sábado, 14 de junho de 2014

Um pote Carvalhinho sob anonimato?



Noutras circunstâncias, já há muito aqui teria dado conta duma pequena descoberta que fiz há tempos. Mas quem me visita com alguma regularidade já certamente se apercebeu das dificuldades que tenho tido em manter este espaço minimamente ativo. Confesso que se não fosse um poste recente do MAFLS a avivar-me a memória - daí também a inspiração para a foto ;) -  ainda não era desta que aqui vinha falar do assunto.
A descoberta tem a ver com este pequeno pote de faiança, que tenho há mais de dez anos, vindo da Feira da Vandoma no Porto, quando ela se realizava junto à Cadeia da Relação.


Lembro-me que o comprei a um vendedor de ocasião, com uma pequena banca de meia dúzia de peças, que dizia ser esta uma peça de boa faiança não marcada, sem me adiantar mais nada de concreto. Gostei dos azuis, da pintura à mão em motivos que me pareceram de influência oriental e lá a trouxe para casa, achando que algum dia chegaria, por analogia, à origem do fabrico.
























E foi o que aconteceu... mas só há poucos meses!
A verdade é que durante todos estes anos muitas vezes analisei os pormenores do desenho, a pasta fina, o azulado do vidrado, mas nada que me abrisse os olhos e permitisse chegar a alguma conclusão. Uma peça de cerâmica sem qualquer marca e com decoração desconhecida deixa-me em geral completamente perdida...

Finalmente, na última vez que fui à feira de velharias de Algés, ao passar pela banca de um vendedor conhecido, reparei num grande vaso ou cachepot que me pareceu ter algo de muito familiar. Não disse nada na altura, mas voltei a passar e a observar, tentando lembrar-me de onde eu já teria visto uma decoração igual ou parecida.


A certa altura fez-se luz: era o meu pequeno pote de faiança azul e branca comprado na Vandoma. Meti conversa com o vendedor, uma pessoa amável e discreta que conheço há anos dali e há mais anos ainda da feira de Coimbra, e quis saber de onde seria a magnífica peça.


Ele disse-me que pela marca devia ser da Fábrica Constância, mas ao mostrar-ma vi um F.C. a azul que eu nunca associaria à fábrica lisboeta. Disse-lhe que me parecia ser antes da Fábrica do Carvalhinho, lembrei-o que os azulejos Carvalhinho eram marcados na pasta com as iniciais FC, e me parecia que estas iniciais a azul também tinham sido usadas para marcar outras peças de faiança. Achou logo que a minha hipótese devia estar correta e acedeu ao meu pedido para fotografar a peça.


Ao chegar a casa confirmei que os motivos tinham muita semelhança com os do meu pote, embora mais elaborados e em maior escala, e a marca F.C. lá estava no meu livro de marcas de José Queirós editado pela Livraria Estante Editora. Trata-se da marca 197, cujo verbete  indica tratar-se de fabrico recente (anterior à data da publicação do estudo, 1907-8), localiza a Fábrica do Carvalhinho à Corticeira (Porto) e refere como proprietários Dias de Freitas e Filhos.
A hipótese Fábrica do Carvalhinho nunca se me tinha colocado, habituada que estava aos carimbos bem conhecidos e facilmente identificáveis que encontramos nessas faianças. São do período em que a fábrica já se localizava em Vila Nova de Gaia e estava sob administração da Fábrica de Loiça de Sacavém, entre os anos 30 e 60 do século passado.



Mas a Fábrica do Carvalhinho foi fundada uns cem anos antes, por volta de 1840, a crer numa marca usada em 1940 para comemorar o centenário, por isso é natural que haja muitas peças não marcadas à espera de serem identificadas por um qualquer golpe de sorte...
Com tudo isto, embora sem as certezas que a marca me daria, atribuo agora uma identidade e uma idade aproximada ao meu modesto pote e até lhe reconheço um ar de família com alguns vasos Carvalhinho que já aqui postei.  Para além disso, fiquei mais atenta à possibilidade Carvalhinho para peças de faiança deste estilo sem qualquer marca.



10 comentários:

  1. Muito bem narrado, que está o seu poste, porque vai aguçando - como num policial - a curiosidade do leitor. E acabou em bem..:-)
    Bom resto de fim-de-semana!

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    1. Obrigada pela sua simpática visita, caro APS.
      Gosto de contar estas histórias, afinal sobre coisas insignificantes para o comum dos mortais, para partilhar pequenas descobertas com outros amantes de velharias. Ainda bem que gostou.
      Um bom domingo!

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  2. Realmente estes seus posts são muito úteis, porque vai compilando daqui e dali informações, relacionando dados, que depois serão muito proveitosos a quem anda a fazer pesquisas na net para identificação de peças ou mesmo fornecendo pistas muito úteis para os que quiserem publicar alguma monografia sobre estas fábricas de faiança menos conhecidas. Aliás, são precisas com urgência mais monografias sobre faianças dos séculos XIX e XX.

    Ainda recentemente vim aqui ao seu blogue muito silenciosamente espiolhar informações sobre a Porto Corticeira.

    Bjos

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    1. Luís, se estes postes têm alguma utilidade, será em primeiro lugar para mim, porque assim ficam aqui auxiliares de memória que posso consultar em qualquer altura. Já nem me lembrava de onde tinha feito referência à Fábrica da Corticeira, mas calculei que teria sido a propósito da localização primitiva da Fábrica do Carvalhinho e lá encontrei o poste respetivo. Agora, graças à sua achega, já acrescentei essa etiqueta à lista.
      Para estudos ou monografias a informação aqui é muito superficial, só se for realmente para dar umas pistas...
      Obrigada pelo comentário.
      Boa semana!

