terça-feira, 28 de junho de 2011

A decoração "Margão" da Vista Alegre, o famoso "Zwiebelmuster" ou "blue onion pattern"

É  este o meu tema para participar esta semana nos eventos Tea Cup Tuesday e Tea Time Tuesday.


Como sou apreciadora  de porcelana e faiança azul e branca, o motivo  "Margão" da Fábrica de Porcelana Vista Alegre foi sempre um dos meus preferidos e assim fui reunindo um pequeno conjunto de peças que gosto de ver agrupadas. Apercebi-me a certa altura que este era um motivo muito vulgar na porcelana europeia, sobretudo na alemã e assim adquiri mais umas peças em porcelana alemã e checa com a mesma decoração,  que ficou conhecida em alemão por "Zwiebelmuster" e em inglês por "blue onion", ou seja, o "motivo cebola".

Foi esta a primeira peça que comprei no chamado "Margão" da Vista Alegre. É um prato de bolo com o verso em biscuit e uma marca, a de baixo, que começou a ser usada em 1980, sendo a outra já posterior. Não sei quando é que a Vista Alegre introduziu este motivo na sua porcelana, mas as peças que tenho têm todas marcas usadas a partir dessa data.
 
 
 
O frasco de chá e a chávena e pires são  também da Vista Alegre, ambas posteriores a 1980, mas a peça de faqueiro com cabo de porcelana, sem marca, é certamente de fabrico alemão e já centenária.


 Este modelo de recipiente, geralmente usado como cachepot, fazia parte dos ricos serviços de porcelana dos séculos XVIII e XIX, que reuniam centenas de peças, e penso que teria a função de frappé. Este é também da Vista Alegre e tem marca igual à do frasco de chá, a que se vê em cima, do lado esquerdo.


O prato de sobremesa é alemão, como se vê pela marca da prestigiada Hutschenreuther, mas foi comprado em Portugal, numa casa de artigos usados.


Esta é uma peça muito curiosa com o mesmo motivo, que trouxe como recordação de uma visita que fiz à afamada estância termal de Karlovy Vary na República Checa,  Karlsbad em alemão, já que pertenceu ao Império Austro-Húngaro  e também fez parte da Alemanha nazi. É uma caneca para beber água termal em que a asa serve também de bico por onde se sorve a água, lentamente, enquanto se passeia, pois ela brota a uma temperatura muito elevada. Na marca vê-se o nome de uma cidade checa, Dalovice, na região de Karlovy Vary.

  
Os talheres com cabo em porcelana foram um requinte introduzido no século XVIII nos hábitos dos europeus mais ricos. Estes creio que são alemães, mas foram comprados em Lisboa, na "Feira da Ladra". Todos têm este motivo, mas há também a variante em cor-de-rosa de que tenho apenas duas facas.


Ao contrário de outros fabricantes europeus, a começar por Meissen no século XVIII, a Vista Alegre assumiu a origem oriental deste desenho ao atribuir-lhe o nome da segunda maior cidade do que foi o estado português de Goa, na Índia - a cidade de Margão.
A origem do desenho é, no entanto, ainda mais oriental  já que ele terá chegado a Portugal e à restante Europa na decoração das porcelanas chinesas, recuando à época Ming. Na Alemanha este motivo foi adaptado e popularizado por Meissen e depois copiado por outros fabricantes, tendo ficado conhecido com o nome de Zwiebelmuster, já no século XIX. No final deste século, qualquer família burguesa alemã que se prezasse teria que ter um serviço de porcelana neste padrão. Zwiebel ou cebola foi o vegetal que os artesãos alemães associaram à forma  dos frutos exóticos representados em pratos chineses: romãs, pêssegos, limões e outros, pouco conhecidos por aquelas paragens.


Curiosamente, quando andava a fotografar as peças para este post, lembrei-me deste prato de porcelana chinesa azul e branca, que penso ter o motivo ou um dos motivos que terá inspirado o Margão ou Zwiebelmuster. É claro que na mão dos europeus ele ganhou outros contornos, um certo refinamento e ligeira assimetria no motivo central, talvez inspirada nos desenhos japoneses que entretanto também já tinham chegado à Europa.


