segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Quadro de António Pimentel


Esta pintura a óleo sobre tela é a minha preferida cá em casa e vou deixá-la aqui convosco durante um período em que, não estando ausente, vou estar  impossibilitada de alimentar este blogue com regularidade. Adoro a beleza serena e triste desta mulher, e o jogo das cores, assim como o geometrismo das formas, conferem ao quadro um grande impacto visual. Mas não é só por isso que ele tem  um significado especial para mim.
Em primeiro lugar, o pintor António Pimentel, Tópi para os amigos,tem lugar assegurado entre os  pintores portugueses contemporâneos, embora esteja neste momento algo esquecido.
Foi co-fundador do Círculo de Artes Plásticas da Associação Académica de Coimbra - hoje CAPC, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, a comemorar 50 anos, que teve merecido destaque ontem, no  programa Câmara Clara -  mas a sua formação mais séria nas Belas Artes obteve-a em Paris, onde estudou e viveu nas décadas de 60 e 70. 
É natural de Condeixa-a-Nova, portanto  meu conterrâneo,  amigo de infância e juventude do meu pai, e com ele convivemos, embora esporadicamente, na última fase da vida,  porque  infelizmente já nos deixou há doze anos, quando contava apenas 63 anos. 
Comprámos este quadro à sua viúva, a também artista Colette Vilatte, a companheira que conheceu em Paris e o acompanhou no regresso a Portugal. Uma força da natureza, amiga sempre calorosa e jovial, a Colette também já se deixou morrer, prematuramente como o marido, por ter uma vida de tal  maneira assoberbada de trabalho que nem se permitiu o luxo de cuidar da saúde quando ficou mais debilitada e surgiu a doença. 
Também poderia falar da pintura da Colette, e talvez fale um dia, mas desta vez é de António Pimentel que se trata.

António Pimentel à saída do atelier no Bom Velho

Este meu, dele, quadro é de 1957, ano em que ele fez a sua primeira exposição individual na Galeria  "Primeiro de Janeiro" em Coimbra. Era ainda muito novo, 22 anos, e pintava sob a influência da corrente neo-realista, notando-se já aqui o geometrismo que caracterizaria o seu trabalho em fases posteriores. A Colette deixou-nos escolher esta tela, pela qual me encantei no atelier do Bom Velho, apesar de ser um trabalho marcante dos tempos de juventude do marido, que tinha permanecido na sua posse.
Depois do regresso a Portugal, vindo de Paris, trabalhou em Lisboa como publicitário e ilustrador. Só em 1985 resolveu dedicar-se de novo à pintura e regressou à terra natal onde montou casa e atelier, não na vila, mas nas aldeias próximas de Alcabideque - onde se localiza a mãe de água que abastecia Conímbriga - e de Bom Velho.
Realizou dezenas de exposições, individuais e colectivas, não só em Portugal, mas também no Brasil, França, Espanha, Bélgica, Inglaterra e Alemanha.
Entre os trabalhos de pintura  mais conhecidos de António Pimentel está a sua série dedicada ao rei D. Sebastião, que esteve exposta na Bélgica durante a Europália, em que surgem como elementos simbólicos elmos e guitarras - as 10.000 guitarras que, segundo a lenda, juncavam o chão por entre os despojos de Alcácer Quibir. Também muito conhecidos são a série de trabalhos dedicados a Soror Mariana Alcoforado e às "Lettres Portugaises", os meus preferidos, cheios de imaginação, sensualidade e beleza. Também tem um quadro magnífico com um cogumelo, que conheço dos catálogos, mas não sei em que afortunadas mãos ele se encontra.


A exposição "Organismos", fragmentos de peças mecânicas com azuis e vermelhos lindíssimos, foi a última que realizou, já consumido pelo cancro que o vitimou, e q visitámos com ele no Museu Municipal Santos Rocha da Figueira da Foz, em 1997, depois de ter tido destaque na Galerie Sanguine de La Rochelle, em França. 


terça-feira, 23 de novembro de 2010

Jarra de altar em faiança



Esta jarra de altar em faiança portuguesa, creio que de início do séc. XIX, foi comprada num antiquário na Figueira da Foz, a preço de saldo por lhe faltar um bocado na aba da abertura. Como não tinha aí qualquer decoração, mandei-a restaurar em Coimbra e fiquei muito satisfeita com o resultado. É certo que paguei pelo restauro o dobro do que dei pela jarra, mas mesmo assim não foi muito e valeu a pena porque adoro a peça.


