quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Dois presépios e um poema

Em época de Natal e renovando os votos de Boas Festas a todos que me visitam, deixo esta mensagem que estava para ser publicada no dia 24 de Dezembro...
Quero aqui partilhar dois presépios:
O primeiro por ser um tesouro artístico do Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, que ali encontrei há dias em exposição (embora, estranhamente,  sem a cruz e sem os pináculos da maquineta).

Presépio e maquineta do MNMC, Lisboa, século XVIII
O segundo por ser um tesouro de momentos de ternura, com memórias familiares que se vão perpetuando...

O presépio do Gabriel - Natal de 2013


E um poema de Natal de que gosto particularmente:

Natal
Leio o teu nome
Na página da noite:
Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.

Miguel Torga



sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Os últimos cogumelos deste Outono


Cogumelos de choupo no Parque da Curia

Com o Outono mesmo a chegar ao fim, ainda este ano aqui não tinha falado de cogumelos silvestres, os deliciosos frutos desta época, com que a caprichosa natureza nos vai brindando todos os anos.
A verdade é que só no mês de Outubro consegui fazer uma recolha significativa, ao cumprir-se, mais uma vez, a regra empiricamente conhecida: cinco dias após fortes chuvadas logo começaram a romper os botõezinhos que se desenvolvem nos saborosos macrofungos silvestres.



O cogumelo de choupo, o Agrocybe aegirita,  que se vê nas fotos acima,  não se faz rogado e logo brota em tufos, nos troncos e raizes superficiais dos choupos mais velhos.
Mas também dos primeiros a aparecer são os da espécie Agaricus, como o Agaricus campestris, branquinho e de lâminas rosadas, parente muito próximo do champignon de Paris. O que se vê na foto seguinte é da família, mas um Agaricus augustus ainda jovem, vindo a ficar do tamanho dos Portobello ou ainda maior. Já apresenta as caraterísticas escamas acastanhadas que o podem identificar entre outros agaricos.
Entretanto, até ao início de Novembro, ainda apanhei mais uma ou outra espécie, mas a partir daí, com o tempo seco que se fez sentir, não voltei a apanhar cogumelos, nem sequer os Lactarius deliciosus ou sanchas que costumam aparecer em abundância.

Um solitário Agaricus augustus

A novidade que quero aqui trazer este ano, os últimos cogumelos deste Outono, são os famosos míscaros amarelos, o nome popular dado aqui na zona centro ao Tricholoma equestre. É a espécie mais procurada nos pinhais de areia das zonas mais à beira-mar, há  famílias que se deslocam regularmente ao fim de semana para a apanha e encontra-se à venda nos mercados das pequenas cidades, assim como em lojas da Baixinha em Coimbra.


Tricholoma equestris com a areia dos pinhais

Embora cá em casa sejam muito apreciados, não faço questão de os ir apanhar ou mesmo comprar porque, como já aqui disse noutro poste sobre cogumelos, estão sob suspeita de provocarem efeitos nocivos no organismo a longo prazo, havendo países onde está proibida a apanha. Já tenho dito isto a muita gente, mas o consumo está aqui tão enraizado que ninguém me dá ouvidos. Temos sempre quem nos ofereça uns bons exemplares e não os rejeitamos, uma refeição ou duas por ano não deve fazer grande mal, mas há pessoas que os consomem nesta época com alguma regularidade e ainda os congelam para todo o ano...
Este ano, um casal conhecido que é entusiasta na apanha, reservando até uns dias de férias para esta altura, sabendo do nosso gosto, presenteou-nos com uma generosa quantidade destes míscaros, que fotografei antes de arranjados, mas foram a seguir fazer companhia a pequenos nacos de carne na preparação de um delicioso arroz de míscaros.


Já agora, devia também ter fotografado o resultado gastronómico final, mas isso, sinceramente, é que já não me ocorreu...  ; )

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

De novo o "onion pattern" para um chá de Natal - The "onion pattern" again for a Christmas tea




Para este chá de Natal, a que não podia faltar um Menino Jesus em palhinhas deitado, trouxe o clássico Zwiebelmuster ou blue onion, a que a Vista Alegre chamou Margão, mas  desta vez em versões de duas outras marcas de porcelana portuguesa: a Artibus e a SPAL.


