quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Capela de Nossa Senhora das Neves




Passei várias vezes junto desta capela, num lugar pitoresco do concelho de Anadia, mas via-a sempre fechada.
Despertava-me curiosidade encontrar ali aquele edifício, de consideráveis dimensões e ar sóbrio e imponente, tão diferente das habituais capelinhas de aldeia, à beira de uma estrada secundária, numa localidade pequeníssima.


Acabei por parar para explorar o local e aí descobri uma pequena construção a albergar uma fonte, esta encimada por inscrição em Latim que a data de 1676. Pensei então que a capela seria da mesma época, o que não consegui confirmar na altura.


Vim a saber mais tarde que a capela tinha sido alvo de um assalto, já há duas ou três décadas,  e espoliada das suas imagens mais antigas, entre elas a da sua patrona, Nossa Senhora das Neves.
Ficou assim mais pobre e sempre fechada, à exceção dos dias de festa em honra da sua padroeira, no início de Agosto.

Ex-voto datado de 1782 a agradecer uma cura a Nossa Senhora das Neves

No mês de Agosto passado houve um motivo adicional para a festa: a conclusão das obras de restauro do interior da capela, particularmente do retábulo da capela-mor e outras beneficiações no interior e na cobertura do edifício.
Tal aconteceu graças a um avultado donativo de uma senhora que foi durante muitos anos residente em Anadia e que, dizendo-se devota e afilhada de Nossa Senhora das Neves, quis assim homenageá-la, devolvendo alguma dignidade a esta casa.



Este retábulo, que o Pe. A. Nogueira Gonçalves, meu velho professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no seu Inventário Artístico de Portugal, Distrito de Aveiro, Zona Sul, Lisboa, 1959, data da primeira metade do século XIX, foi agora todo restaurado por técnicas de Conservação e Restauro com acompanhamento do IGESPAR.


É de estilo neoclássico, com as suas flores e grinaldas muito delicadas em relevo e todo o conjunto pintado em tons pastel e com marmoreados. Lateralmente apresenta, como Nogueira Gonçalves também refere e ainda está visível, uma inscrição com o ano de 1857. 




Este estudioso não chega a datar o edifício principal da capela, mas foi datado do século XVII pelo IGESPAR, à época IPPAR, e classificado como Imóvel de Interesse Público em 2002.



Foi na companhia da atrás referida senhora, a principal benemérita da obra a quem me liga uma familiar e amiga comum, que consegui finalmente visitar o interior da capela e ainda uma pequena jóia que ela esconde nas traseiras: a primitiva ermida, de forma circular, construção do século XVI segundo A. Nogueira Gonçalves, que acabou por ficar ligada à atual capela e lhe servir de sacristia.



O interior da ermida é revestido do chão à cúpula por azulejos polícromos do século XVII, do tipo conhecido por pinha, alcachofra ou maçaroca, e de fabrico lisbonense, segundo o citado autor .


O arco que se vê aqui com restos de policromia, encima a porta de comunicação com a capela e corresponde à antiga entrada da ermida.



Aqui pode ver-se o resultado do vandalismo e da ganância, que certamente estragou mais do que aproveitou aos criminosos, quando o edifício esteve votado ao abandono e pouco vigiado.
Será agora a vez desta ermida ou sacristia beneficiar de obras, estas bastante onerosas dado o estado em que se encontra a estrutura e sobretudo a cúpula, mas parece que já há luz verde do IGESPAR para a sua realização. O problema é que falta o mais importante...
Oxalá que, à falta de dinheiros públicos, possamos continuar a contar com pessoas com esta generosidade, que prescindindo de bens próprios, se dispõem a ajudar a recuperar e a enriquecer o património de todos nós.




16 comentários:

  1. Cara Maria Andrade,
    Que belo presente de fim de tarde eu ganhei ao vir cá em seu blog! Que preciosidade tudo isto que você compartilhou conosco. Agora vou até voltar ao meu trabalho mais animado.
    Acho que é em Salvador (Bahia) que há uma igreja com azulejos do padrão "maçaroca", nome que soa muito feio aos meus ouvidos brasileiros. Prefiro as outras opções que você nos deu: pinha ou alcachofra.
    Espero mesmo que surja dinheiro, seja público ou privado, para recuperar esta pequena beleza que é a ermida antiga, atual sacristia.
    b'jinhos
    Fábio

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    1. Olá Fábio,
      Ainda bem que gostou desta pequena visita guiada.
      Fiquei intrigada com o que poderá significar o termo maçaroca em português do Brasil ;), mas aqui é perfeitamente neutro e usual.
      Sabe que ainda hoje vi de novo o seu nome numa revista nossa? Foi na VISÂO Vida E Viagens e como é de esperar, num artigo sobre os artistas brasileiros que estiveram a fazer trabalhos na Bordallo Pinheiro.
      Agora é só aguardar que comercializem essas obras, estou curiosa!
      Bjos.

