sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

FELIZ ANO NOVO!


Esta menina de olhar sereno, com o seu belo cesto de flores, apesar do tempo chuvoso e cinzentão que a rodeia, vai ser a  mensageira dos meus votos de um feliz 2011 para todos os que visitam estas páginas. Desejo a todos, sobretudo muita saúde, física e mental, muita serenidade e paciência.
Sabemos que os tempos não são nada auspiciosos, mas resta-nos esperar que vão sempre brotando umas flores, no caminho algo agreste e pedregoso que nos espera - a uns mais do que a outros - ao longo deste novo ano, no nosso cantinho à beira mar.

Trata-se de uma pintura de Maria Fernanda Amado, que se dedicou, entre outras temáticas, a retratar meninas de faces redondas e cores rosadas, com este delicioso ar ingénuo, nos mais diversos ambientes, quer citadinos quer rurais.


quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Faianças da Fábrica de Alcântara

Houve um tempo, há cerca de dez, doze anos, em que a loiça da Fábrica de Alcântara exercia um certo fascínio sobre mim, mas sempre que via peças desse fabrico à venda, achava-as muito caras e lá ia resistindo. A certa altura comprei um prato rachado num antiquário da Figueira da Foz porque adorei o motivo decorativo, o motivo PAIZAGEM. A partir daí adquiri mais algumas peças, com um ou outro defeito, mas sem por isso perderem o encanto original. Achava muito interessante algumas das marcas terem escrito LOUÇA À INGLEZA a par do nome da fábrica. Era o reconhecimento inequívoco da influência da produção cerâmica britânica no fabrico nacional de faiança fina.


Através da obra Marcas da Cerâmica Portuguesa, de José Queirós, da Livraria Estante Editora, 1987, tomei conhecimento de que a fábrica tinha sido fundada em Lisboa, em 1885, por dois sócios, Stringer e Silva, daí a primeira  marca com os dois S das suas iniciais, mas logo no ano seguinte fora transferida para outras mãos, passando a usar as iniciais L & C de Lopes & Cª na nova marca.
Mais não sabia, e por isso, quando decidi fazer um post sobre estas faianças, não dispondo de bibliografia sobre o assunto, fui procurar informação nas páginas da internet.
Assim fui ter ao blogue A Fábrica de Louça de Alcântara: breves notas sobre a sua produção e foi lá que encontrei a informação disponível sobre a fábrica, resultado de um levantamento de peças, marcas e motivos, e paralelamente uma investigação de documentos em q esta unidade fabril é referida.
Soube que o motivo decorativo  deste meu bule, decorado por estampa ou transfer-print num tom azulado, é suposto chamar-se papoilas, mas sem certezas por ainda não ter sido encontrado nenhum exemplar em que constasse, junto à marca, o nome do motivo. A data de fabrico, como a de todas as minhas peças, é certamente posterior a 1886, já que lá constam as iniciais da segunda sociedade a dirigir a fábrica: Lopes  & Cª.


Mais um bule, sem tampa mas em muito bom estado, ostentando uma decoração com ramagens, flores e espigas. Marca igual à do bule anterior. Motivo espiga? 
(Não, trata-se do motivo PRIMAVERA, segundo li bastante mais tarde no mesmo blogue sobre a faiança de Alcântara).


O prato raso que se segue é decorado com o motivo Egypcio, segundo informação do blogue referido.
Este motivo ou padrão decorativo teve origem, como muitos outros,  na produção inglesa, tendo sido utilizado, também a castanho, pela Copeland, antiga Spode, em 1855. Chamaram ao padrão Honeysuckle ou Empire.


 

Também segundo o blogue acima referido, é o motivo PHANTASIA que decora o bule e a terrina que se seguem, respectivamente em castanho e em verde. Embora todos os motivos acima apresentados sigam as tendências artísticas da época, final do séc. XIX,  é neste motivo que se percebe melhor a influência dos modelos ingleses que seguiam o Movimento Estético (Aesthetic Movement).