Quis partilhar aqui porcelana marcada da Artibus porque já por várias vezes me têm questionado sobre este fabrico, cuja marca é por vezes confundida com a da Vista Alegre. Sendo ou não intencional, efetivamente no carimbo da Artibus há um prolongamento do A à esquerda que bem pode sugerir o V de VA e torna a marca algo semelhante à que foi usada pela Vista Alegre entre 1947 e 1968, ou seja, a marca nº32. 


A Fábrica de Loiça Artibus foi uma empresa de porcelana, com sede em Aveiro, que laborou apenas cerca de 40 anos, desde finais dos anos 40 até final dos anos 80 do século XX.
Não só a qualidade da porcelana, mas também os modelos e decorações da Artibus andaram sempre muito próximos da produção Vista Alegre, o que não é de estranhar, tratando-se de uma empresa fundada por antigos trabalhadores da centenária fábrica de Ílhavo.



Quanto à SPAL - a Sociedade de Porcelanas de Alcobaça - sendo uma empresa fundada em 1965, ainda hoje em plena  atividade e que tem apostado seriamente no design e inovação, não deixou de se inspirar em padrões tradicionais para a sua produção, como é esta versão do "motivo cebola" sobre porcelana relevada.


É sem dúvida uma decoração muito apreciada, das mais difundidas e historicamente mais relevantes no percurso da porcelana europeia, como já procurei mostrar no primeiro poste que dediquei ao Zwiebelmuster e que é curiosamente um dos mais visitados de sempre aqui no blogue.



Para participar neste  chá de Natal com as anfitriãs de
 fiz acompanhar as minhas chávenas de porcelana de uma delicado Menino Jesus, que já mostrei nas primeiras fotos e que foi a primeira oferta natalícia que recebi este ano...  de uma amiga, claro.


É com esta amorosa figurinha, primorosamente instalada num berço de casca exótica, entre palhinhas e organza, que venho desde já desejar a todos uma tranquila época de Natal.






terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Travessas antigas da Vista Alegre



Há motivos florais da Vista Alegre que foram sendo repetidos, não só nos mesmos modelos de serviços, mas também em serviços e peças diferentes, ao longo dos vários períodos de fabrico.
Daí resulta que muitas peças Vista Alegre são imediatamente identificadas, mesmo antes de as virarmos para ver a marca.


No caso desta travessa, começa por ser o modelo - formato, recortes e relevos -  a denunciar o fabrico. Tanto quanto eu sei, a Vista Alegre começou a usá-lo no final do século XIX e manteve-o nos serviços de jantar até há cerca de duas décadas. Quanto à decoração, aqueles tons de rosa e verde nos dois delicados raminhos também não enganam ninguém.



Não será este, no entanto, o motivo floral em rosas e verdes mais comum na porcelana Vista Alegre antiga. Antes, o que aparece em peças de serviço de chá modelo Garibaldi que aqui mostrei há pouco mais de um mês e que também decora uma linda travessa que, na sequência desse poste, foi partilhada pelo Arpose.


Quanto à outra travessa, pelo contrário, apresenta um modelo e um motivo floral que não deve ser comum, pois nunca o vi em mais nenhuma peça.


É uma decoração notoriamente de influência Arte Nova, com ramos de papoilas cheios de movimento em suaves tons pastel, complementados por filamentos ondulantes, sobre uma porcelana relevada e com ténues recortes na orla.


 As duas travessas apresentam marcas do mesmo período, 1881-1921, segundo a tabela de marcas da Vista Alegre, respetivamente  a marca nº 28, a punção, e a marca nº 22, a carimbo verde.



A segunda travessa foi ainda marcada com o nome de um estabelecimento comercial já nosso conhecido, a Casa Buisson, no Porto, como se pode ver na foto que se segue.


São peças que transportam memórias de infâncias longínquas, casas de avós, arroz doce branquinho e muito apuradinho, pintado a canela...
As duas estavam muito bem arrumadas no fundo de um armário, já não as via há algum tempo, mas como tenho andado em fase de mudanças parciais, a esvaziar armários para os mudar de sítio e ao respetivo conteúdo, ao passarem-me pelas mãos, pensei logo que mereciam ser as vedetas de um próximo poste... :)

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Livrinhos de orações - As "Horas Marianas"



Não tendo a motivação religiosa a atrair-me para os livrinhos de orações, é sempre muito mais a forma do que o conteúdo o que neles me desperta interesse. Mas se considerarmos como conteúdo todas as ilustrações, as estampas e vinhetas que ilustram o texto, então essa parte do conteúdo exerce realmente sobre mim uma grande atração!
É a arte do livro, presente desde logo no tipo de encadernação, com ou sem ornatos a ouro, e todo o trabalho de ilustração, geralmente em gravuras a preto e branco, mas por vezes com magníficos desenhos a cores.
Estes dois volumes são de Horas Marianas, exemplares do século XIX destinados a um público vasto de crentes católicos, muitas vezes de modestas posses. 


