quinta-feira, 10 de maio de 2012

Um prato atribuído a Fervença e outro... talvez.... quem sabe...


aqui publiquei vários pratos com motivo central de coroa e brasão real e agora tenho mais um para partilhar que me foi enviado pela IF.
Nunca tinha visto nenhum com esta repetição do brasão real e desconheço o seu significado. Já estive mentalmente a reconstituir a história portuguesa do século XIX - mais particularmente de 1824 a 1859 (?), período de laboração da Fábrica de Fervença à qual o prato foi atribuído - para tentar descobrir a que par de figuras reais ou facto histórico se poderia referir a repetição do brasão e pensei em várias hipóteses mais ou menos credíveis.
A primeira diz respeito ao período em que a Casa de Bragança e particularmente D. Pedro IV, reunia as duas coroas, a de Portugal e a do Brasil e assim se homenageava esse facto histórico recente; uma outra hipótese é que, durante as lutas liberais, por instinto de sobrevivência, muitos populares se diziam adeptos tanto de D. Miguel, como de D. Pedro, usando o argumento de que ambos eram Braganças e filhos de rei, daí o prato com decoração ambivalente; depois pensei no início do reinado da ainda menina D. Maria II durante a regência do seu tio e prometido marido D. Miguel. Será que significava que havia dois descendentes reais a partilhar o trono de Portugal?
O mais provável é que nada disto tenha consistência e que o prato só apresente as duas coroas por opção decorativa, para ter uma versão um pouco diferente dos demais.


Um outro pormenor interessante são os desenhos em quadriculado que me sugerem a malha das redes de pesca, a alusão ao mar ou ao rio, realidades muito próximas dos trabalhadores gaienses das fábricas de faiança.
Enfim, tudo isto é especulação pura e dura, motivada por um prato curioso de que pouco se sabe.
Dados objetivos são apenas as dimensões que a IF teve a gentileza de me enviar - 28,5cm de diâmetro, 4,6 de altura e 18cm de frete - e o que se pode observar, isto é, os motivos decorativos e a paleta cromática. Esta, a juntar ao tipo de cercadura, parece-me encaixar bem nas caraterísticas de Fervença, valha-nos essa "certeza"...


Mas mais à nora estou para falar de mais um quebra-cabeças que trouxe para casa.
O meu marido viu o prato à venda na feira de Aveiro, sem atribuição de origem, chamou-me, pareceu-nos "déjà vu" e como não era caro - tem uma estaladela à volta, com gatos, que o desvaloriza mas que não incomoda muito - lá veio connosco à espera de eu descobrir rapidamente do que se tratava.
Puro engano! Há sempre alguma coisa que não encaixa nas hipóteses levantadas, uma delas Fervença.


A favor de Fervença tem o tipo de botões florais da cercadura que aos meus olhos carateriza muito essa produção, mas as cores, embora com a presença de amarelos verdes e laranjas e uns toques de azul e vinoso, são muito mais discretas.
Quanto às dimensões, tem 34,5cm de diâmetro, 4,5cm de altura e 20cm de frete e parece-me todo pintado à mão livre, tal como o anterior.
Também se pôs a hipótese de este prato ser Viana. Será? Pelas tonalidades, talvez até seja uma  origem mais plausível do que Fervença, mas, sem marca, não passa de uma hipótese.
Pelo tamanho do motivo floral e pela forma das folhas, pintadas a duas cores, mas sobretudo pelo formato da flor maior, uma outra possibilidade é que seja produto da Fábrica do Rossio de Santa Clara, fundada por Domingos Vandelli em Coimbra, mas com continuidade depois dele.
Aqui ficam os dois pratos para apreciação dos amantes de faiança portuguesa que me visitam.
E agora resta-me agradecer  à IF mais esta generosa partilha.



14 comentários:

  1. ó Maria Andrade eu do segundo prato não arrisco palpites nenhuns, aliás estou outra vez na fase que acho que afinal não sei nada. A faiança portuguesa troca-nos as voltas.

    Quanto ao primeiro prato, parece ser aquilo que normalmente se atribui a Fervença.

