segunda-feira, 22 de abril de 2013

A faiança ratinha do Museu Machado de Castro


É inegável que o Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra, alberga tesouros valiosíssimos, peças de alto valor patrimonial, histórico e artístico, com vários séculos de existência,  chegando o núcleo romano a cerca de dois milénios. Ganharam agora, com a remodelação do museu, um destaque merecido e deslumbram todos os visitantes.
A cerâmica também está ali bem representada em esculturas de terracota e em painéis de azulejos, mas talvez pela quantidade de bens de interesse nacional, certamente também europeu e até mundial, de que o museu dispõe, a faiança, com exemplares únicos desde o século XVI,  não dispõe de muito espaço na exposição permanente  e foi até esquecida no folheto-guia do museu.
Na minha opinião, e não sou a única a pensar assim, a faiança ratinha, um caso único na faiança popular portuguesa do século XIX e início do XX, com caraterísticas muito próprias que tornam fácil a sua identificação e atribuição às olarias coimbrãs e com um contexto histórico e social também muito peculiar, devia ter contado com um núcleo expositivo mais extenso.




São lindos os pratos ratinhos de figura central que lá se encontram em exposição, assim como estes dois que igualmente pertencem ao acervo do museu e encontrei no MatrizNet. São geralmente os mais valorizados, até pelo testemunho que dão de costumes, trajes e figuras típicas, mas as restantes três peças em exposição não lhes ficam atrás em interesse. Aquela garrafa, o pucarinho, o grande prato de flores são peças magníficas! Gosto de apreciar a forma como são tratados os motivos vegetalistas e até o jogo de cores nos geométricos, cada um exemplar único; desses haverá alguns nas reservas do museu inacessíveis ao olhar do público e é disso que tenho pena.
Já o Professor António Augusto Gonçalves, fundador do Museu Machado de Castro, dava primazia aos mais simples, sem figuras, vendo com olhar crítico a introdução, no final do século XIX, da figura central nos rústicos ratinhos. Considerava-as "arrebiques" que os descaraterizavam, talvez por os distanciarem da herança islâmica que lhes é atribuída.


À falta de exemplares mais comuns na exposição do museu, trouxe aqui um dos últimos que trouxe para casa e me agrada particularmente. São os verdes intensos que aqui mais me seduzem, naquelas pinceladas livres a imitar folhagem, numa composição floral pentagonal que acho muito atraente. 
Uma caraterística deste meu prato que é comum aos mais primitivos ratinhos e que também me atrai muito é a disposição do motivo por toda a superfície, covo e aba, sem distinção entre um e outra e obviamente sem cercadura, apenas dois filetes a rematar.
Em baixo o prato ladeado de dois pequenos covilhetes no mesmo tom de verde.


Deixei para o fim uma boa notícia que foi ao fim e ao cabo a razão para este poste: soube há pouco tempo que o  MNMC recebeu uma doação de mais de cem ratinhos para o seu acervo. Só que, como já não têm lugar na exposição permanente, teremos que aguardar por uma exposição temporária, quando houver meios para a preparar e montar, o que não será certamente nos próximos tempos...
E há outra boa notícia: um novo blogue, o Tempo e Histórias, que se propõe dedicar muito do seu espaço à faiança ratinha, ou não fosse a sua autora uma estudiosa desta faiança popular coimbrã.

9 comentários:

  1. Oh dear Maria, so much alike some of our folklore ceramic to your gorgeous Portuguese decor here..of course, ours is inspired on the Spanish and you guys are very much alike too...I think? Beautiful post!! Have a wonderful week.
    FABBY

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Yes, Fabby, there are similarities between these traditional ceramics of ours and some Spanish production. And of course lively colours with folklore motifs are usually present.
      Thanks for visiting and for the kind words.
      A wonderfiul weelk for you, too. Hugs

      Eliminar
  2. O seu ratinho é absolutamente fabuloso. Gosto imenso dele.
    Insere-se na tradição árabe da representação geométrica, pois foi neste campo que, por razões religiosas (no islamismo, a criação da figura humana é algo que só a Deus cabe) esta representação, a par dos estudos matemáticos, mais se desenvolveram.
    Eu, apesar de achar muito curiosos os figurativos, até por questões antropológicas, quanto mais não fosse porque nos dão informações sobre tradições esquecidas, tenho uma tendência para admirar profundamente os puramente geométricos, sobretudo aqueles que me parecem mais antigos (não sei se é verdade se não), preenchidos com tramas feitas em traços ondulados desenhadas sobre fundos vidrados de um amarelado ocre.
    Acabo por gostar deles todos, e vejo o meu olhar a cair sempre sobre estes pratos, quando vejo algum exposto, pelo que concluo que exercem sobre todos nós um fascínio, fatal para as nossas bolsas.
    Constituem pólos de atração nas casas, como elementos que conseguem fazer pontes entre diferentes estilos decorativos, pois há loiça ratinha cuja decoração é do maior arrojo vanguardista, e não me refiro simplesmente à época em que foram concebidos. Os parabéns por esta aquisição.
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não quero com o comentário anterior classificar este prato no geometrismo puro, que não seria verdade, pois, de certa forma é igualmente figurativo, só que o elemento decorativo está de tal forma estilizado que já entra no domínio de uma geometria não abstrata.
      Manel