 Em muitas casas humildes, mas com pais alfabetizados, era este o único livro disponível - a par da Imitação de Cristo ou da Bíblia para a Infância -  para ensinar as primeiras letras ou números aos mais pequenitos. Guardo comigo uma Bíblia para a Infância, que já veio da casa de bisavós meus, e nela encontrei muitos números de páginas repetidos a lápis e também algumas letras desenhadas com mão insegura...
Isso vi confirmado nas palavras de Mariquitas, uma  menina aldeã quase analfabeta do romance Mil e um Mistérios (1845) de Castilho: "Meu pai ensinou-me a ler um poucochinho nas Horas Marianas que temos lá em casa; mas letra de sentença nunca me calhou...." (cap. VIII, p.58)



Nestes livrinhos, se tivermos a sorte de os encontrar intactos ou quase, podem estar reunidas gravuras de maior ou menor qualidade e em maior ou menor quantidade, o que é sempre para mim um bónus muito apreciado.
Vou falar de um dos exemplares, datado de 1852, que obviamente me chamou a atenção em primeiro lugar pela encadernação. com profusão de motivos dourados resultantes da aplicação de ferros quentes. Sei, por experiência própria, como é difícil acertar as letras e motivos, sobretudo se repetidos à volta da capa, sendo um trabalho especializado a exigir perícia e mão firme. Também os cortes foram dourados, como era prática comum em livros religiosos.


As Horas Marianas, neste caso Novíssimas como se lê no título, a sugerir sucessivas edições, penso radicarem na tradição dos Livros de Horas medievais, manuscritos maravilhosamente iluminados, verdadeiras obras de arte que só podemos admirar nos acervos das grandes bibliotecas.
Aqui somos brindados logo no início, ainda antes da página de rosto, com uma estampa de página inteira representando Cristo, preso e supliciado, com o manto, a vara e a coroa de espinhos, numa das cenas que antecedem a Via Sacra.


É a imagem conhecida popularmente por Senhor da Cana Verde, muito venerado em vilas e aldeias sobretudo do Norte do país, mas também referenciada pela designação mais erudita de Ecce Homo.
Na margem inferior pode ler-se Rouargue sc, sendo Rouargue o apelido de dois irmãos artistas, Emile Rouargue (1795-1865) e Adolphe Rouargue (1810 - 187?), nascidos em Paris,  muito prolíficos na produção de gravuras, maioritariamente de paisagens.
Na página seguinte, protegida por papel de seda, vê-se um belíssimo desenho colorido à mão a emoldurar o título, lembrando-me uma iluminura, salvaguardadas as devidas diferenças, que aos meus olhos muito enriquece este pequeno livro.


Cada uma das partes intituladas Officios é introduzida por desenhos, geralmente com a cruz ao meio



e termina com pequenas vinhetas com figuras ou cenas bíblicas.





Para além destas vinhetas, o livro conta  ainda com mais duas gravuras, estampas de página inteira, também de autoria Rouargue, tendo uma como tema Maria e o Menino Jesus e a outra Maria e o anjo.

 

Não sei se terá havido outras gravuras de página inteira  na obra. A verdade é que qualquer uma destas, embora  pequena (5x7,5), faria um belo quadro se fosse emoldurada...




quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Será de Vale da Piedade?


Refiro-me à Fábrica de Santo António de Vale da Piedade, uma das mais importantes e mais duradouras fábricas de cerâmica de Vila Nova de Gaia. Nunca é demais repetir que teve uma existência de cerca de 150 anos (1785 - 193...) com uma produção muito variada, desde faiança utilitária doméstica até azulejos e ornamentos de arquitetura, destinada não só ao mercado interno, mas também à exportação, sobretudo para o Brasil.
Como acontece com quase toda essa produção, este prato grande marmoreado não está marcado, mas há um dado que me faz suspeitar tratar-se de fabrico de Santo António. É a semelhança decorativa com uma salva de aguardente ou escorredor de copos, peça já aqui referida, apresentada por Artur de Sandão na obra Faiança Portuguesa, Séculos XVIII - XIX , vol. II, p. 154 e atribuída a Santo António de Vale da Piedade, ao período de João do Rio Júnior (anos 60-80 do século XIX).