    Quantos aos escudos, eles são iguais, o que afasta a hipótese de representarem dois partidos (Miguelistas e Liberais), mas julgo que possa saber mais sobre este prato precisamente através da heráldica. O escudo parece-me característico de uma época, talvez de um reinado ou de um soberano. Será o escudo do D. Pedro? Eu tentaria uma pesquisa por aí

    Abraços e obrigado à IF

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  2. O escudo terminando em bico é já do período de D. Pedro IV. Espreite o endereço http://www.dei.isep.ipp.pt/~i980375/historia.htm, onde colhi essa informação. Quantos às folhas de louro não sei, mas talvez uma pesquisa mais aturada e se consiga chegar lá

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  3. Luís, já fui ver o link que aqui deixou, muito obrigada. Realmente tem razão ao referir que a forma deste escudo é da época de D. Pedro IV (e também de monarcas subsequentes).
    São pormenores que a mim que não sou monárquica - e sei que o Luís também não - ou conhecedora de heráldica, passam totalmente despercebidos, mas a sua pesquisa, como sempre, deu frutos.
    Um abraço

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  4. Boas tardes Sra D.Maria,
    Cá esta a "cusca";penso que não existe dúvidas sobre o brasão de D.Pedro.
    O louro já é nosso conhecido dos romanos.
    Acrescente-se que significa"dormir sobre os louros" ou a ultima será para mim a mais certa.
    Interromper uma carreira sob bons auspicios.
    vou tentar saber mais atrvés do Centro Monárquico Real e se souber eu digo.
    Um abraço
    Luz

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    1. Cara Maria da luz,
      Esse "Sra D. Maria" até me fere os olhos! :)
      Já aqui tinha respondido ao seu comentário antes de responder à Maria Paula, mas não sei como, o comentário desapareceu.
      Efetivamente a grinalda de folhas de louro é a mais usada desde a antiguidade, mas também se vêem folhas de outras plantas com os símbolos reais.
      Muito obrigada pela sua disponibilidade em tentar saber mais sobre o brasão de D. Pedro junto desse Centro Monárquico para nos vir aqui informar.
      Um abraço

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  5. Olá Maria Andrade
    Será que as folhas são mesmo de loureiro?
    Também a mim, este prato induziu à pesquisa e tomando como ponto de referência a sua primeira hipótese, descobri que as armas bandeira imperial do Brasil, entre 1822 e 1889 eram ladeadas por dois ramos, um de café e outro da planta do tabaco.O escudo termina igualmente em bico.Espreite no link que lhe deixo abaixo.

    http://audaces.blogs.sapo.pt/6292.html

    Os dois pratos são belíssimos e o ramo da decoração central do segundo prato não me é estranho, mas não me consigo recordar onde é que já vi algo parecido.
    Beijos e boa semana

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    1. Muito obrigada pelo seu interesse em pesquisar sobre este assunto, Maria Paula.
      Já fui ver o link que aqui deixou e realmente a forma do escudo é a mesma, só que em cor verde e com outros símbolos, o que não admira, tendo sido D. Pedro a iniciar a história do Brasil como país independente. Quanto às grinaldas de folhas verdes, penso que várias plantas podem estar representadas: loureiro, oliveira, carvalho e neste caso do Brasil, graças a si fiquei a saber que se trata de folhas de café e de tabaco.
      Quanto ao meu prato, teve a mesma sensação que eu tivequando o vi, que aquele motivo é conhecido, mas enfim, já vimos tanta coisa...
      Uma boa semana também para si.
      Bjs.

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  6. Olá Maria Andrade. Vi este soberbo post ainda no sábado,sem tempo para o poder comentar, só hoje me foi possível aqui voltar.
    Os pratos são lindíssimos!

    O 1º da IF - a quem deixo saudações por mais uma amostragem de um belo exemplar, no caso para mim inédito com dois brasões com as armas de Portugal coroados cada um ladeado por dois ramos pincelados a verde e hastes unidas a vinoso em filete fino.
    Difícil será atribuir ao mesmo o seu fabrico. Falta a meu ver a amostragem do tardoz, senti-lo na mão, sentir o peso, a textura do barro e acaricia-lo para sentir as pinceladas no brilho do esmalte.Contudo para mim, este prato não é Fervença,nesta fábrica o vinoso apresenta-se esborratado tipo o cobalto. O esmalte é inconfundível, há pratos que no tardoz apresentam um traço desta cor, a que o José Queiroz atribuiu como marca, porque nenhum exemplar se conhece marcado doutra forma, também no tardoz as cores sentem-se refletidas no esmalte.
    Sobre Fervença aqui e no Velharias do Luís já vimos outros exemplares que nos parecem ser...descobri há pouco que Coimbra também pintou o motivo mais usual em pinceladas de folhas de vários tamanhos em laranja, o mesmo verde "cor do burro quando foge", azul cobalto e vinoso ( nestas minhas mini férias encontrei na terra lavrada do quintal dos meus bisavós um caquinho de esmalte branco com este motivo, apesar de ser um fragmento pequeno mostrei-o ao meu marido, fiz-lhe a pergunta" dirias que é de onde? resposta escorreita - Fervença..mas ali Fervença não chegaria - será fabrico de Coimbra, existe uma caneca no Museu Machado de Castro muito parecida com um prato do Manel...por aqui neste meio despoletou muita curiosidade.