O modelo desta jarra encontra-se muito em faiança de Miragaia, mas com motivos a azul e branco, de que se podem ver exemplares  na Igreja de S. Pedro de Miragaia, por exemplo. Já vi esta decoração em terrinas e é-lhes atribuído fabrico do Norte. No Museu Municipal de Viana do Castelo numa das vitrinas de loiça de Viana, há um jarro com um  motivo semelhante,  grinalda de flores e de pássaros nos mesmos tons, e se não estou em erro é fabrico de final do séc. XVIII.


Pode ser que alguém neste mundo virtual conheça o motivo e possa dar mais umas dicas sobre esta jarra de faiança, que só ficaria a ganhar se tivesse o par, mas enfim, não se pode pedir demais à vida...

Chávena do Museu de Alberto Sampaio datada dos Séc. XVIII-XIX


Par de jarras de fabrico atribuível a Miragaia ou a Santo António de Vale da Piedade
(MdS Leilões)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A primeira porcelana inglesa

Ao contrário da faiança inglesa, a porcelana inglesa é muito pouco conhecida em Portugal, e quando aparece, a mais antiga, sem marca, é muitas vezes confundida com a porcelana chinesa de exportação, geralmente por encomenda, vulgo "Companhia das Índias", porque muitas fábricas começaram por copiar os motivos e as formas dessa porcelana chinesa. Era esta a porcelana que tinha servido o mercado inglês, sobretudo aristocrático, até ao séc. XVIII, e tal como na Holanda, Londres contou com oficinas de decoração de porcelana chinesa, sendo a mais conhecida a de James Giles, um pintor de porcelana que mais tarde também trabalhou para a fábrica Worcester.
Taça e pires de chá Worcester, c. 1765, a imitar porcelana chinesa azul e branca
Como aconteceu noutros países da Europa - na Alemanha, em Itália e na França - também em Inglaterra, a meados do séc. XVIII, se iniciou o fabrico de porcelana. Aqui, no entanto, ao contrário dos outros países europeus, esse fabrico não contou com o entusiasmo e apoio material dos membros da alta nobreza e da casa real. Foram industriais empreendedores que fizeram a sua aposta neste novo ramo da indústria, alguns já ligados ao fabrico de faiança, mas contando com o apoio de técnicos e artistas vindos do continente europeu. Só que a necessidade de satisfazerem  um mercado alargado que abrangesse também a classe média, para salvaguarda dos seus investimentos, não lhes permitia darem-se ao luxo de apostarem apenas no máximo requinte e qualidade como aconteceu com Sévres, em França,  Meissen, na Alemanha ou Capodimonte, na Itália.

Prato  Chelsea c. 1760
No entanto, a primeira fábrica de porcelana inglesa fundada por dois franceses, em 1743, em Chelsea, destinou os seus produtos à aristocracia, seguindo primeiro modelos de Meissen e depois de Sévres. A porcelana de Chelsea que hoje é um nome mítico da porcelana inglesa, caracterizou-se por uma pasta branda - ao contrário da porcelana chinesa de pasta dura - muito branca e leitosa, usada no fabrico de figuras muito delicadas e serviços de mesa com decorações vegetalistas,  peças que hoje atingem valores consideráveis pela sua raridade e beleza. Na primeira fase as peças eram marcadas com um triângulo gravado, mas depois passaram a utilizar uma âncora, primeiro relevada na pasta, depois impressa a vermelho, dourado ou castanho.
Como eu gostaria de ter uma peça com uma destas âncoras! Nem que fosse um pires! Só que, para além da questão do preço, que não é de somenos  importância, graças ao prestígio alcançado pela porcelana de  Chelsea, a marca da âncora foi imitada por outras fábricas, dentro e fora da Inglaterra e continuaram a produzir-se falsificações ao longo do séc. XIX. Só bons conhecedores das características da pasta e de pormenores da marca, por exemplo a posição em que era colocada, conseguem garantir a autenticidade das peças.