É um estilo muito ligado ao movimento Artes e Ofícios (Arts and Crafts), pode-se dizer uma primeira versão inglesa da corrente estética Art Nouveau, que surgiu como reacção ao gosto vitoriano, muito enfeudado  a estéticas revivalistas do passado, tanto clássico como medieval.
É interessante verificar que a própria marca , quer  do bule, quer da terrina PHANTASIA, tem escrito LOUÇA À INGLEZA e não FAIANÇA FINA como as restantes peças.
O prato abaixo, inglês como se vê na marca, foi fabricado entre 1868 e 1883 por Wedgwood & Cº (não confundir com Wedgwood Etruria de Josiah Wedgwood) e os elementos da decoração denominada BEATRICE - ramos, flores, fitas, arabescos à maneira oriental - são semelhantes aos das anteriores peças Alcântara.



É de notar, por curiosidade, que  para além da marca de fabrico, este prato ostenta a Patent Office   Registration Mark, uma marca em forma de losango presente nos produtos industriais ingleses entre 1842 e 1883, como já referi num post anterior. A cerâmica pertence à classe IV,  que se vê a encimar o losango, e quanto aos números e letras em cada ângulo do losango, dão informação precisa sobre o dia, mês e ano de registo do produto. Neste caso o J corresponde a 1880.


domingo, 26 de dezembro de 2010

Garrafa vassoura em faiança das Caldas

Garrafa vassoura
Vi-a no chão, no meio de outros objectos, na pequena feira de velharias da Curia e chamou-me logo a atenção, pelo formato e pelas dimensões.
Peguei nela e verifiquei q tinha uma marca no fundo, gravada na pasta, mas ilegível a olho nu. Perguntei à vendedora de que é que se tratava, mas ela não me soube dizer. Disse -me que a tinha comprado há poucos dias por também a ter achado uma peça interessante e nem tinha reparado que tinha marca.
Fez-me um preço muito razoável e eu trouxe-a para casa.
O fundo da garrafa sendo visível a marca oval
A peça parecia-me ter qualidade, quer pelo brilho do vidrado, quer pela modelagem naturalista, tão original.
Ao analisar melhor a marca, com a ajuda de uma lupa, e comparando-a com as marcas de fabricantes de faiança das Caldas - a hipótese que coloquei logo à partida - constantes do 2º volume da obra "Faiança Portuguesa" de Arthur de Sandão, verifiquei tratar-se da marca de António Alves Cunha, Caldas da Rainha.
A mesma marca encontrada num jarro à venda num site de leilões
António Alves Cunha (1856-1947) era filho de um outro ceramista caldense, José Alves Cunha, e dirigiu a sua oficina nas Caldas entre 1890 e 1925, tendo produzido uma variedade enorme de peças utilitárias e decorativas.
Investiguei ainda este formato de garrafa e descobri ter tido alguma popularidade nas Caldas da Rainha na viragem do séc. XIX para o XX,  já que encontrei outros exemplares em sites de leilões, em amarelo como esta, mas também  em verde, produzidas por outros fabricantes, nomeadamente Bello e Herculano Elias.
Era a época em que Raphael Bordallo Pinheiro, ao inspirar-se nos trabalhos do ceramista francês Bernard Palissy (1510-1590) criou formas vegetais e animais de uma qualidade surpreendente, reconhecida dentro e fora de portas. Nas colecções de artes decorativas dos museus ingleses, os que conheço melhor no estrangeiro, as formas de arte que nos representam são, para além dos painéis de azulejos do séc. XVIII, os azulejos e peças naturalistas de Raphel Bordallo Pinheiro.
Para os apreciadores da cerâmica das Caldas desta época, recomendo uma visita ao Aliança Underground Museum, nas Caves Aliança em Sangalhos, no coração da Bairrada, onde, entre outras colecções reunidas por Joe Berardo, se pode admirar um extenso e magnífico conjunto de peças Bordallo Pinheiro, estilo Palissy e outras.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Chávenas de porcelana Derby