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  3. Fico sempre encantado e admirado com o seu golpe de vista e a sua memória para a imagem.
    Absolutamente notável.
    Mais uma peça que encontrou lugar no seu repertório de informação sobre a cerâmica.
    Ainda nem há 3 semanas estive na feira de velharias de Estremoz, onde encontrei 3 vendedores que, por sentir muito prazer em falar com eles, por serem pessoas cultas e informadas, fiquei a saber que frequentam o seu blog de forma assídua e tomam-na como elemento de referência para as suas identificações.
    Claro que acabámos por comparar informações sobre blogs de cerâmica e eles foram perentórios! O seu está no topo. Também o do Luís foi referenciado, sem que eu falasse nele, pois eles não me conhecem, nem tão pouco o Luís.
    Foi a partir da identificação da sua jarra de dedos, do Rato, que eles conseguiram identificar uma peça que tinham adquirido em leilão como sendo cerâmica francesa, e cuja identificação não lhes tinha parecido correta logo desde início.
    Há gente desta assim, curiosa e bem informada, e bem formados, que procuram não enganar nem ser enganados, e que são comuns nas feiras de velharias, onde abundam os "ceramólogos" e as "ceramólogas" ambulantes, que passam a vida a "atestar" aquilo que não conseguem, a não ser errando e fazendo passar "gato por lebre".
    Fiquei verdadeiramente encantado com estes vendedores, os quais, se conseguirem impor-se pela qualidade que os carateriza, poderão transformar as nossas feiras em locais aprazíveis, onde os incautos não se sintam enganados.
    Um bem haja por este seu trabalho de tão grande utilidade para esta comunidade de amantes da cerâmica
    Manel

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    1. Muito me conta. Manel! O meu ego até inchou um bocadito, e ele tem andado bastante murcho...
      Eu adoro conversar sobre faianças e porcelanas antigas, mas nem sempre encontro interlocutores dispostos a partilhar conhecimentos, pelo menos não nas feiras por aqui, salvo honrosas exceções. Acontece muitas vezes levarem a mal quando eu procuro corrigir informações erradas. Mas ainda me aconteceu recentemente ser levada na conversa e comprar gato por lebre, isto é, comprar uma peça com uns 30 a 50 anos a pensar que teria pelo menos 100, com preço a condizer!
      Aqui para os meus lados não sei se há vendedores que conheçam o meu blogue, pelo menos não me reconhecem ou nunca me falaram do assunto.
      Mas ainda bem que o blogue já foi útil para esclarecer dúvidas sobre faiança.
      Obrigada pelas suas palavras.
      Um abraço

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  4. Querida M. Andrade,
    Paz e Bem e Saúde também.
    Algumas vezes fica difícil fazer um comentário que se aproveite. Vários motivos: por desconhecer o assunto (maioria das vezes, no meu caso; arranho um pouquinho em Arte Sacra e agora quero tentar com as Louças), boas e relevantes observações já feitas, etc.
    Mas já disse para todos que visito e repito que não deixo de visitar os Blogs conhecidos. A ausência, muitas vezes, é só dos comentários.
    Há então outras funções do comentário: um cumprimento, um alô...
    E neste caso, se não fazemos com mais freqüência é pela correria da vida, pequenos problemas, etc.
    Por estes dias mesmo estou meio enfermo e bastante devagar com as coisas que gosto.
    Mas vamos tentar:
    1- Gosto muito da louça Carvalhinho. Era o que podia comprar do “Porto”. Santo Antônio nem pensar... Adoro aquela garrafa “bota para todos” de tampa rosqueada.
    Então acabei gostando; e tenho algumas peças com pelo menos dois carimbos: redondo e retangular do centenário (aproximado pelo sei). Tenho dois medalhões que acho interessante por trazer paisagens das montanhas do Estado do Rio.
    2- Este seu pote lembrou-me um pouco as tais “mangas” de farmácia; sempre tão caras por aqui. Aí também?
    3- E por fim: louça azul já tem o jogo ganho é só se apresentar.

    Um Abração.
    Amarildo
    Queria que a Seleção portuguesa fosse mais adiante, apesar de não ser tão ligado em esportes.

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  5. Meu caro Amarildo
    Afinal a sua visita foi muito mais do que um simples "alô", que seria muito bem-vindo de qualquer maneira. Muito obrigada.
    Não leve a mal a demora em lhe responder, mas tenho andado bastante afastada deste mundo dos blogues, não consigo ser assídua como era dantes...
    Tem razão, a faiança azul e branca tem sempore grande poder de atração e gostei de saber que aprecia a louça Carvalhinho. Apesar de não ser muito antiga a que geralmente aparece com os carimbos verdes, é faiança de boa qualidade e com pinturas muito bonitas. Das peças que tenho - algumas já mostrei aqui no blogue - as minhas preferidas são as que têm a aba vazada, mas nenhuma com dois carimbos. Esses medalhões que refere eu não conheço, devem ser peças bem especiais!
    Mais uma vez obrigada pelo comentário e pelo carinho.
    Um grande abraço e apareça sempre.

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  6. Querida María
    Veo que hace un tiempo que no publicas nada ,espero quesolo sea un descanso y que todo te vaya bien
    Un Beso

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    1. Muito obrigada pelo teu cuidado querida Princesa.
      A minha vida alterou-se, tenho dificuldade em gerir este novo tempo e falta-me disponibilidade para o blogue, mas de resto estou bem.
      Tudo de bom para ti. Beijos

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