Figurinha Chelsea c. 1755
Apostando assim na qualidade, sem apoios de poderosos, esta fábrica não conseguiu manter-se para além do ano de 1769, talvez também devido à doença de Nicholas Sprimont, um dos franceses que a fundou, originalmente prateiro de profissão. Nessa altura  foi adquirida por William Duesbury, dono da Fábrica de Porcelana de Derby, que  tinha sido fundada em 1748. Durante algum tempo a unidade de Chelsea continuou a funcionar sob o nome Chelsea-Derby mas acabou por ser desmantelada em 1784.
Embora a fábrica de Chelsea seja a mais antiga a produzir porcelana inglesa, outras se lhe seguiram ainda antes da de Derby - Limehouse, Bow, Vauxhall -   mas nunca atingiram a notoriedade da primeira. Já nos anos 50 do séc. XVIII iniciou a sua actividade a fábrica de porcelana Worcester, a única que se manteve em produção contínua até aos dias de hoje.
                                         
 Taças e pires de chá da fábrica Lowestoft c.1780-1790, a da esquerda a imitar família rosa e a da direita a imitar imari

Derby e Worcester, para além de Chelsea, são nomes a reter quando se fala de porcelana inglesa, mas para além destas, podem-se nomear mais umas três dezenas de fábricas que produziram  porcelana durante mais ou menos tempo, incluindo Wedgwood e Davenport que são sobretudo conhecidas pela manufactura de faiança.


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Santa Maria de La Antigua


Esta pintura a óleo, com uma bela moldura antiga, foi comprada há uns anos na feira de velharias de Águeda. Tinha a tela bastante engelhada e a moldura danificada e com faltas de dourado, que se via ter sido feito a folha de ouro. Tivemo-la assim em casa, sempre com a ideia de a mandar restaurar, pelo menos esticar a tela, mas foi-se adiando o projecto. Finalmente no ano passado, decidimos levá-la para as aulas de Museologia, Conservação e Restauro e foi lá que o meu marido lhe deu um jeito, com a ajuda do professor, Miguel Duque.
Primeiro foi limpa com cera de abelha , pulverizada a parte de trás com xilofene e colocada numa estufa de desinfestação durante mais de um mês. Depois tirou-se a tela da moldura e foi passada a ferro a vapor, pelo avesso, claro. A moldura levou massa nos cantos, foi pintada  no tom original, só o estritamente necessário, e foi-lhe aplicada folha de ouro nalguns frisos. Finalmente a tela foi colada em cartão pluma e recolocada na moldura. Por curiosidade, nas dobras da tela cobertas pela moldura há uns pequenos rostos de anjo, talvez ensaios que foram descartados ou então a tela era maior originalmente.
Sempre nos intrigou que Nossa Senhora seria aquela, com um botão de rosa na mão e o menino Jesus com um ar brincalhão, com um terço . Parecia-nos ter havido ali acrescentos ao original, nomeadamente o terço e uma forma esférica, que podia ser uma medalha, e à volta das mãos da santa parece ter havido retoques que as deformaram. O professor, muito entendido em arte sacra, descobriu, através de uma obra que descreve os santos e os seus atributos, que aquela  rosa, a rosa sem espinhos do paraíso terreal, é o atributo de Santa Maria de La Antigua. Disse-nos que era muito venerada na América do Sul e então decidi-me a pesquisar sobre ela.
Imagem da Catedral de Sevilha
 Este culto mariano terá sido introduzido em Espanha por monges cistercienses durante os séculos da reconquista. A pintura que se encontra em Sevilha, principal centro de culto em Espanha, é de estilo romano-bizantino e terá vindo de uma igreja visigótica,  incorporada numa mesquita durante o domínio árabe. Após a reconquista de Sevilha, no séc. XIII, ao construir-se a catedral no local da antiga mesquita e igreja, recuperou-se a pintura, que passou a ser muito venerada e passou a acompanhar o processo de reconquista de outras cidades, culminando com a conquista de Granada e a expulsão definitiva dos árabes da Península Ibérica.
Durante o séc. XVI, era esta a imagem mais venerada por marinheiros e navegantes, que saindo de Sevilha, a ela se encomendavam antes da partida para as terras longínquas dos novos mundos que iam descobrindo. O capelão da capela onde se encontrava a imagem na Catedral de  Sevilha fazia questão de dar cópias da imagem para acompanhar cada missão de descoberta e conquista. Assim este culto foi ganhando uma dimensão planetária, mas ficou sobretudo arreigado nos países do continente americano de língua castelhana. O próprio Cristóvão Colombo a ela se encomendou antes das sua viagens a caminho das "Índias" e deu mesmo o seu nome à primeira ilha das Caraíbas onde aportou  na sua segunda viagem (1493), a ilha Antigua.
Santa Maria de La Antigua, Padroeira do Panamá
A primeira cidade fundada pelos espanhóis em terra firme no continente americano, em 1514, foi Santa Maria de La Antigua del Darién. Hoje completamente desaparecida, situava-se num local que fica actualmente na região fronteiriça entre a Colômbia e o Panamá, palco das lutas entre as FARC e as forças governamentais colombianas.
Santa Maria de La Antigua é até hoje a Padroeira do Panamá. Fora da Espanha e das suas antigas colónias tem ou teve altares em Lisboa, em Roma e em Cracóvia.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Arte, livros... e cogumelos

