Há cerca de um mês, o LuísY do blogue Velharias apresentou um post sobre um pequeno móvel e daí partiu para considerações, que bem ilustrou, sobre a utilização em Portugal, durante séculos, de pequenos móveis de estrado nas dependências da casa reservadas aos lavores femininos.
Nesse estrado, devidamente revestido a tapeçaria, as mulheres da casa sentavam-se entre almofadas e pequenos móveis e aí se dedicavam à costura, aos bordados, às rendas e talvez também lessem em conjunto ou rezassem.
O Luís ilustrou esse ambiente com a magnífica pintura de Josefa de Óbidos (1630-1684) "Casamento Místico de Santa Catarina" do Museu Nacional de Arte Antiga.
Também da Josefa de Óbidos é esta "Anunciação" em que se vê Maria ajoelhada num desses estrados, ao lado de uma banqueta com um livro aberto, o que significa que, aos olhos seiscentistas da Josefa de Óbidos, a Virgem estaria a ler em cima do estrado quando foi visitada pelo anjo...
Vi mais uma vez esse ambiente recriado numa recente visita ao MUDE em Lisboa para visitar a exposição “M & M. MNAA & MUDE / MUDE & MNAA. Artes e Design”. Lá estava o estrado com a tapeçaria, os almofadões e a pequena mesa de costura vindos do Museu Nacional de Arte Antiga.
Sempre tive, como qualquer mulher da minha geração, pequenas caixas com divisórias para guardar linhas, agulhas, fitas, molas e colchetes, para não falar das caixas cheias de botões, enfim um nunca acabar daquelas coisas que achamos necessárias para fazer pequenos arranjos de roupa em casa. Mas ficava deslumbrada com as caixas de costura grandes, em madeira, e nunca me tinha disposto a adquirir nenhuma.
Só há pouco mais de um ano, numa feira, vi uma que me encantou, já não tanto a pensar na costura mas na quinquilharia de loiça que ando sempre a comprar e precisa de ser guardada.
Claro que não é um móvel de estrado, aliás é grande como caixa embora pequena como móvel, mas pertence ao mesmo mundo dos lavores femininos.
Eu é que já não me dedico muito a esses trabalhos e então guardo nesta caixa pratos de faiança inglesa que vão sendo destronados por outros que tenho expostos.
As linhas deste pequeno móvel são Arte Deco e veja-se o pormenor dos puxadores metálicos e esféricos, sendo feito em madeira de umbila - uma madeira moçambicana bastante dura, segundo me disseram as senhoras a quem o comprei.
Voltando à nossa Josefa de Óbidos, ou Josefa de Ayala, cuja pintura reflete bem uma visão do mundo muito feminina, não podia deixar de mostrar aqui uma obra que me impressionou entre muitas outras que vi numa magnífica exposição patente no Museu Gulbenkian no ano passado: "A Perspectiva das Coisas - A Natureza-Morta na Europa".
É esta natureza-morta, onde estão bem ilustradas outras prendas tradicionalmente femininas, não as da costura e lavores, mas as da confeção de doçarias e a forma requintada e festiva de as apresentar sobre uma mesa.
Penso que só umas mãos de mulher poderiam ter criado uma composição como esta, com esta riqueza de pormenores e esta profusão de flores. Aqui também se vêem caixas, maiores e mais pequenas, forradas com papéis recortados, certamente para ofertas ou venda de doces a partir dos conventos femininos.
A exposição tinha vários núcleos, mas este das doçarias era um verdadeiro festim para o olhar.
Também apreciei demoradamente os pormenores da loiça, vidros e outros objetos, alguns preciosos, retratados em algumas telas.
Que linda peça. em sua simplicidade e funcionalidade. E que excelente novo uso você conseguiu para ela!
ResponderEliminarabraços
Pois é Fábio, quem vai acumulando muitas peças de loiça em casa, como é o meu caso e também o seu :) tem que andar sempre a pensar em soluções para as guardar.
ResponderEliminarTambém gostaria de ter este pequeno móvel cheio dos artigos para que foi criado, mas dá-me mais jeito assim... sempre leva mais uns pratos ;)
Um abraço
Querida María
ResponderEliminarTengo una caja de costura repleta de hilos ,agujas,botones,lazos...nunca consigo tenerla ordenada pero la uso casi a diario porque me gusta arreglarme mi ropa y las cosas de casa,cortinas,cojines...
No conocía a esa pintora,es cierto que sus cuadros tienen ese toque femenino
Un Beso
Cara Maria Andrade!!
ResponderEliminarAntes de mais, parabéns pela caixa e pela nova funcionalidade que lhe atribuiu. Sempre gostei destas caixas especialmente da maneira como os vários compartimentos se vão desdobrando.Esta que mostra, tem um ar muito robusto e elegante.
Sabe que estive ontem no MNAA? Curiosa a coincidência entre as referências que faz à exposição MUDE = MNAA/MNAA = MUDE e a minha visita a este museu!Vi portanto, a exposição "ao contrário" do que viu a Maria Andrade, e gostei de ver peças do design contemporâneo, integradas donde a onde, nas exposições permanentes.Neste contexto encantei-me com o vestido de penas de avestruz do Jean-Paul Gaultier, perfeitamente integrado na sala Anteno Patino:), mas...as colecções de faianças e porcelanas,deixaram-me em extâse :)
Abraços
Maria Paula
Olá Princesa Nadie,
ResponderEliminarEsta pintora portuguesa do século XVII é um pouco espanhola pois nasceu em Sevilha de pai português, mas veio para Portugal com 4 anos.