A cidade inglesa de Derby, capital do Derbyshire, mesmo ao lado do famoso e prolífico centro cerâmico de Staffordshire, viu nascer, ainda no séc. XVIII, uma indústria de porcelana  que dura até hoje. Foram três as unidades produtoras de porcelana nesta cidade, que se sucederam ao longo de três séculos, começando  na mítica Derby Porcelain (1748-1848) e terminando  na actual Royal Crown Derby.
Após o encerramento da primeira, dirigida por William Duesbury e seus descendentes, vários dos antigos operários fundaram uma pequena fábrica na mesma cidade, em King Street, onde continuaram a produção de porcelana seguindo os modelos da anterior, passando a chamar-se King Street Factory. A partir de 1862 alargaram as suas instalações e passaram a utilizar a marca mais famosa da primitiva fábrica - um D encimado por dois paus cruzados com pequenos pontos de cada lado, por sua vez encimados por uma coroa - mas acrescentaram-lhe as iniciais S e  H, de Stevenson e Hancock os dois sócios da altura. Mais tarde, apenas o segundo continuou à frente da fábrica, mas as iniciais mantiveram-se pelo início do séc. XX, correspondendo agora ao seu nome Sampson Hancock.
Entretanto, ainda no final do séc. XIX, é fundada em Derby uma outra fábrica que começou por utilizar o nome  Derby Crown Porcelain Co. e a partir de 1890 adoptou o nome que ainda usa actualmente, Royal Crown Derby.
Página do famoso livro de padrões da primitiva Derby, encontrada em http://www.artfund.org/artwork/7194/four-derby-porcelain-pattern-books

Os livros de padrões ou pattern books, muito utilizados pelas mais conceituadas fábricas de cerâmica inglesas, tendo cumprido a sua função à época, que era a de registar formas e desenhos e facilitar novas encomendas, são hoje auxiliares preciosos para identificar e datar exemplares sem marca. Acontece em muitas peças inglesas antigas terem como única marca o número de padrão, inteiro ou fraccionário, escrito à mão de forma mais ou menos cuidada, em dourado ou em várias cores, sobretudo vermelho. São esses pormenores de cada  número que ajudam a identificar e a datar a peça. Mas mesmo existindo a marca da fábrica, como é o caso das minhas chávenas, servem para datar muitos exemplares de fabricantes que mantiveram a mesma marca durante décadas. Estes livros encontram-se geralmente nos arquivos de cada unidade fabril, no caso das ainda existentes, ou em museus e colecções de cerâmica, felizmente abundantes em Inglaterra.


 
Par de taças e pires de chá comprado na Feira da Ladra. Ostenta a marca Derby anterior a 1800, de cor lilás (a puce mark, em inglês). Note-se que este padrão é o nº 238 da página acima reproduzida.



Chávena e pires de chá  comprados num antiquário em Coimbra. A chávena tem um formato muito usado em Inglaterra no séc. XVIII, início do XIX, o chamado bute shape. O padrão corresponde ao número 235 da página do pattern book acima reproduzida, mas como se trata de um formato diferente, foi-lhe atribuído outro número, o 248.



Chávena e pires de chá da fábrica de King Street, comprados na feira de Portobello Road em Londres. O formato aqui é o chamado London shape, largamente utilizado durante o séc. XIX.


Tacinha em forma de coração da Royal Crown Derby, pintada à mão como as anteriores, já do séc. XX. Foi comprada por um preço irrisório na feira de Algés.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Quadro de António Pimentel