 É tempo de cogumelos... e eu adoro cogumelos.
No Outono, 4 ou 5 dias depois das primeiras chuvadas, eis que começam a brotar por todo o lado, nos jardins, nos campos e nas florestas. Durante este mês de Novembro há notícias da realização por todo o país de encontros, congressos e sessões gastronómicas que têm por tema a micologia, mais propriamente os macrofungos, ou seja, os cogumelos.

Como eu, o Prémio Nobel da Literatura e também artista plástico Günter Grass gosta de cogumelos. Dedicou-lhes uma série de aguarelas e gravuras, e é dele esta litografia que aqui mostro. Comprei-a em Lubeque, no norte da Alemanha, onde residiu e há uma casa com o seu nome e também um galerista que o representa na cidade. Foi durante uma viagem que fiz com uma colega e um grupo de alunos para participarmos num MUNOL (Model United Nations Of Lübeck). Fazia parte das visitas para profs a ida à galeria e acabei por não resistir aos cogumelos e ainda trouxe uma serigrafia, também de Günter Grass, com uma vista costeira do sul de França nuns azuis magníficos.
Na sua obra auto-biográfica "Descascando a cebola" ele narra como se começou a interessar  pelas artes plásticas, ainda criança, como esse gosto foi interrompido pelo eclodir da guerra em 39, que obrigou a família a deslocar-se, como foi incorporado e participou na guerra, ainda muito novo, do lado das forças hitlerianas na qualidade de jovem alemão que era. Regressado à vida civil, foi-se nele desenvolvendo paralelamente o gosto pela escrita e o gosto pelas artes plásticas: escultura, desenho, gravura e aguarela.


Neste álbum, comprado na loja do Museu Grão Vasco, aparecem algumas aguarelas dos anos 50, mas são principalmente dos anos 90 até 2000. Há um grupo muito interessante com que ilustrou a obra "O meu século", 100 aguarelas e 100 histórias, uma para cada ano do séc. XX, em que combina magistralmente cor e texto. Há um outro grupo dedicado a Portugal, com paisagens do Algarve, onde tem uma casa e passa longas temporadas.
Voltando aos cogumelos, são várias as espécies retratadas, certamente reminiscências da infância na sua Danzig natal (agora Gdansk) onde os colhia nos campos, e da época de guerra em que o conhecimento de algumas espécies lhe valeu como meio de mitigar a fome nos campos e florestas alemães.


