Sabemos que os tempos não são nada auspiciosos, mas resta-nos esperar que vão sempre brotando umas flores, no caminho algo agreste e pedregoso que nos espera - a uns mais do que a outros - ao longo deste novo ano, no nosso cantinho à beira mar.

Trata-se de uma pintura de Maria Fernanda Amado, que se dedicou, entre outras temáticas, a retratar meninas de faces redondas e cores rosadas, com este delicioso ar ingénuo, nos mais diversos ambientes, quer citadinos quer rurais.


quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Faianças da Fábrica de Alcântara

Houve um tempo, há cerca de dez, doze anos, em que a loiça da Fábrica de Alcântara exercia um certo fascínio sobre mim, mas sempre que via peças desse fabrico à venda, achava-as muito caras e lá ia resistindo. A certa altura comprei um prato rachado num antiquário da Figueira da Foz porque adorei o motivo decorativo, o motivo PAIZAGEM. A partir daí adquiri mais algumas peças, com um ou outro defeito, mas sem por isso perderem o encanto original. Achava muito interessante algumas das marcas terem escrito LOUÇA À INGLEZA a par do nome da fábrica. Era o reconhecimento inequívoco da influência da produção cerâmica britânica no fabrico nacional de faiança fina.


Através da obra Marcas da Cerâmica Portuguesa, de José Queirós, da Livraria Estante Editora, 1987, tomei conhecimento de que a fábrica tinha sido fundada em Lisboa, em 1885, por dois sócios, Stringer e Silva, daí a primeira  marca com os dois S das suas iniciais, mas logo no ano seguinte fora transferida para outras mãos, passando a usar as iniciais L & C de Lopes & Cª na nova marca.
Mais não sabia, e por isso, quando decidi fazer um post sobre estas faianças, não dispondo de bibliografia sobre o assunto, fui procurar informação nas páginas da internet.
Assim fui ter ao blogue A Fábrica de Louça de Alcântara: breves notas sobre a sua produção e foi lá que encontrei a informação disponível sobre a fábrica, resultado de um levantamento de peças, marcas e motivos, e paralelamente uma investigação de documentos em q esta unidade fabril é referida.
Soube que o motivo decorativo  deste meu bule, decorado por estampa ou transfer-print num tom azulado, é suposto chamar-se papoilas, mas sem certezas por ainda não ter sido encontrado nenhum exemplar em que constasse, junto à marca, o nome do motivo. A data de fabrico, como a de todas as minhas peças, é certamente posterior a 1886, já que lá constam as iniciais da segunda sociedade a dirigir a fábrica: Lopes  & Cª.


Mais um bule, sem tampa mas em muito bom estado, ostentando uma decoração com ramagens, flores e espigas. Marca igual à do bule anterior. Motivo espiga? 
(Não, trata-se do motivo PRIMAVERA, segundo li bastante mais tarde no mesmo blogue sobre a faiança de Alcântara).


O prato raso que se segue é decorado com o motivo Egypcio, segundo informação do blogue referido.
Este motivo ou padrão decorativo teve origem, como muitos outros,  na produção inglesa, tendo sido utilizado, também a castanho, pela Copeland, antiga Spode, em 1855. Chamaram ao padrão Honeysuckle ou Empire.


 

Também segundo o blogue acima referido, é o motivo PHANTASIA que decora o bule e a terrina que se seguem, respectivamente em castanho e em verde. Embora todos os motivos acima apresentados sigam as tendências artísticas da época, final do séc. XIX,  é neste motivo que se percebe melhor a influência dos modelos ingleses que seguiam o Movimento Estético (Aesthetic Movement).




É um estilo muito ligado ao movimento Artes e Ofícios (Arts and Crafts), pode-se dizer uma primeira versão inglesa da corrente estética Art Nouveau, que surgiu como reacção ao gosto vitoriano, muito enfeudado  a estéticas revivalistas do passado, tanto clássico como medieval.
É interessante verificar que a própria marca , quer  do bule, quer da terrina PHANTASIA, tem escrito LOUÇA À INGLEZA e não FAIANÇA FINA como as restantes peças.
O prato abaixo, inglês como se vê na marca, foi fabricado entre 1868 e 1883 por Wedgwood & Cº (não confundir com Wedgwood Etruria de Josiah Wedgwood) e os elementos da decoração denominada BEATRICE - ramos, flores, fitas, arabescos à maneira oriental - são semelhantes aos das anteriores peças Alcântara.



É de notar, por curiosidade, que  para além da marca de fabrico, este prato ostenta a Patent Office   Registration Mark, uma marca em forma de losango presente nos produtos industriais ingleses entre 1842 e 1883, como já referi num post anterior. A cerâmica pertence à classe IV,  que se vê a encimar o losango, e quanto aos números e letras em cada ângulo do losango, dão informação precisa sobre o dia, mês e ano de registo do produto. Neste caso o J corresponde a 1880.