Esta pintura a óleo sobre tela é a minha preferida cá em casa e vou deixá-la aqui convosco durante um período em que, não estando ausente, vou estar  impossibilitada de alimentar este blogue com regularidade. Adoro a beleza serena e triste desta mulher, e o jogo das cores, assim como o geometrismo das formas, conferem ao quadro um grande impacto visual. Mas não é só por isso que ele tem  um significado especial para mim.
Em primeiro lugar, o pintor António Pimentel, Tópi para os amigos,tem lugar assegurado entre os  pintores portugueses contemporâneos, embora esteja neste momento algo esquecido.
Foi co-fundador do Círculo de Artes Plásticas da Associação Académica de Coimbra - hoje CAPC, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, a comemorar 50 anos, que teve merecido destaque ontem, no  programa Câmara Clara -  mas a sua formação mais séria nas Belas Artes obteve-a em Paris, onde estudou e viveu nas décadas de 60 e 70. 
É natural de Condeixa-a-Nova, portanto  meu conterrâneo,  amigo de infância e juventude do meu pai, e com ele convivemos, embora esporadicamente, na última fase da vida,  porque  infelizmente já nos deixou há doze anos, quando contava apenas 63 anos. 
Comprámos este quadro à sua viúva, a também artista Colette Vilatte, a companheira que conheceu em Paris e o acompanhou no regresso a Portugal. Uma força da natureza, amiga sempre calorosa e jovial, a Colette também já se deixou morrer, prematuramente como o marido, por ter uma vida de tal  maneira assoberbada de trabalho que nem se permitiu o luxo de cuidar da saúde quando ficou mais debilitada e surgiu a doença. 
Também poderia falar da pintura da Colette, e talvez fale um dia, mas desta vez é de António Pimentel que se trata.

António Pimentel à saída do atelier no Bom Velho

Este meu, dele, quadro é de 1957, ano em que ele fez a sua primeira exposição individual na Galeria  "Primeiro de Janeiro" em Coimbra. Era ainda muito novo, 22 anos, e pintava sob a influência da corrente neo-realista, notando-se já aqui o geometrismo que caracterizaria o seu trabalho em fases posteriores. A Colette deixou-nos escolher esta tela, pela qual me encantei no atelier do Bom Velho, apesar de ser um trabalho marcante dos tempos de juventude do marido, que tinha permanecido na sua posse.
Depois do regresso a Portugal, vindo de Paris, trabalhou em Lisboa como publicitário e ilustrador. Só em 1985 resolveu dedicar-se de novo à pintura e regressou à terra natal onde montou casa e atelier, não na vila, mas nas aldeias próximas de Alcabideque - onde se localiza a mãe de água que abastecia Conímbriga - e de Bom Velho.
Realizou dezenas de exposições, individuais e colectivas, não só em Portugal, mas também no Brasil, França, Espanha, Bélgica, Inglaterra e Alemanha.
Entre os trabalhos de pintura  mais conhecidos de António Pimentel está a sua série dedicada ao rei D. Sebastião, que esteve exposta na Bélgica durante a Europália, em que surgem como elementos simbólicos elmos e guitarras - as 10.000 guitarras que, segundo a lenda, juncavam o chão por entre os despojos de Alcácer Quibir. Também muito conhecidos são a série de trabalhos dedicados a Soror Mariana Alcoforado e às "Lettres Portugaises", os meus preferidos, cheios de imaginação, sensualidade e beleza. Também tem um quadro magnífico com um cogumelo, que conheço dos catálogos, mas não sei em que afortunadas mãos ele se encontra.


A exposição "Organismos", fragmentos de peças mecânicas com azuis e vermelhos lindíssimos, foi a última que realizou, já consumido pelo cancro que o vitimou, e q visitámos com ele no Museu Municipal Santos Rocha da Figueira da Foz, em 1997, depois de ter tido destaque na Galerie Sanguine de La Rochelle, em França. 


terça-feira, 23 de novembro de 2010

Jarra de altar em faiança



Esta jarra de altar em faiança portuguesa, creio que de início do séc. XIX, foi comprada num antiquário na Figueira da Foz, a preço de saldo por lhe faltar um bocado na aba da abertura. Como não tinha aí qualquer decoração, mandei-a restaurar em Coimbra e fiquei muito satisfeita com o resultado. É certo que paguei pelo restauro o dobro do que dei pela jarra, mas mesmo assim não foi muito e valeu a pena porque adoro a peça.


O modelo desta jarra encontra-se muito em faiança de Miragaia, mas com motivos a azul e branco, de que se podem ver exemplares  na Igreja de S. Pedro de Miragaia, por exemplo. Já vi esta decoração em terrinas e é-lhes atribuído fabrico do Norte. No Museu Municipal de Viana do Castelo numa das vitrinas de loiça de Viana, há um jarro com um  motivo semelhante,  grinalda de flores e de pássaros nos mesmos tons, e se não estou em erro é fabrico de final do séc. XVIII.