Boletos, 2000
Este é um dos meus interesses especiais, inevitavelmente sazonal, e chegado o Outono, todos os anos, lá ando eu a prescrutar o jardim diariamente à procura das espécies que, ano após ano, tenho vindo a manter e a fazer propagar à volta da casa.
 A técnica é muito simples: conhecendo o habitat ideal de algumas espécies comestíveis, nomeadamente as árvores com que fazem simbiose, fui espalhando por aqui alguns exemplares que apanhava noutros sítios e também as águas de os lavar, quando os consumia.
Mas este processo de atracção e consumo de cogumelos silvestres foi muito lento e rodeado das maiores cautelas. Venho duma família micófoba que por ter conhecido casos graves de mortes por ingestão de cogumelos, não permitia a entrada em casa de qualquer espécie que não fosse de cultura. Mas a verdade é que sempre exerceram sobre mim alguma atracção e em miúda lembro-me de comer deliciosos tortulhos (talvez o macrolepiota procera) em casa de pessoas amigas quando vivia na Beira Baixa.


Mistura de cogumelos, 2000

Já depois de casada, vivendo no campo, via-os todos os anos a brotar no jardim e no restante terreno e ao ler um artigo numa revista juvenil dos meus filhos sobre cogumelos, apercebi-me que algumas das espécies que lá estavam indicadas como comestíveis e descritas em pormenor, já eram minhas velhas conhecidas do jardim. Fui-me informando melhor, comprei livros bem ilustrados e fui perdendo o receio aos poucos. A minha maior preocupação era sempre saber o que é que distinguia cada espécie comestível de outras semelhantes que fossem tóxicas. Aprendi os nomes científicos e só comecei a consumir os exemplares  que sabia exactamente que nome e características tinham: formato e cor do chapéu, formato e cor das lâminas, (no caso dos cogumelos de lâminas que são os mais perigosos porque são de lâminas as espécies mortais, como os terríveis amanitas: amanita phalloides, amanita virosa, amanita pantherina e ainda o amanita muscaria, o bonito cogumelo mágico dos anõezinhos, alucinogéneo e  mortal se ingerido em grande quantidade) tamanho e grossura do pé, com ou sem anel e características do anel, formato da base, etc.

Agaricus campestris

Os que apareciam mais no jardim eram do género agaricus, isto é, da família dos cogumelos brancos que compramos nos supermercados como champignons. São fáceis de identificar por serem brancos no pé e no chapéu, mas terem lâminas de tom rosado enquanto jovens, que vão escurecendo até ficarem dum tom púrpura acastanhado ao envelhecerem.

Lactarius deliciosus

 Outra espécie que identifiquei com facilidade e que aparecia debaixo de um grande pinheiro manso foi o lactarius deliciosus, popularmente conhecidos por sanchas ou pinheiras. Têm um tom alaranjado às vezes avermelhado, uns mais do que outros, o chapéu apresenta círculos concêntricos das mesmas tonalidades, as lâminas e o pé, que é oco quando maduro, são da mesma cor. Deitam um líquido laranja avermelhado se espremidos e ficam esverdeados em zonas de corte, por oxidação, mas nada disto é tóxico.


Macrolepiota procera

 A terceira espécie que foi fácil de identificar  foi o macrolepiota procera, conhecido em todo o país por nomes muito diversos: peneiras, roques, púcaras, frades, gasalhos, marifusas, capões ou capoas são os que eu conheço. Quando o vi no campo pela primeira vez, não tive qualquer dúvida do que se tratava. É um cogumelo enorme, o chapéu aberto chega a ser do tamanho de um prato raso, e o pé é muito alto e fino. Tem um anel móvel, lâminas brancas e o pé e chapéu são em branco sujo com uns acastanhados, no caso do chapéu são escamas que se soltam.


Boletus edulis

Os boletos são dos mais apreciados e têm saído anualmente, sobretudo de Trás-os Montes, sem qualquer controle, toneladas deles que se destinam aos mercados e lojas gourmet das principais cidades europeias. Não têm lâminas, mas poros, uma espécie de esponja, por baixo do chapéu. O boletus edulis é um cogumelo volumoso, carnudo, muito macio e muito saboroso, mas raramente o encontro na minha zona, pois aparece sobretudo em carvalhais e soutos.
Agora já consigo identificar mais  duas ou três dezenas de espécies, comestíveis e não comestíveis,  e participei já  por várias vezes nos Congressos anuais da Associação Micológica "A Pantorra", sediada em  Mogadouro e noutros encontros micológicos por eles promovidos. Quando fui a primeira vez era  a única associação micológica que existia no país, mas hoje em dia, já cá há várias associações do género e o interesse por este tema parece ser crescente já que os cogumelos, um óptimo alimento,  podem acrescentar grande valor económico às nossas florestas.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Pratos de Staffordshire da "Shipping Series"