      Eliminar
  3. Na verdade, Manel, fui eu que utilizei inapropriadamente o termo "figurativo" e já o substituí por "de figura central". É como diz, os florais são também figurativos, mas muitas vezes a composição dispõe-se de forma geométrica - como é o caso deste meu onde sobressai mais a forma pentagonal - ou numa estilização com base em formas geométricas e motivos repetidos e quase esquecemos que há uma figura base.
    Uma caraterística dos ratinhos que se perdeu nos de figura central foi a disposição do motivo por toda a superfície, covo e aba, não havendo cercadura. Tinha-me esquecido de salientar isso no texto mas já acrescentei.
    São realmente peças cheias de interesse que nos fascinam e desafiam, por isso fico muito satisfeita quando encontro uma ou outra a preços suportáveis (para a minha bolsa;))
    Um abraço

    ResponderEliminar
  4. As peças que ilustram o seu texto são exemplificativas da arte dos oleiros de Coimbra. Nunca eles pensaram que a faiança que produziam viesse a ser tão própria e com características únicas, facilmente identificável.
    O coração asseteado, símbolo do amor profano, destaca-se, isolado, no covo. A cercadura, com filamentos ondulados, interceptados por conjuntos duplos de flores e pequenas folhas, enriquece-o.
    O seu prato e os dois covilhetes formam um conjunto que ilustra bem o poder decorativo desta popular e simples faiança.
    if

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá If,
      É sempre interessante descodificar a simbologia usada na faiança popular, como é o caso desta figura do coração atravessado por uma seta, mas também com uma ténue chama que dele sai.
      Há sempre um pormenor ou outro que nos prende a atenção na faiança ratinha e é também isso que a torna tão sedutora.
      Obrigada pelo comentário com as achegas oportunas.
      Uma abraço

      Eliminar
  5. Maria Andrade

    Muito interessante o seu post, que além de mostrar Ratinhos, uma paixão que anima esta pequena comunidades de blogues, que formámos no cyberespaço, levanta alguns problemas da museologia e do papel dos museus na comunidade.

    Há um certo discurso entre os conservadores de museu, que só se devem mostrar as peças excepcionais, o créme de la créme. Os museus devem exibir apenas as obras-primas. Aquilo que nós todos temos em casa, deve ficar guardado nas reservas e poderá aparecer ao público em exposições temporárias. Assim, nesta linha de pensamento, os museus tenderão a apresentar na colecção permanente as custódias em ouro ou prata, as casulas em seda, as telas do século XV e as talhas douradas. Por natureza mais utilitária, a cerâmica é relegada a duas ou três vitrinas e o resto vai para as reservas que se lixa.

    Claro, concordo que os museus devem mostrar permanentemente as obras-primas. Ficariamos muitos zangados se fossemos ao Louvre e não pudessemos ver a Vénus de Milo. Mas também os museus devem apresentar aquilo que é mais representativo de uma cultura e a Faiança Ratinha é uma demonstração de qualidade expecional da cultura popular portuguesa. Como escreveu a Ivete, nunca os humildes ceramistas coimbrões imaginaram estar a produzir obras-primas ao mesmo tempo tão modernistas e tradicionais e que não se confundem com mais nenhuma faiança do resto do País

    Concordo plenamente que o Machado de Castro deveria dar mais evidência à sua colecção de Ratinhos.

    Bjos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Gostei muito do seu comentário, Luís, pela forma desapaixonada e esclarecida como fala das opções museológicas. Penso que todos estaremos de acordo em que os museus nacionais devem ter na exposição permanente os nossos maiores tesouros, mas nem só as obras destinadas a igrejas e palácios têm peso cultural e os objetos mais populares que têm história para contar são igualmente dignos de presença significativa nos museus nacionais.
      Se calhar os ratinhos que estão na exposição permanente do MNMC até estão na dose certa na relação entre a cerâmica nacional e a produção local, mas eu esperava sinceramente que o museu tivesse reaberto com uma amostragem mais abrangente de cerâmica ratinha - uma exposição temporária ou na permanente algumas vitrines a ela dedicadas - pela sua variedade, especificidade e ligação a Coimbra.
      Mas nisto como noutras coisas, já se sabe que “cada cabeça sua sentença”...
      Bjos

      Eliminar