Pode ser que alguém neste mundo virtual conheça o motivo e possa dar mais umas dicas sobre esta jarra de faiança, que só ficaria a ganhar se tivesse o par, mas enfim, não se pode pedir demais à vida...

Chávena do Museu de Alberto Sampaio datada dos Séc. XVIII-XIX


Par de jarras de fabrico atribuível a Miragaia ou a Santo António de Vale da Piedade
(MdS Leilões)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A primeira porcelana inglesa

Ao contrário da faiança inglesa, a porcelana inglesa é muito pouco conhecida em Portugal, e quando aparece, a mais antiga, sem marca, é muitas vezes confundida com a porcelana chinesa de exportação, geralmente por encomenda, vulgo "Companhia das Índias", porque muitas fábricas começaram por copiar os motivos e as formas dessa porcelana chinesa. Era esta a porcelana que tinha servido o mercado inglês, sobretudo aristocrático, até ao séc. XVIII, e tal como na Holanda, Londres contou com oficinas de decoração de porcelana chinesa, sendo a mais conhecida a de James Giles, um pintor de porcelana que mais tarde também trabalhou para a fábrica Worcester.
Taça e pires de chá Worcester, c. 1765, a imitar porcelana chinesa azul e branca
Como aconteceu noutros países da Europa - na Alemanha, em Itália e na França - também em Inglaterra, a meados do séc. XVIII, se iniciou o fabrico de porcelana. Aqui, no entanto, ao contrário dos outros países europeus, esse fabrico não contou com o entusiasmo e apoio material dos membros da alta nobreza e da casa real. Foram industriais empreendedores que fizeram a sua aposta neste novo ramo da indústria, alguns já ligados ao fabrico de faiança, mas contando com o apoio de técnicos e artistas vindos do continente europeu. Só que a necessidade de satisfazerem  um mercado alargado que abrangesse também a classe média, para salvaguarda dos seus investimentos, não lhes permitia darem-se ao luxo de apostarem apenas no máximo requinte e qualidade como aconteceu com Sévres, em França,  Meissen, na Alemanha ou Capodimonte, na Itália.

Prato  Chelsea c. 1760
No entanto, a primeira fábrica de porcelana inglesa fundada por dois franceses, em 1743, em Chelsea, destinou os seus produtos à aristocracia, seguindo primeiro modelos de Meissen e depois de Sévres. A porcelana de Chelsea que hoje é um nome mítico da porcelana inglesa, caracterizou-se por uma pasta branda - ao contrário da porcelana chinesa de pasta dura - muito branca e leitosa, usada no fabrico de figuras muito delicadas e serviços de mesa com decorações vegetalistas,  peças que hoje atingem valores consideráveis pela sua raridade e beleza. Na primeira fase as peças eram marcadas com um triângulo gravado, mas depois passaram a utilizar uma âncora, primeiro relevada na pasta, depois impressa a vermelho, dourado ou castanho.
Como eu gostaria de ter uma peça com uma destas âncoras! Nem que fosse um pires! Só que, para além da questão do preço, que não é de somenos  importância, graças ao prestígio alcançado pela porcelana de  Chelsea, a marca da âncora foi imitada por outras fábricas, dentro e fora da Inglaterra e continuaram a produzir-se falsificações ao longo do séc. XIX. Só bons conhecedores das características da pasta e de pormenores da marca, por exemplo a posição em que era colocada, conseguem garantir a autenticidade das peças.