No verso há elementos decorativos cujo significado desconheço, assim como desconheço a época em que o prato foi produzido, mas  comprei-o como um exemplar do século XVIII. 

With all this talking, I doubt Google Translator can provide a good version in English, the language used by most foreign visitors of this blog. Once again I'll have to apologize for the bad translation, but I do hope the general meaning will be understood.

sábado, 25 de junho de 2011

Mais uma lamparina de porcelana

aqui mostrei uma lamparina de quarto da Vista Alegre, toda em branco, no modelo "Castelo".
Gosto destes objetos, caídos em desuso, que foram feitos para dar conforto a pessoas acamadas ou doentes, num tempo em que a maioria das casas nem dispunha de eletricidade nem estava preparada para enfrentar os rigores dos dias frios.


Nesse tempo, em Portugal até há uns cinquenta ou sessenta anos, o tratamento dado em casa  aos  doentes consistia, quase em exclusivo, na administração de mezinhas caseiras e numa longa permanência de resguardo no aconchegante vale dos lençois.
No bule se guardava a infusão mantida quente graças à lamparina acesa, que simultaneamente fornecia uma ténue iluminação ao quarto.


Comprei esta torre de lamparina sem o bule porque me encantei  pela decoração: motivo floral em grinalda com fitas, muito delicado e romântico.
Não tem qualquer marca, mas quando a comprei confesso que esperava que fosse Vista Alegre. Agora penso que é uma veilleuse francesa porque já vi torres do mesmo formato a que é atribuída essa origem e embora a Vista Alegre tenha fabricado vários modelos de lamparina, após alguma pesquisa não vi nenhum igual a este.


De qualquer forma, adaptei-lhe um bule para lamparina da Vista Alegre, que já tinha em casa, e ficou um conjunto bastante harmonioso.


Rosas , margaridas, miosótis, na sua delicadeza de pintura à mão, formam composições diferentes à volta desta peça de porcelana.


Esta é a marca do bule, usada pela Vista Alegre entre 1921 e 1947.

Deixo aqui o link para a que  é considerada a maior coleção de veilleuses do mundo. Aparecem algumas torres com a mesma forma desta minha, embora com decorações diferentes, mas nenhuma peça está identificada quanto a fabrico.
Embora não esteja referido, o exemplar número 491, no quarto grupo de peças, é um modelo da Vista Alegre, o "Chalet".

quinta-feira, 16 de junho de 2011

De novo as contas... ou três contas... ou cabeças de Ruyi?

Ando em maré de faiança aqui no blogue, sem dúvida! Pratos, telhas, mísula, galheteiro... e agora mais um belíssimo prato coimbrão e uma graciosa terrina de contas.
É faiança portuguesa de primeira categoria graças à amabilidade de duas colecionadoras que me fizeram chegar fotografias de peças suas.
Foi na sequência do post sobre o meu prato de contas que recebi a oferta de partilha de outras peças, para se poderem comparar decorações e pastas.


A primeira peça que tenho para mostrar de uma das colecionadoras é este prato de contas de fabrico coimbrão que, segundo li no catálogo Cerâmica de Coimbra, Séc. XVI - Séc. XX, se distingue do lisboeta, não só por diferentes tonalidades nos pigmentos, mas também pela "qualidade leitosa dos fundos brancos". Foi essa caraterística, também presente no meu prato de contas, que me fez distanciá-lo dos exemplares lisboetas que conheço e me fez admitir a sua origem em Coimbra, ao ver no blogue Velharias uma pia de água benta de fabrico coimbrão e também por analogia com a pasta dos ratinhos.


 O motivo central deste prato apresenta edifícios que me surpreendem pela altura de quatro andares, se pensarmos em construções do século XVIII, mas basta percorrer as velhas ruas da "baixinha" de Coimbra para constatar a existência de prédios antigos construídos em altura. O que é novidade aqui é a paisagem ser campestre e não urbana. A folhagem das árvores  é feita de esponjados, um recurso decorativo muito caraterístico das faianças coimbrãs.