Também no Museu da Cerâmica, nas Caldas da Rainha,  há um prato muito semelhante , mas aí a ficha de catalogação limita-se a referir fabrico do Norte, sem mais, datando-o do século XIX.

Prato do Museu da Cerâmica

Não só a decoração mas também as dimensões coincidem com  as do meu prato (30 cm de diâmetro e 5 cm de altura).
Este foi mais um dos meus achados na Feira de Velharias de Aveiro, a preço de pechincha, certamente por estar partido e colado, embora não se note muito, e por não exibir uma decoração muito vistosa. Mas só pelo desafio da descoberta e por admitir ser de Santo António, trouxe-o para casa há uns meses com todo o prazer... e acho que fica muito bem a fazer companhia a uma caraterística tampa em Cantão Popular.



Tive conhecimento, há algum tempo, de uma página criada no Facebook, sobre a Fábrica de Santo António,  pelo estudioso de cerâmica Francisco Queiroz. Recomendo a visita, pelo que deixo aqui o link:
https://www.facebook.com/FabricaDeSantoAntonioDoValeDaPiedade

E, também do mesmo autor, uma outra página sobre a Fábrica das Devesas:
https://www.facebook.com/pages/F%C3%A1brica-de-Cer%C3%A2mica-das-Devesas/271032116245596



segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Bule ou cafeteira "Garibaldi" da Vista Alegre - "Garibaldi" pot by Vista Alegre


Este é um modelo muito antigo da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre, que se pode encontrar a branco ou com várias decorações florais, neste caso com marca VA azul de 1870-1880. Tinha um bule branco deste formato, que achava curioso, mas fiquei contentíssima quando encontrei este em tamanho grande, mais provavelmente uma cafeteira, com um rosa suave e uma mimosa decoração com dourados e grinaldas de flores sobre branco.


O Clube de Colecionadores da Vista Alegre  decidiu em 2001 recuperar este modelo do século XIX, o modelo Garibaldi, lançando uma réplica com uma decoração floral em azuis e dourados, querendo certamente evocar  as decorações mais antigas da Vista Alegre, pintadas à mão.
Há tempos o LuísY mostrou no Velharias várias peças deste modelo e levantou-se a questão de saber se o nome "Garibaldi" se referia ao modelo ou à decoração escolhida pelo Clube de Colecionadores para a sua réplica. 



Havendo várias decorações antigas sobre o mesmo formato, achei que o nome se referia ao modelo, com pormenores como a pega da tampa e os penachos da asa a fazerem lembrar os capacetes militares oitocentistas, evocando assim a ação militar e política de Giuseppe Garibaldi. Ainda antes de ser conhecido como o unificador de Itália, Garibaldi seria já uma figura da atualidade em Portugal pela ação que desenvolveu no Brasil a meados do século XIX.




Para confirmar essa minha convicção, resolvi contactar o Clube de Colecionadores da Vista Alegre, obtendo resposta pronta de  João Pinto Basto, acompanhada de imagens. Confirmou-me que é o modelo que dá o nome à peça, não só do bule, mas também  de um açucareiro antigo que apareceu num dos leilões da Vista Alegre. Depreendo eu que tal nome se estenderia a todas as peças dos serviços deste modelo, como o que existe no Museu dos Biscainhos e a Alexandra Roldão descobriu, tendo o Luís partilhado o link.

Serviço de chá e café do Museu dos Biscainhos.
Como não conhecia o serviço, não sabia que tinha em casa uma chávena e um pires do modelo Garibaldi, com que agora resolvi acompanhar o bule para o chá desta semana. Como a chávena era branca, mandei-a pintar para fazer conjunto com o pires, também VA azul.



.
 E assim partilho mais umas peças da nossa Vista Alegre com

Tea Cup Tuesday, Tea Time Tuesday e Tuesday Cuppa Tea 

das inexcedíveis anfitriãs destes eventos,Terri, MarthaSandi e Ruth.

Os dois "Garibaldi" em tamanhos diferentes