Figurinha Chelsea c. 1755
Apostando assim na qualidade, sem apoios de poderosos, esta fábrica não conseguiu manter-se para além do ano de 1769, talvez também devido à doença de Nicholas Sprimont, um dos franceses que a fundou, originalmente prateiro de profissão. Nessa altura  foi adquirida por William Duesbury, dono da Fábrica de Porcelana de Derby, que  tinha sido fundada em 1748. Durante algum tempo a unidade de Chelsea continuou a funcionar sob o nome Chelsea-Derby mas acabou por ser desmantelada em 1784.
Embora a fábrica de Chelsea seja a mais antiga a produzir porcelana inglesa, outras se lhe seguiram ainda antes da de Derby - Limehouse, Bow, Vauxhall -   mas nunca atingiram a notoriedade da primeira. Já nos anos 50 do séc. XVIII iniciou a sua actividade a fábrica de porcelana Worcester, a única que se manteve em produção contínua até aos dias de hoje.
                                         
 Taças e pires de chá da fábrica Lowestoft c.1780-1790, a da esquerda a imitar família rosa e a da direita a imitar imari

Derby e Worcester, para além de Chelsea, são nomes a reter quando se fala de porcelana inglesa, mas para além destas, podem-se nomear mais umas três dezenas de fábricas que produziram  porcelana durante mais ou menos tempo, incluindo Wedgwood e Davenport que são sobretudo conhecidas pela manufactura de faiança.


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Santa Maria de La Antigua


Esta pintura a óleo, com uma bela moldura antiga, foi comprada há uns anos na feira de velharias de Águeda. Tinha a tela bastante engelhada e a moldura danificada e com faltas de dourado, que se via ter sido feito a folha de ouro. Tivemo-la assim em casa, sempre com a ideia de a mandar restaurar, pelo menos esticar a tela, mas foi-se adiando o projecto. Finalmente no ano passado, decidimos levá-la para as aulas de Museologia, Conservação e Restauro e foi lá que o meu marido lhe deu um jeito, com a ajuda do professor, Miguel Duque.
Primeiro foi limpa com cera de abelha , pulverizada a parte de trás com xilofene e colocada numa estufa de desinfestação durante mais de um mês. Depois tirou-se a tela da moldura e foi passada a ferro a vapor, pelo avesso, claro. A moldura levou massa nos cantos, foi pintada  no tom original, só o estritamente necessário, e foi-lhe aplicada folha de ouro nalguns frisos. Finalmente a tela foi colada em cartão pluma e recolocada na moldura. Por curiosidade, nas dobras da tela cobertas pela moldura há uns pequenos rostos de anjo, talvez ensaios que foram descartados ou então a tela era maior originalmente.
Sempre nos intrigou que Nossa Senhora seria aquela, com um botão de rosa na mão e o menino Jesus com um ar brincalhão, com um terço . Parecia-nos ter havido ali acrescentos ao original, nomeadamente o terço e uma forma esférica, que podia ser uma medalha, e à volta das mãos da santa parece ter havido retoques que as deformaram. O professor, muito entendido em arte sacra, descobriu, através de uma obra que descreve os santos e os seus atributos, que aquela  rosa, a rosa sem espinhos do paraíso terreal, é o atributo de Santa Maria de La Antigua. Disse-nos que era muito venerada na América do Sul e então decidi-me a pesquisar sobre ela.
Imagem da Catedral de Sevilha
 Este culto mariano terá sido introduzido em Espanha por monges cistercienses durante os séculos da reconquista. A pintura que se encontra em Sevilha, principal centro de culto em Espanha, é de estilo romano-bizantino e terá vindo de uma igreja visigótica,  incorporada numa mesquita durante o domínio árabe. Após a reconquista de Sevilha, no séc. XIII, ao construir-se a catedral no local da antiga mesquita e igreja, recuperou-se a pintura, que passou a ser muito venerada e passou a acompanhar o processo de reconquista de outras cidades, culminando com a conquista de Granada e a expulsão definitiva dos árabes da Península Ibérica.
Durante o séc. XVI, era esta a imagem mais venerada por marinheiros e navegantes, que saindo de Sevilha, a ela se encomendavam antes da partida para as terras longínquas dos novos mundos que iam descobrindo. O capelão da capela onde se encontrava a imagem na Catedral de  Sevilha fazia questão de dar cópias da imagem para acompanhar cada missão de descoberta e conquista. Assim este culto foi ganhando uma dimensão planetária, mas ficou sobretudo arreigado nos países do continente americano de língua castelhana. O próprio Cristóvão Colombo a ela se encomendou antes das sua viagens a caminho das "Índias" e deu mesmo o seu nome à primeira ilha das Caraíbas onde aportou  na sua segunda viagem (1493), a ilha Antigua.
Santa Maria de La Antigua, Padroeira do Panamá
A primeira cidade fundada pelos espanhóis em terra firme no continente americano, em 1514, foi Santa Maria de La Antigua del Darién. Hoje completamente desaparecida, situava-se num local que fica actualmente na região fronteiriça entre a Colômbia e o Panamá, palco das lutas entre as FARC e as forças governamentais colombianas.
Santa Maria de La Antigua é até hoje a Padroeira do Panamá. Fora da Espanha e das suas antigas colónias tem ou teve altares em Lisboa, em Roma e em Cracóvia.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Arte, livros... e cogumelos