    Há muito que ando atrás da fábrica que usava o vinoso em traços finos, cujo vidrado é muito bom, branquíssimo. Sei que o fabrico se situa entre 1801 a 1850, motivos florais, uvas, parras com gavinhas enrroladas em hélice finíssimas a vinoso, filetes largos em amarelo, ando a inclinar-me para Santo António da Piedade(?)

    O prato da IF poderá ser fabrico de Darque.

    Quanto ao seu prato, igualmente um belo exemplar. Muito boa aquisição também não o atribuiria a Fervença se bem que a cercadura foi também pintada por essa fábrica.No entanto a bordadura tem um pormenor a vinoso tipo folhinhas que à medida que foram pintadas iam diminuindo terminando quase em ponto, pormenor interessante que atrás já me referi. O motivo central parece a flor do morangueiro com morangos, curiosamente tal como o 1º prato apresenta as hastes dos ramos a vinoso, finas - ...analisei as folhas a duas cores uma carateristica de Coimbra,mais tarde copiada por Aveiro,contudo a flor grande no seu desabrochar magnífico levou-me para a fábrica Cavaquinho onde Vanderlli após sair de Coimbra veio refundar uma fábrica.Tenho uma jarra assinada com uma flor minuciosamente assim pintada.
    Falta contudo o tardoz para ajudar tal como referi no prato da IF.

    Inegavelmente dois belos exemplares que muito nos enriquecem.

    Bem haja pela partilha.
    Beijos
    Isabel

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  7. Maria Andrade

    Voltei para acrescentar que existe no Museu Abade de Baçal
    N.º de Inventário:932 um prato do seculo XIX com altura: 5,7 e diâmetro de 30, faiança com a efígie de D. Pedro IV cujo rodapé é um entrelaçado tipo rede igual ao prato da IF.Ainda outro no mesmo Museu com o nº de inventário 935, altura de 5 cm e diâmetro de 27,8, prato em faiança de fundo circular branco com decoração floral na base e escudo coroado de Portugal. Tem uma faixa amarela na aba e outra no fundo.

    Possivelmente todos saíram da mesma fábrica.
    Bjs
    Isabel

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    1. Olá Maria Isabel,
      Há dias em que o tempo parece ser nosso inimigo e eu hoje tenho-me visto aflita para chegar a todo o lado...
      Vi o seu comentário mal acabei de responder à Maria Paula, mas na altura sem mais tempo para a escrita e por isso só agora lhe estou a responder.
      Agradeço-lhe todas as achegas, todas as pistas que aqui deixou e também concordo consigo que só pela decoração é difícil lá chegar. Mas já tenho comparado tardozes dos meus pratos e na maior parte são idênticos, frete e largura de covo semelhantes, por isso por aí não chego lá.
      O peso também pode ser relevante, mas o que adianta analisarmos todos esses pormenores se depois não temos um exemplar absolutamente fiável, isto é, identificado com segurança, que nos possa servir de termo de comparação?
      É essa a minha dificuldade e daí resulta o meu ceticismo.
      Mas é sempre bom lançar pistas, chamar a atenção para pormenores como os traços finos a vinoso ou a forma como estão pintados os motivos da cercadura do meu prato.
      E também lhe agradeço ter aqui referido o Museu Abade de Baçal que já visitei em Bragança, mas sem me aperceber de que tinham uma boa coleção de cerâmica. Deviam ter a maior parte nas reservas...
      Graças a si fui ver a coleção através do matriznet e encontrei coisas muito interessantes, incluindo os dois pratos que refere. Tudo o que têm com identificação do local de fabrico tem ponto de interrogação, exceto peças que devem estar marcadas,como uma ou outra de Miragaia ou de Viana.
      Tenha uma boa semana.
      Um abraço