A "Shipping series", que se pode traduzir por série das embarcações, é um padrão decorativo usado em Staffordshire, na Inglaterra, entre 1810 e 1830, a avaliar pelas datas atribuídas aos pratos e travessas desta série que aparecem em leilões online.
O que caracteriza este motivo de faiança inglesa azul e branca, referida como pearlware, sem marca, é a existência de uma reserva ao centro, com embarcações, geralmente num mar revolto sob um céu carregado, e de uma aba com flores, conchas e plantas marinhas, sugerindo paragens tropicais.
Estes pratos são denominados "Fragata I", o prato raso, e "Fragata II", o prato de sobremesa. Nunca vi nenhum de sopa, que teria certamente uma embarcação diferente destas, mas mostro aqui uma travessa com uma bela cena de batalha naval, denominada "Batalha nocturna entre Blanche e La Pique", segundo uma gravura de 1797, que encontrei na internet.


Representa as fragatas Blanche, inglesa e La Pique, francesa, ao largo de Guadalupe no Mar das Caraíbas, durante os confrontos que opuseram os dois países no final do séc. XVIII, na sequência da independência americana, apoiada pelos franceses.
Há travessas com outras cenas, pelo menos três, a que eu já vi referência: "Cena Portuária" (I e II) e "Batalha Naval Diurna"
Por ilustrarem factos históricos, estas peças integram-se numa categoria de  faiança inglesa azul e branca denominada "Historical Staffordshire" que mostra factos e figuras da história inglesa e americana. Lembram-me as magníficas tempestades no mar do pintor inglês William Turner (1775-1851) com obra contemporânea destes pratos e travessas.
Os pratos que comprei, um na feira de Espinho por 45€ e o outro, com esbeiçadelas que já disfarcei, na Vandoma por 3€, em média 24 € cada, não foram nada caros,  mas as travessas atingem preços elevadíssimos, sobretudo as que têm  cenas mais raras. Uma "Harbour Scene II", que se mostra em baixo, foi vendida num leilão da Bonhams por 1.920 libras.

                   

Já depois de ter terminado este post, encontrei num catálogo online um jarro com a mesma decoração, o que achei muito curioso porque nunca tinha visto qualquer peça para além de pratos e travessas. Haverá certamente também terrinas , molheiras e outros formatos de peças, mas estarão com certeza guardadas para deleite particular de coleccionadores ingleses e americanos, sobretudo.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Azulejos da Fábrica de Santo António de Vale da Piedade em Miragaia



Esta é a Igreja de S. Pedro de Miragaia, no Porto, cujo actual edifício resulta de obras no séc. XVII e XVIII, no local onde existiram  templos anteriores, medievais.
Tal como aconteceu com a maioria das igrejas do Porto, no séc. XIX foi revestida a azulejos, por sinal um valioso acrescento porque se trata de belíssimos azulejos emblemáticos da Fábrica de Santo António de Vale da Piedade, em Gaia,  não da Fábrica de Miragaia que se situava numa encosta sobranceira à  igreja, mas já tinha fechado à época da colocação dos azulejos (1863- 1876) 
O interior da igreja e o museu são dignos de visita, não só pela talha dourada e pelas obras de arte sacra, incluindo um valioso tríptico flamengo do séc. XVI, mas também, para os apreciadores de faiança, pelas jarras de altar e outros objectos de faiança de Miragaia que se podem ali admirar.
No sábado passado, ao fotografar de perto os azulejos da fachada, sobretudo para mostrar os motivos religiosos - mitra e chaves de S.Pedro num desenho, cruz e cálice da eucaristia noutro - para além dos belos florões a formar o padrão, reparei que o motivo da cercadura me era familiar.