 É tempo de cogumelos... e eu adoro cogumelos.
No Outono, 4 ou 5 dias depois das primeiras chuvadas, eis que começam a brotar por todo o lado, nos jardins, nos campos e nas florestas. Durante este mês de Novembro há notícias da realização por todo o país de encontros, congressos e sessões gastronómicas que têm por tema a micologia, mais propriamente os macrofungos, ou seja, os cogumelos.

Como eu, o Prémio Nobel da Literatura e também artista plástico Günter Grass gosta de cogumelos. Dedicou-lhes uma série de aguarelas e gravuras, e é dele esta litografia que aqui mostro. Comprei-a em Lubeque, no norte da Alemanha, onde residiu e há uma casa com o seu nome e também um galerista que o representa na cidade. Foi durante uma viagem que fiz com uma colega e um grupo de alunos para participarmos num MUNOL (Model United Nations Of Lübeck). Fazia parte das visitas para profs a ida à galeria e acabei por não resistir aos cogumelos e ainda trouxe uma serigrafia, também de Günter Grass, com uma vista costeira do sul de França nuns azuis magníficos.
Na sua obra auto-biográfica "Descascando a cebola" ele narra como se começou a interessar  pelas artes plásticas, ainda criança, como esse gosto foi interrompido pelo eclodir da guerra em 39, que obrigou a família a deslocar-se, como foi incorporado e participou na guerra, ainda muito novo, do lado das forças hitlerianas na qualidade de jovem alemão que era. Regressado à vida civil, foi-se nele desenvolvendo paralelamente o gosto pela escrita e o gosto pelas artes plásticas: escultura, desenho, gravura e aguarela.


Neste álbum, comprado na loja do Museu Grão Vasco, aparecem algumas aguarelas dos anos 50, mas são principalmente dos anos 90 até 2000. Há um grupo muito interessante com que ilustrou a obra "O meu século", 100 aguarelas e 100 histórias, uma para cada ano do séc. XX, em que combina magistralmente cor e texto. Há um outro grupo dedicado a Portugal, com paisagens do Algarve, onde tem uma casa e passa longas temporadas.
Voltando aos cogumelos, são várias as espécies retratadas, certamente reminiscências da infância na sua Danzig natal (agora Gdansk) onde os colhia nos campos, e da época de guerra em que o conhecimento de algumas espécies lhe valeu como meio de mitigar a fome nos campos e florestas alemães.


Boletos, 2000
Este é um dos meus interesses especiais, inevitavelmente sazonal, e chegado o Outono, todos os anos, lá ando eu a prescrutar o jardim diariamente à procura das espécies que, ano após ano, tenho vindo a manter e a fazer propagar à volta da casa.
 A técnica é muito simples: conhecendo o habitat ideal de algumas espécies comestíveis, nomeadamente as árvores com que fazem simbiose, fui espalhando por aqui alguns exemplares que apanhava noutros sítios e também as águas de os lavar, quando os consumia.
Mas este processo de atracção e consumo de cogumelos silvestres foi muito lento e rodeado das maiores cautelas. Venho duma família micófoba que por ter conhecido casos graves de mortes por ingestão de cogumelos, não permitia a entrada em casa de qualquer espécie que não fosse de cultura. Mas a verdade é que sempre exerceram sobre mim alguma atracção e em miúda lembro-me de comer deliciosos tortulhos (talvez o macrolepiota procera) em casa de pessoas amigas quando vivia na Beira Baixa.