A decoração da aba, para além dos círculos concêntricos a azul claro, apresenta as famosas "contas" ou "três contas" - a interpretação portuguesa das cabeças de Ruyi, presentes como elementos decorativos na porcelana chinesa - mas numa versão diferente dos pratos de contas que já aqui mostrei.


O tardoz é semelhante ao do meu prato de contas, embora com menos imperfeições, e ao do prato conventual que mostrei no mesmo post.


Entretanto, recebi da outra colecionadora várias fotografias desta graciosa terrina ou malga coberta, desta vez com o motivo contas mais nosso conhecido. Acho-a um verdadeiro encanto, em que a desproporção da pega em relação ao tamanho do resto do conjunto, faz lembrar uma miniatura ou um brinquedo para crianças.
As dimensões são no entanto as de uma peça utilitária pequena: diâmetro 18,2cm; altura 19,3cm; frete 7,7cm.




Não conhecia faianças de contas desta tipologia e por isso a considero uma verdadeira peça de museu, que julgo ser de finais do século XVII.
A decoração a azul e manganés, muito singela, certamente destinada à mesa de famílias pouco abastadas.


A tampa, só por si uma peça de coleção, apresenta espiral na pega, também imagem de marca de muitos ratinhos.


Vaso de porcelana Ming do MNAA com uma faixa superior formada por cabeças de Ruiy (ceptro ritual budista)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Porcelana com retratos de senhora/ Porcelain with portraits of ladies

Esta semana vou participar no Tea Cup Tuesday e Tea Time Tuesday, mais uma vez com peças antigas da Vista Alegre.


A Fábrica de Porcelana da Vista Alegre, fundada em 1824, não é a única fábrica de porcelana existente em Portugal, como posso fazer crer a quem me visita às terças-feiras e conhece pouco da produção portuguesa, mas é a única que vem do século XIX e por isso, como amante que sou de antiguidades, interessa-me sobretudo a produção desta unidade fabril.
Começou a sua atividade com o fabrico de vidro, mas desde que iniciou o fabrico de porcelana, pouco tempo depois, seguiu as modas europeias em muitas das suas decorações.



 

                                              

É o caso destas peças de chá e de café decoradas por decalque, com bustos de jovens senhoras com um ar muito romântico, em quatro versões diferentes, emolduradas por ramos de espigas a ouro.
Nas várias peças aparecem duas marcas ligeiramente diferentes, mas ambas usam a figura de uma ema que foi usada pela Vista Alegre num período de quatro décadas que vai de 1881 a 1921.



Acho o bule muito gracioso na sua simplicidade de forma, pequeno e bojudo.


 Esta moda decorativa foi iniciada e muito usada pelas fábricas de porcelana francesas e também pelas austríacas, na altura o Império Austro-Húngaro abrangendo um vasto território que incluía o que é hoje a República Checa, também muito ligada ao fabrico de porcelana.


 Esta chávena e pires é o único exemplar que possuo em porcelana de Sèvres, ostentando um busto que  representará a Imperatriz Josefina Bonaparte.


Como se vê pela marca, o N de Napoleão com a coroa imperial pouco perceptível, não se trata da riquíssima Sèvres dos Ls entrelaçados do século XVIII, mas de uma produção do tempo de Napoleão III já da segunda metade do século XIX (1852 - 1870).


Segue o estilo Império, bem identificável pelo elaborado formato da asa revestida a ouro, embora já muito gasto por século e meio de existência e uso.

Entretanto, uma seguidora do blogue, na sequência do seu comentário a este post, enviou-me fotografias de peças V.A. com este motivo, mas duas delas, o pires da direita e a travessa, têm estampas diferentes. O pires da esquerda parece ter a mesma estampa do meu bule.



O pires do lado direito tem marca do período 1921-1947, o que revela que a Vista Alegre usou este motivo durante várias décadas.


 Não recebi foto da marca da travessa, mas este modelo com a aba moldada em relevo foi produzido pela V.A. até muito recentemente embora com outras decorações.

A Real Fábrica de Louça de Sacavém também utilizou esta linha decorativa no final do século XIX.