Lembrei-me então de um de dois azulejos que encontrei junto à minha sebe à beira da estrada, no meio de entulho que não sei de onde veio, e que guardei com os outros azulejos. Achei-os muito bonitos, com uns azuis magníficos, e certamente com mais de cem anos, mas não fazia a mais pequena ideia do seu local de fabrico.
Não têm qualquer marca de fábrica no tardoz, que é num quadriculado largo, como se vê na foto em baixo.
O motivo mais conhecido dos azulejos de Miragaia, de meados do séc. XIX, de que esteve exposto um painel na exposição "FÁBRICA DE LOUÇA DE MIRAGAIA", patente no Museu Nacional de Soares dos Reis e no Museu Nacional do Azulejo há cerca de ano e meio,  foi usado por mais duas fábricas da zona do Porto. A Fábrica do Carvalhinho foi uma delas - a outra terá sido Massarelos -  e é dessa fábrica o painel de azulejos que mostro em baixo, todos marcados FC.

Da Fábrica da Torrinha tenho um friso azul e branco que também acho muito bonito, com os azulejos todos marcados.

Voltando a Miragaia , na rua ao lado da Igreja de S. Pedro, ainda podemos ver um belo painel de azulejos de figura avulsa, aplicado numa parede e com moldura de granito, de que não consegui saber o fabrico.
Há uma curiosidade muito interessante relacionada com esta zona de Miragaia e a igreja de S. Pedro.
Situa-se ali uma rua comprida e estreita, paralela ao rio, que tem o nome de Rua Arménia e vai dar ao largo da igreja.
Ora, segundo a lenda, isso deve-se à instalação nessa zona de um grupo de arménios fugidos de Constatinopla aquando da invasão dos turcos em 1453, e que transportaram consigo o corpo do mártir S. Pantaleão. As relíquias foram depositadas na Igreja de S. Pedro e aí permaneceram até que um Bispo do Porto as trasladou para a Sé. Na igreja de Miragaia ficou apenas o fragmento de um braço dentro de um relicário de prata que ainda lá se pode ver.
Este S. Pantaleão, iconograficamente parecido com S. Sebastião, só que com os dois braços levantados e atados durante o suplício, foi padroeiro do Porto até ser destronado por S. João já no séc. XIX.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Reabilitação de uma Pietá em madeira policromada


Esta escultura da Pietá, nome com que vulgarmente se designam representações de Nossa Senhora da Piedade e de Nossa Senhora das Dores, foi comprada em muito mau estado na feira de velharias de Aveiro. Para além de lhe faltarem as mãos do Cristo e ter faltas de policromia, como ainda se vê, estava muito suja e baça, tinha orifícios causados por xilófagos e rachas na madeira.
Quando a trouxemos para casa, o meu marido e eu começámos por a limpar toda com cera de abelha e depois foi pulverizada com xilofene e metida numa estufa de desinfestação - um saco de plástico a que se retira o ar, matando os xilófagos por ausência de oxigénio - durante várias semanas. Depois de desinfestada, tapámos-lhe os orifícios maiores e as rachas com uma massa de madeira e finalmente levou um fixador, para a madeira carcomida não se esboroar mais, e o acabamento a cera de abelha. Aprendemos este processo numas aulas de Museologia Conservação e Restauro que frequentámos no ano passado na Curia, dadas pelo professor Miguel Duque.
Acho que lhe demos um restauro museológico, que visou sobretudo conservar a peça, evitando que o processo de degradação continuasse.

Tenho pena de não ter conhecimentos de História de Arte que me permitam datar esta escultura. Poderá ser do séc. XVIII, considerando a grande expressividade nos rostos, quer da Virgem Maria, quer de Jesus Cristo e o ondulado dos cabelos dele. Mas não tem o movimento das vestes tão típico do Barroco setecentista. Também poderá ser uma peça de arte popular e não reflectir com tanta evidência as tendências artísticas da sua época, mas revela sem dúvida uma grande mestria na arte de esculpir em madeira.