Mistura de cogumelos, 2000

Já depois de casada, vivendo no campo, via-os todos os anos a brotar no jardim e no restante terreno e ao ler um artigo numa revista juvenil dos meus filhos sobre cogumelos, apercebi-me que algumas das espécies que lá estavam indicadas como comestíveis e descritas em pormenor, já eram minhas velhas conhecidas do jardim. Fui-me informando melhor, comprei livros bem ilustrados e fui perdendo o receio aos poucos. A minha maior preocupação era sempre saber o que é que distinguia cada espécie comestível de outras semelhantes que fossem tóxicas. Aprendi os nomes científicos e só comecei a consumir os exemplares  que sabia exactamente que nome e características tinham: formato e cor do chapéu, formato e cor das lâminas, (no caso dos cogumelos de lâminas que são os mais perigosos porque são de lâminas as espécies mortais, como os terríveis amanitas: amanita phalloides, amanita virosa, amanita pantherina e ainda o amanita muscaria, o bonito cogumelo mágico dos anõezinhos, alucinogéneo e  mortal se ingerido em grande quantidade) tamanho e grossura do pé, com ou sem anel e características do anel, formato da base, etc.

Agaricus campestris

Os que apareciam mais no jardim eram do género agaricus, isto é, da família dos cogumelos brancos que compramos nos supermercados como champignons. São fáceis de identificar por serem brancos no pé e no chapéu, mas terem lâminas de tom rosado enquanto jovens, que vão escurecendo até ficarem dum tom púrpura acastanhado ao envelhecerem.

Lactarius deliciosus

 Outra espécie que identifiquei com facilidade e que aparecia debaixo de um grande pinheiro manso foi o lactarius deliciosus, popularmente conhecidos por sanchas ou pinheiras. Têm um tom alaranjado às vezes avermelhado, uns mais do que outros, o chapéu apresenta círculos concêntricos das mesmas tonalidades, as lâminas e o pé, que é oco quando maduro, são da mesma cor. Deitam um líquido laranja avermelhado se espremidos e ficam esverdeados em zonas de corte, por oxidação, mas nada disto é tóxico.


Macrolepiota procera

 A terceira espécie que foi fácil de identificar  foi o macrolepiota procera, conhecido em todo o país por nomes muito diversos: peneiras, roques, púcaras, frades, gasalhos, marifusas, capões ou capoas são os que eu conheço. Quando o vi no campo pela primeira vez, não tive qualquer dúvida do que se tratava. É um cogumelo enorme, o chapéu aberto chega a ser do tamanho de um prato raso, e o pé é muito alto e fino. Tem um anel móvel, lâminas brancas e o pé e chapéu são em branco sujo com uns acastanhados, no caso do chapéu são escamas que se soltam.


Boletus edulis

Os boletos são dos mais apreciados e têm saído anualmente, sobretudo de Trás-os Montes, sem qualquer controle, toneladas deles que se destinam aos mercados e lojas gourmet das principais cidades europeias. Não têm lâminas, mas poros, uma espécie de esponja, por baixo do chapéu. O boletus edulis é um cogumelo volumoso, carnudo, muito macio e muito saboroso, mas raramente o encontro na minha zona, pois aparece sobretudo em carvalhais e soutos.
Agora já consigo identificar mais  duas ou três dezenas de espécies, comestíveis e não comestíveis,  e participei já  por várias vezes nos Congressos anuais da Associação Micológica "A Pantorra", sediada em  Mogadouro e noutros encontros micológicos por eles promovidos. Quando fui a primeira vez era  a única associação micológica que existia no país, mas hoje em dia, já cá há várias associações do género e o interesse por este tema parece ser crescente já que os cogumelos, um óptimo alimento,  podem acrescentar grande valor económico às nossas florestas.