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  8. Realmente o cromatismo do 1º prato levam a pensar em Fervença, pois aquelas cores quase opostas, lado a lado, contrastantes, referem aquela origem, mas em faiança não arrisco, a não ser que a origem esteja bem "escarrapachada" ou seja possível identificar um prato através de caraterísticas por demais já conhecidas, como é o caso, por exemplo, de um prato ratinho.
    As duas coroas talvez refiram os dois tronos de Pedro IV, tendo sido imperador do Brasil e rei de Portugal ... que sei eu?
    São hipóteses que coloco, lendo os vossos comentários.
    O segundo prato não arrisco de todo, mas é lindíssimo e o cromatismo não fica nada a dever ao do primeiro, mas quanto à origem ... não, não faço nem ideia, nem acredito que alguém o possa identificar olhando para ele.
    Só um perito, e, mesmos estes, têm todo o cuidado em ir colocando a hipótese que "pode ser isto ... pode ser aquilo", "há probabilidade de poder ter sido fabricado aqui ou além" e não passamos destes cuidados na identificação.
    Tenho muita pena Maria Andrade, lastimo muito não conseguir dizer-lhe nada.
    No último final de semana, na Feira de Estremoz, um vendedor que vai sendo mais familiar, tinha dois pratos à venda, ambos com o mesmo tamanho, mas um, em relação ao outro, tinha quase metade do peso.
    O que possuía caraterísticas que poderiam indicar uma produção coimbrã, era o mais pesado, o outro, parecia de produção mais a Norte, lá para as bandas do Porto.
    Interessante que este mais leve tem as mesmas dimensões e peso que um outro prato meu, já postado pelo Luís ( http://www.velhariasdoluis.blogspot.pt/search/label/faian%C3%A7a%3A%20Ferven%C3%A7a), mas as caraterísticas cromáticas de ambos estão nos antípodas. Claro que comprei este último ... ele estava a chamar por mim, e o preço estava tão em conta ... que hei-de fazer????
    Faltou-me quem mo tivesse tirado da frente! (risos)
    Os meus parabéns pela vossa compra, eu também não o deixaria escapar, se tivesse na altura com que o comprar.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Olá Manel,
      Mais um cético, como eu...
      Eu tenho sempre tendência a tentar identificar pela decoração e não haja dúvida que os pratos com brasões reais são quase sempre atribuídos a Fervença ou a Bandeira. Entre essas duas hipóteses, se este se refere às coroas de Portugal e do Brasil reunidas sob o mesmo rei, D. Pedro IV, o que só aconteceu durante alguns dias de 1826 (até já me fui informar sobre isto... :)) esse período corresponderia a Fervença, já que Bandeira só abriu nos anos 40 do século XIX.
      Mas lá estou eu a entrar em divagações sem consistência...
      Quanto ao meu prato, a Maria Isabel referiu um pormenor pelo qual também tentei encontrar semelhanças, que é as folhas serem pintadas a duas cores, mas o que encontrei e de que já não me lembro bem, também não me pareceu bater certo.
      Aqui andamos enredados nestas suposições... e lá vamos continuando a ouvir o chamamento de um ou outro pratito, o Manel na Feira de Estremoz, eu na Feira de Aveiro, ou em Coimbra, ou ...
      É um vício, mas dos bons!!!
      Agora vou ver ao blogue do Luís a que prato se refere.
      Uma boa semana também para si.
      Abraços

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  9. A Coroa do reino Unido de Portugal Brasil não tem nada a ver com a deste bonito prato, conforme podem ver em http://miguelsantiago.com.br/a-bandeira-do-brasil/

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    1. Obrigada, Luís por mais esta achega com o link que deixou.
      Sabe que eu fui rever todos os pratos com armas reais de que tenho fotografias no blogue e constatei que a coroa e o escudo - e também os ramos com folhas - são quase sempre os mesmos e iguais aos deste prato da IF. Há apenas uma exceção num prato com o escudo oval e a coroa também diferente.
      Portanto seria esse escudo em bico e coroa dos monarcas portugueses do século XIX que eram conhecidos e representados pelos pintores da faiança portuguesa da altura.
      Aqui a perplexidade prende-se apenas com a repetição do motivo, saber o que é que o artesão português, que certamente não conhecia a coroa do Reino Unido de Portugal e Brasil, pretenderia significar com estas duas coroas e escudos...
      Um abraço

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