O termo Pietá - que significa piedade em italiano, do latim pietas, pietatis - para designar a figura da Virgem Maria segurando o filho morto nos braços, vulgarizou-se na Europa devido à  magnífica escultura em mármore de Miguel Ângelo, do final do séc. XV,  que se pode ver na Basílica de S. Pedro no Vaticano. No entanto, as primeiras representações deste momento da morte de Jesus Cristo e do sofrimento da sua mãe recuam à Alemanha do séc. XIII onde estas imagens eram designadas por Vesperbild. Passaram então a ter um lugar equiparado ao da crucificação, na devoção dos fiéis.
Pessoalmente, e não tendo nada a ver com questões de devoção, em termos de tema de arte sacra, prefiro estas imagens do amor e conforto que uma mãe, no meio duma dor extrema, procura ainda dar ao filho morto, do que as da crucificação, que representam o sofrimento atroz de um homem, completamente só e desamparado, à mercê da maldade mais desumana dos seus semelhantes.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Pratos de faiança com motivos florais

Um bom tema para iniciar o mês de Novembro. Já que as flores estão a acabar nos jardins, temos de nos rodear de flores de outra natureza.
Estes pratos grandes, tipo palangana, serão todos do final do séc. XIX, princípio do séc. XX.
Para além dos diferentes motivos centrais, acho muito interessante a variedade de cercaduras  inventadas pelos artistas populares que criaram as decorações destes pratos. É raro encontrarem-se duas iguais e é essa  grande originalidade, o carácter único de cada prato, que lhes dá sedução, para além da beleza da composição, simples e ingénua, quase infantil.

Este foi o primeiro prato grande de faiança que comprei, já lá vão uns doze anos. Foi  num antiquário da Mealhada, o Sr. Américo, que me fazia uns descontos no tempo em que as antiguidades estavam muito inflaccionadas, mas este prato, considerando que está gateado atrás, não foi nada barato. Atraiu-me nele sobretudo o grande vaso ou cesto de flores, a lembrar-me o cesto de flores do brasão da vila de Condeixa. Não sei se é de fabrico coimbrão ou se é fabrico do Norte, mas o tom de amarelo vivo  lembra Fervença ou Bandeira.

Este é talvez o meu prato de flores preferido. Os tons fortes, sobretudo o cor de laranja,  também lembram fabrico de Vila Nova de Gaia, Fervença ou Bandeira, mas vá-se lá saber ao certo. Foi comprado num antiquário de Aguiar da Beira, junto à estrada para Viseu. Parecia impecável quando o comprei mas a verdade é que passado algum tempo notei-lhe um cabelo. Não sei se estalou com  alguma diferença de temperatura durante a viagem ou já em casa.

Este outro está impecável mas tem uma decoração singela  numa pasta amarelada, diferente de todos os outros, certamente pelo tipo de vidrado que foi utilizado. Foi comprado no mesmo antiquário do anterior, numa outra ida à Beira Alta.

Mais um prato com tons pouco vistosos mas em excelente estado de conservação. Foi comprado num antiquário de Lamego, durante um fim de semana que lá passámos e eu quis trazer um "recuerdo". Este já é mais do tipo que eu associo a Coimbra, princípio do séc. XX.

A típica decoração de flores de Coimbra, pelo menos tanto quanto eu consigo identificar. É o exemplar de maior diâmetro (38cm) e é muito raso, ao contrário de todos os outros. Foi comprado numa ida para a Figueira da Foz num antiquário perto da Tocha, o Sr. Lucas e a simpática sobrinha Marisa, agora já formada em Direito, mas ainda uma entusiástica vendedora de velharias. Acho-o muito parecido com vários pratos da Maria Isabel, do blogue "Lérias e Velharias".

Finalmente este grande prato, embora sem marca, tem as flores, as folhas em pluma e o azul cobalto característicos da Fábrica do Cavaco - Gaia. Comprado pelo meu marido na feira de Coimbra, num dia em que resolveu alargar os cordões à bolsa... A figura que apresenta no centro parece-me de lavrador em traje domingueiro, só que não consigo identificar o objecto que leva pendurado na mão esquerda. Será um relógio de bolso? Mas porquê naquela posição? Outra coisa que me intriga é o tom vermelhusco que lhe puseram na cara, mas não na mão se a intenção fosse ser esse o tom de pele. Será que quiseram representar um bêbedo? É certo que ao Domingo os homens nas aldeias costumavam ir para casa com um grãozito na asa...
Aceitam-se palpites...