domingo, 26 de dezembro de 2010

Garrafa vassoura em faiança das Caldas

Garrafa vassoura
Vi-a no chão, no meio de outros objectos, na pequena feira de velharias da Curia e chamou-me logo a atenção, pelo formato e pelas dimensões.
Peguei nela e verifiquei q tinha uma marca no fundo, gravada na pasta, mas ilegível a olho nu. Perguntei à vendedora de que é que se tratava, mas ela não me soube dizer. Disse -me que a tinha comprado há poucos dias por também a ter achado uma peça interessante e nem tinha reparado que tinha marca.
Fez-me um preço muito razoável e eu trouxe-a para casa.
O fundo da garrafa sendo visível a marca oval
A peça parecia-me ter qualidade, quer pelo brilho do vidrado, quer pela modelagem naturalista, tão original.
Ao analisar melhor a marca, com a ajuda de uma lupa, e comparando-a com as marcas de fabricantes de faiança das Caldas - a hipótese que coloquei logo à partida - constantes do 2º volume da obra "Faiança Portuguesa" de Arthur de Sandão, verifiquei tratar-se da marca de António Alves Cunha, Caldas da Rainha.
A mesma marca encontrada num jarro à venda num site de leilões
António Alves Cunha (1856-1947) era filho de um outro ceramista caldense, José Alves Cunha, e dirigiu a sua oficina nas Caldas entre 1890 e 1925, tendo produzido uma variedade enorme de peças utilitárias e decorativas.
Investiguei ainda este formato de garrafa e descobri ter tido alguma popularidade nas Caldas da Rainha na viragem do séc. XIX para o XX,  já que encontrei outros exemplares em sites de leilões, em amarelo como esta, mas também  em verde, produzidas por outros fabricantes, nomeadamente Bello e Herculano Elias.
Era a época em que Raphael Bordallo Pinheiro, ao inspirar-se nos trabalhos do ceramista francês Bernard Palissy (1510-1590) criou formas vegetais e animais de uma qualidade surpreendente, reconhecida dentro e fora de portas. Nas colecções de artes decorativas dos museus ingleses, os que conheço melhor no estrangeiro, as formas de arte que nos representam são, para além dos painéis de azulejos do séc. XVIII, os azulejos e peças naturalistas de Raphel Bordallo Pinheiro.
Para os apreciadores da cerâmica das Caldas desta época, recomendo uma visita ao Aliança Underground Museum, nas Caves Aliança em Sangalhos, no coração da Bairrada, onde, entre outras colecções reunidas por Joe Berardo, se pode admirar um extenso e magnífico conjunto de peças Bordallo Pinheiro, estilo Palissy e outras.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Chávenas de porcelana Derby

A cidade inglesa de Derby, capital do Derbyshire, mesmo ao lado do famoso e prolífico centro cerâmico de Staffordshire, viu nascer, ainda no séc. XVIII, uma indústria de porcelana  que dura até hoje. Foram três as unidades produtoras de porcelana nesta cidade, que se sucederam ao longo de três séculos, começando  na mítica Derby Porcelain (1748-1848) e terminando  na actual Royal Crown Derby.
Após o encerramento da primeira, dirigida por William Duesbury e seus descendentes, vários dos antigos operários fundaram uma pequena fábrica na mesma cidade, em King Street, onde continuaram a produção de porcelana seguindo os modelos da anterior, passando a chamar-se King Street Factory. A partir de 1862 alargaram as suas instalações e passaram a utilizar a marca mais famosa da primitiva fábrica - um D encimado por dois paus cruzados com pequenos pontos de cada lado, por sua vez encimados por uma coroa - mas acrescentaram-lhe as iniciais S e  H, de Stevenson e Hancock os dois sócios da altura. Mais tarde, apenas o segundo continuou à frente da fábrica, mas as iniciais mantiveram-se pelo início do séc. XX, correspondendo agora ao seu nome Sampson Hancock.
Entretanto, ainda no final do séc. XIX, é fundada em Derby uma outra fábrica que começou por utilizar o nome  Derby Crown Porcelain Co. e a partir de 1890 adoptou o nome que ainda usa actualmente, Royal Crown Derby.
Página do famoso livro de padrões da primitiva Derby, encontrada em http://www.artfund.org/artwork/7194/four-derby-porcelain-pattern-books

Os livros de padrões ou pattern books, muito utilizados pelas mais conceituadas fábricas de cerâmica inglesas, tendo cumprido a sua função à época, que era a de registar formas e desenhos e facilitar novas encomendas, são hoje auxiliares preciosos para identificar e datar exemplares sem marca. Acontece em muitas peças inglesas antigas terem como única marca o número de padrão, inteiro ou fraccionário, escrito à mão de forma mais ou menos cuidada, em dourado ou em várias cores, sobretudo vermelho. São esses pormenores de cada  número que ajudam a identificar e a datar a peça. Mas mesmo existindo a marca da fábrica, como é o caso das minhas chávenas, servem para datar muitos exemplares de fabricantes que mantiveram a mesma marca durante décadas. Estes livros encontram-se geralmente nos arquivos de cada unidade fabril, no caso das ainda existentes, ou em museus e colecções de cerâmica, felizmente abundantes em Inglaterra.


 
Par de taças e pires de chá comprado na Feira da Ladra. Ostenta a marca Derby anterior a 1800, de cor lilás (a puce mark, em inglês). Note-se que este padrão é o nº 238 da página acima reproduzida.



Chávena e pires de chá  comprados num antiquário em Coimbra. A chávena tem um formato muito usado em Inglaterra no séc. XVIII, início do XIX, o chamado bute shape. O padrão corresponde ao número 235 da página do pattern book acima reproduzida, mas como se trata de um formato diferente, foi-lhe atribuído outro número, o 248.



Chávena e pires de chá da fábrica de King Street, comprados na feira de Portobello Road em Londres. O formato aqui é o chamado London shape, largamente utilizado durante o séc. XIX.


Tacinha em forma de coração da Royal Crown Derby, pintada à mão como as anteriores, já do séc. XX. Foi comprada por um preço irrisório na feira de Algés.