Tenho esta chávena e pires de chá com muito uso, esbeiçadelas, manchas, faltas de dourado, mas para mim tem sobretudo interesse pela rara marca gravada na pasta, com a coroa de Sacavém e a palavra GRANITO. Penso que este foi o nome dado a um certo tipo de pasta, já que também aparecem marcas com a referência GRANITE na faiança inglesa da mesma época.


Assim, também satisfaço a curiosidade do seguidor deste blogue, Flávio Teixeira.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Um Cristo sem cruz... e sem braços.

Há pouco mais de uma semana o LuísY, do blogue Velharias, mostrou  uma escultura de Cristo crucificado que havia comprado na Feira de Velharias de Estremoz e deixou-nos ver a forma magistral como o expôs num teto inclinado da sua casa.
Coincidentemente, na mesma altura o meu marido encantou-se por este Cristo na Feira de Velharias da Mealhada.


Como se originou aqui uma comunidade de bloguers muito feita de partilhas, e porque o Luís se mostrou interessado em conhecer a peça, aqui estou hoje a mostrar esta nossa recente aquisição.
Com a cabeça descaída e os olhos fechados, representa o Cristo crucificado já morto, ou na fase final da agonia, mas como lhe falta a cruz e os braços, parece um Cristo jacente, depois de descido do calvário.


Não tendo eu a motivação da fé, para mim estas representações da crucificação de Cristo ilustram o sofrimento de um homem submetido a uma violência extrema de tortura e morte às mãos de outros homens, por isso não me são atraentes, no sentido em que não me agradaria viver rodeada destas imagens. Mas como apreciadora de arte e também de arte sacra, sou sensível aos aspetos estilísticos, à particular mestria dos criadores destas obras devotas, quer em escultura, quer em pintura ou em gravura.


Pormenor do tecido lavrado e da corda que o segura


Esta figura foi logo à partida esculpida com  grande elegância e sentido estético, mas "o tempo, esse grande escultor", para usar a expressão que Marguerite Yourcenar usou num título seu e que o LuísY gosta de citar, conferiu-lhe uma incompletude que parece ter-lhe aumentado a qualidade artística.


Tenho pena de não ter conhecimentos de História de Arte que me permitam discorrer sobre o estilo artístico e a época de criação desta escultura mas acredito que ela possui pormenores reveladores para olhos conhecedores e treinados.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Mais um beiral com telhas de faiança

Já aqui mostrei beirais pintados que fotografei em Coimbra, no Porto e na Mealhada.


Agora descobri mais um no Concelho de Anadia, na pequena aldeia de Grada. São telhas de beiral ou telhões com desenhos de pássaros, três em cada uma, diferentes de todas as que eu já tinha visto e fotografado.


A casa, um edifício do século XIX com a fachada revestida a azulejos, fica num largo que é um cruzamento de estradas no centro da aldeia e talvez por isso, pela necessidade de prestar atenção ao trânsito no local, nunca tinha dado pelo belo beiral nas vezes em que ali passei.
Além disso, o acesso visual às telhas, estando-se muito próximo, é dificultado por caleiras e pelo arvoredo de um pequeno jardim fronteiro à fachada principal e por isso também tive dificuldade em as fotografar.


O largo onde este edifício se situa tem o nome de Barão de Recardães, o título que foi concedido por D. Luís, em 1876, ao primitivo proprietário da casa, José Cerveira de Melo.


Tenho andado a tentar investigar sobre este José Cerveira de Melo porque um trisavô do meu marido, natural da aldeia de Sernadelo, vizinha de Grada, teve um irmão com esse nome, nascido em 1818. Ainda não consegui encontrar provas da ligação, mas é apenas uma curiosidade familiar.
Este foi o primeiro e o último Barão de Recardães já que ninguém lhe herdou o título, certamente atribuído por algum serviço prestado no país ou nas relações com o Brasil, o que era comum à época.
Faz-me lembrar o dito satírico de Garrett a propósito da proliferação de títulos de barão e visconde durante o liberalismo: "Foge cão, que te fazem barão! Para onde, se me fazem visconde?"