O pai era também pintor, natural de Óbidos,uma terra muito antiga e bem preservada, cerca de 80Km a norte de Lisboa, que vale a pena visitar. Ele foi trabalhar algum tempo para Sevilha e aí se casou com uma senhora espanhola, a mãe de Josefa, que ficou conhecida por Josefa de Óbidos por ter feito toda a sua vida na vila de Óbidos, a terra do pai, mas o nome completo era Josefa de Ayala Figueira.
Tem pinturas lindíssimas, vale a pena fazer uma pesquisa na internet para ver as suas telas.
Beijos
Olá Maria Paula,
ResponderEliminarRealmente tem havido alguma coincidência entre os meus posts e as suas experiências recentes... :)
Para quem gosta de faiança e de porcelana, a coleção de cerâmica do MNAA é um regalo para os olhos. Mas tem mais perto de si o Museu Soares dos Reis que também tem uma importante coleção, sobretudo de faiança do Norte.
Eu quando vou a Lisboa ou ao Porto, não me canso de revisitar estes museus... e outros que tenham boas coleções de porcelana ou de faiança. Ainda no Porto recomendo-lhe a Casa-Museu Guerra Junqueiro, junto à Sé, não sei se conhece.
Já sei que está de férias, por isso desejo-lhe uns bons dias de descanso, ou de belos passeios, que são também uma boa forma de descansar... o espírito!
Beijos
Ola Maria Andrade!
ResponderEliminarBonita caixa! Nunca vi nenhuma infelizmente... E mais fui criado por uma costureira... É dos anos 30/40?
Bela utilidade que lhe deu =D
Já foi restaurada? Está em optimo estado!
um abraço
Flávio Teixeira
Olá Flávio,
ResponderEliminarSim, acredito que esta caixa de costura seja dos anos 40, pelas linhas ainda ao estilo Arte Déco.
Penso que não foi restaurada, mas é muito sólida e talvez tenha tido pouco uso.
Admira-me não conhecer este tipo de caixa, porque vêem-se muitas pelas feiras, embora bastante mais pequenas.
As costureiras certamente não as usavam, não eram destinadas a profissionais da costura, seriam pequenas para isso, mas apenas a uso doméstico.
Um abraço e apareça sempre.
Ola Maria Andrade
ResponderEliminarOlhe por cá nunca vi nenhuma em feiras... E eu tenho um olhar bastante atento.. Nunca vi.. Aqui é imensas loiças de Sacavém e mobiliário... É o predominante e as ditas velharias tradicionais..
Flávio
Bonita a sua caixa de costura. Há uns dois anos vi uma destas caixas, com o mesmo sistema de abertura, deitada no lixo, mas não a apanhei. Estava com os meus filhos, que não gostam de ver o pai a apanhar lixo na rua e depois como também não saberia onde lhe arranjar lugar, deixei-a estar, mas fiquei com pena.
ResponderEliminarHoje em dia é assim, as pessoas morrem e os descendentes não querem saber de nada e põe tudo cá fora no lixo.
O velho mundo feminino das caixas de costura vai desaparecendo.
Se se fizer uma leitura atenta, a pintura é uma belíssima fonte para a história dos costumes, do mobiliário de dos tapetes. O tapete da Anunciação da Josefa é uma representação realista de um tapete persa ou indiano. No MNAA foi feita há pouco tempo uma exposição que estabelecia um paralelismo entre a pintura e a colecção de tapetes orientais do Museu
Nas naturezas mortas, encontramos vidros, barros e faianças do século XVII absolutamente magníficos.
Vi a exposição do MUDE no MNAA, mas confesso que o vestido do Gaultier na sala Patino não me convenceu de todo, aliás todas aquelas peças de design ainda me pareceram mais ordinárias junto às obras de arte da colecção do Museu Nacional de Arte Antiga. Enquanto as primeiras são de plástico, cartão ou esferovite, as segundas são de pau-santo, prata e seda. Mas a ideia da exposição era chamar o público jovem do design ao Museu de Arte Antiga, que é maioritariamente frequentado por velhos e turistas. Enfim, pode ser que a garotada pindérica do design passe a apreciar coisas realmente boas.
Abraço
Olá Luís,
ResponderEliminarTambém já me aconteceu ter que vencer a oposição familiar para trazer para casa objetos deixados junto aos contentores. Uma vez trouxe um caixote com livros onde até primeiras edições de autores portugueses havia... A última coisa que trouxe foi um quadro, com uma estampa bonita, embora recente, o vidro intacto e uma bela moldura.
Vá-se lá saber porque é que as pessoas se desfazem destas coisas...
Às vezes não trago e fico com pena, como lhe aconteceu com a caixa de costura.
Felizmente os meus filhos já passaram essa fase da adolescência ou pré-adolescência em que ficavam muito embaraçados com os pais em situações do "parece mal". Agora o problema é mais a acumulação de objetos em casa...
Da última vez que fui ao MNAA estavam lá as peças do MUDE, mas estavam espalhadas pelas salas e não me detive a apreciá-las. Dessa vez nem sequer fui à sala Patino, por isso não vi o vestido Gaultier, mas devia ser coisa com algum impacto visual. E se a intenção da exposição foi atrair a atenção do pessoal mais jovem para a magnífica coleção do MNAA, foi uma ótima ideia.
Também achei com muito interesse esse estudo comparado que foi feito entre as tapeçarias que aparecem na pintura antiga e as coleções do MNAA.
Abraços