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  2. Esta austeridade exterior, muito ao gosto dos anos de seiscentos, resultado dos movimentos de Reforma e Contra Reforma na igreja católica, é bem vinda, apesar de estar ligada a uma certa hipocrisia religiosa.
    Em portugal é refrescante ver estas paredes sem movimentação, pouco ornamentadas, aliás, esta ornamentação, quando existe, raro é supérflua, antes está ligada sempre a elementos arquitetónico estruturais.
    Esta austeridade pouco tempo irá durar, pois já se agitam as linhas movimentadas do Barroco que, em Portugal, e por qualquer razão estranha (há razões oficiais para este facto, mas fico sempre na dúvida), não vai alcançar a estatura e desenvolvimento que tomou noutros países, sobretudo em Itália ou nos países onde o protestantismo tinha ganho terreno, como foi o caso da Alemanha ou até mesmo a Áustria.
    Esta capela é um primor interior e aqueles azulejos.... bem, fazem a minha perdição.
    Obrigado por no-la ter trazido, pois doutra forma escapar-se-nos-ia.
    Um bom final de semana
    Manel

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    1. É verdade, Manel, que esta capela impressiona pela sua simplicidade imponente, mas o interior foi infelizmente adulterado, não sei em que altura, pelo acrescento de um lambril de azulejos azuis e brancos de fabrico industrial recente, que não me apeteceu fotografar... Foquei-me apenas no belo retábulo em boa hora restaurado.
      Já o interior da antiga ermida é um caso à parte, um verdadeiro mimo!
      Obrigada pela sua apreciação tão conhecedora destas coisas de arte e arquitetura.
      Um abraço e bom domingo

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  3. Adorei a tua viagem pela história da capela. Lindas as fotografias, a aguçar a curiosidade de ir ver o local. Parabéns!
    Beijinho

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    1. Olá amiga!
      Obrigada pela visita e ainda bem que apreciaste este pequeno tour em terras anadienses ;)
      Beijos

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  4. Adorei a pequena ermida revestida com azulejos do Século XVII. Que sítio mágico. Tenho uma predilecção por templos circulares, vá lá saber-se porquê.

    Maçaroca é de facto um termo corrente em Portugal, que que se refere a uma espiga de milho. Talvez no Brasil tenha alguma conotação brejeira.

    Bjos

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    1. Aqui maçaroca, com "ç" não signifca nada, mas seu homófono, com "ss", massaroca, significa algo amorfo, desforme, repugnante, por exemplo, um pão que não saiu certo, qualquer tipo de massa que ficou ruim, pesada, mal feita, embolotada, gosmenta. Pode ser também cabelos desgrenhados, embaraçados; um bololô de roupas molhadas; um bololô em geral, confusão, aglomeração -- massaroca de gente, massaroca de bichos, massaroca de coisas.
      :-)

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    2. Resta-nos esperar, Luís, que o restauro da pequena ermida vá mesmo por diante.
      Quanto ao revestimento azulejar do séc. XVII, já informei pessoas responsáveis de que é possível encontrar azulejos "maçaroca" originais à venda em Lisboa. Há por aqui quem faça cópias, mas não é a mesma coisa...
      Em relação ao termo brasileiro, o Fábio também me fez pensar que era algo mais pró brejeiro :). Agora ficámos elucidados e temos uma nova aquisição vocabular: o espantoso termo bololô!!!
      Beijos

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    3. Sabia que vocês iam gostar de "bololô"! É um termo bastante usado por aqui. Este neologismo vem da palavra "bolo" mesmo, e não sei quando acrescentaram mais um "lô" ao seu final, para torná-la mais enfática, ao significar aglomeração, como em "ali havia um grande bolo de gente". Também serve para dizer "confusão", bate-boca, balbúrdias em geral.
      b'jinhos

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  5. Fiquei profundamente impressionada com este post e são 2 as razões: a 1ª é que tudo o que escreveste é novo para mim - desconhecia a existência desta riqueza quase à nossa porta; a 2ª é que já fui dezenas de vezes à fonte de Nª Srª das Neves...
    Obrigada, amiga, por esta aula...
    Bj
    MM

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    1. Que alegria em ver-te por aqui, querida amiga!
      Obrigada pela simpatia, mas com textos de bons mestres à disposição, não é difícil dar este tipo de "aula" ;)
      Depois é o gosto pessoal por estas coisas...
      Aparece sempre.
      Um beijinho

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  6. Muito bonito.
    Quem sabe qualquer dia vou lá visitar ..... com a Maria Inês!

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    1. Seja bem-vinda aqui... tanto mais que é amiga da Maria Inês!
      Foi ela que me proporcionou a visita à capela e em boa hora o fiz, para apreciar e fotografar aquela pequena jóia, quase sempre fechada.

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  7. Falta dizer que esta capela tem uma equipa de zeladores que têm intervido no monumento. Neste momento a cúpula da abóbada da ermida primitiva que, como afirmou, serve de sacristia e que estava em perigo de ruir já se encontra restaurada. A comissão zeladora, da qual faz parte a vereadora da cultura da Câmara Municipal de Anadia, conseguiu um apoio financeiro da Câmara para essas obras, tendo restaurado também a parte elétrica. A benemérita da capela acabou de oferecer uma cópia de pedra de uma das imagens que terá sido roubada e que fazia parte do espólio da capela.

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    1. Caro anónimo,
      Muito obrigada pelas notícias que aqui nos traz sobre os melhoramentos na capela de Nossa Senhora das Neves. Ainda bem que há uma comissão zeladora que tem intervindo no edifício e que a benemérita senhora continua a enriquecer o seu interior. Merecem todos os nosso apreço.
      Soube da festa anual há quase duas semanas mas não pude estar presente e tenho pena...

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