terça-feira, 29 de janeiro de 2013

"Études de la Nature"



Já há muito tempo que aqui não trazia um dos meus livros antigos que exigia trabalho de restauro.  
Confesso que tenho andado um tanto desmotivada para esta área por causa de um exemplar que trago em mãos há mais de um ano e ainda não consegui acabar de restaurar. As várias interrupções forçadas, primeiro devido a uma digitalização mal feita das páginas em falta (que quase me fez partir para a encadernação sem completar os cadernos), depois o aparecimento de uma outra possibilidade que se fez esperar, depois a hesitação entre processos de trabalho... tudo isto foi concorrendo para perda de entusiasmo e um certo afastamento  da atividade de conservação e restauro de livros.


Enfim, adiante. Desta vez, como o título indica,  trago mais um volume de uma obra sobre a natureza, como já o tinha feito com a Histoire des Oiseaux de Buffon, só que de um outro autor francês do século XVIII, Jacques-Bernardin-Henri de Saint-Pierre (1737-1814), sendo desta vez um volume dedicado sobretudo às plantas e com ilustrações a elas referentes. Esta edição, datada de 1792, é já a quarta de uma obra que saiu a lume em 1784.



Mas, antes de mais, quem é este senhor com um nome tão sonante? Nem mais nem menos do que o autor do romance Paulo e Virgínia, escrito em 1787, que se tornou um  dos  mais populares do século XIX, não podendo faltar na biblioteca caseira de qualquer donzela dada à leitura.

Jacques-Bernardin-Henri de Saint-Pierre

Apesar de filho do pensamento iluminista e de ser muito influenciado pelas teorias de J. J. Rousseau, o romance apresenta um enredo muito ao gosto do romantismo emergente - um amor adolescente com desfecho trágico, passado na ilha Maurício,  num cenário idílico de natureza exuberante. Foi até citado por vários autores do século XIX em relação  com as suas protagonistas sonhadoras e sentimentais. Estou a lembrar-me de António Feliciano de Castilho, cuja heroína do romance bairradino Mil e Um Mistérios (1845), a jovem Angélica,  tem o quarto forrado a papel francês com cenas de Paulo e Virgínia; de Júlio Dinis que em Uma Família Inglesa (1868) refere o romance como possível leitura de uma das jovens protagonistas; ou  de Gustave Flaubert, cuja Emma Bovary procura para si um amor semelhante ao de Paulo por Virgínia...

Études de la Nature com a sua capa original

Voltando a este meu livro sobre a natureza, trata-se do terceiro volume de uma obra que, sei agora, era de seis volumes, embora na primeira edição fossem apenas três. Ao folheá-lo, deparei-me com três belas gravuras em folhas desdobráveis, em perfeito estado de conservação, como aliás todos os cadernos, e foi isso que me levou a querer salvá-lo da ruína completa. Haveria mais ilustrações, faltam pelo menos as duas primeiras, mas sabemos como tem sido prática corrente arrancar as gravuras dos livros antigos e vendê-las em separado.



Não tem quaisquer picos de traça ou falta de páginas, mas  estava a necessitar de  limpeza e a capa tinha de ser substituída.
Desta vez, tendo materiais e algumas ferramentas em casa - esta mania de encadernar e de restaurar livros já vem de família ;) -  meti mãos à obra sem qualquer supervisão.

As guardas da capa tiveram que ser descoladas e limpas

A nova capa foi cortada a partir de uma pele de carneira inteira


A pele a ser chifrada para ficar mais fina, embora sem a ferramenta adequada 





Prensagem depois de colada a capa nova sobre a original


O livro restaurado, o de cima com a pele nova, junto à prensa de madeira















A prensa, uma das que o meu pai utilizava para encadernar os livros, também já é uma velharia, toda em madeira, ao contrário das mais recentes que têm as roscas em metal.
Agora só falta embelezar a lombada com a aplicação dos rótulos e outros ornatos com os ferros de dourar, mas isso são operações que só posso concluir numa ida à Oficina de Conservação e Restauro na Rua da Alegria em Coimbra. Espero fazê-lo brevemente e depois acrescento aqui a(s) foto(s).

Alguns dias depois... elas aqui estão!

Lombada a ser dourada na prensa de dourador
Livro concluído e encerado 
                                                                                            

10 comentários:

  1. Dear Maria,
    how interesting to see such an old book. The restauration of such books is a special work and artistry. I love such nature books with engravings from plants. Thank you for sharing.
    Best greetings, Johanna

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    1. Hi Johanna,
      Bookbinding and book restoration is an old passion of mine, but it is specialised work and very time-consuming! I love old books, especially when they have engravings like this one, and I've been collecting a few...
      Thanks for your visit and nice words.
      Hugs

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  2. Gosto, do princípio ao fim, destes seu posts transversais a vários assuntos. Este toca-me particularmente, pois gosto muito de gravuras relacionadas com botânica.É simplesmente um gosto, pois não tenho conhecimentos absolutamente nenhuns nesta área.
    Está de parabéns pelo trabalho de restauro que nos mostra aqui passo a passo. Já não é nenhuma aprendiz:)
    Beijos e uma boa semana.

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    1. Olá Maria Paula,
      Fico muito satisfeita por ter gostado deste post.
      Estas minhas divagações não devem interessar a muita gente, mas tal como a Maria Paula, tenho o blogue para escrever sobre as coisas de que gosto e estes assuntos entusiasmam-me deveras!
      O trabalho de restauro, neste caso mais até de encadernação, ainda não está perfeito, por exemplo fiz cortes a mais na capa e até já tirei daqui a foto para não induzir ninguém em erro. ;)
      Sabe que é um trabalho cheio de pormenores e só muita prática se domina a cena toda. Mas aos poucos a coisa vai melhorando...
      Um beijinho e obrigada pelo incentivo.

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  3. Oh my Maria, you are one lady of many talents and great taste! The restoration of old books is an art and one of my favorite things, are antique or vintage books. Thank you for sharing lovely lady. Big hugs,
    FABBY

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    1. Dear Fabby,
      My "many talents" as you kindly say, are just a little reflection of my love for antiques. I'm still learning...
      Thanks for your visit.
      Hugs

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  4. Tal como a Maria Paula, os livros sobre Botânica, especialmente os mais antigos, com este tipo de estampas elucidativas, são os meus favoritos.
    Sempre os tentei adquirir, desde que a preço razoável, o que consegui com alguns exemplares. Sem qualquer razão explicável, a isso me sinto compelido.
    Talvez me recorde uma senhora, religiosa, que lecionava Ciências Naturais, que, à altura, incluía um capítulo mais aprofundado de Botânica.
    A senhora, uma castelhana ainda jovem e com uma beleza quase nórdica (tinha acabado de fazer o noviciado), deveria ser uma amante deste capítulo, pois alongava-se nele, levava-nos a grandes passeios pelo campo para recolha de espécimes, que, antes de constituirem os nossos herbários, eram inicialmente sujeitos ao desenho, paciente e demorado, muitas vezes com vistas ao microscópio, e que me dava um prazer profundo.
    Lembro com profundo prazer aquelas tardes tranquilas, passadas na natureza, ou à roda do desenho, que depois, os finais, destinados igualmente ao herbário, eram aguarelados.
    Aprendi infinitamente mais como disciplinar a linha e a coloração do que em muitos anos de frequência da disciplina de Desenho, que era, regra geral, um aborrecimento; nunca tinha a hipótese de fazê-lo a partir da simples observação! Sempre aqueles traçados geométricos, até à exaustão, e a cópia de desenhos que vinham no manual!!!!! Quando não nos colocavam uma qualquer jarra pífia, para que a desenhássemos e ... desapareciam da aula! Nunca uma metade ficava igual à outra!
    A forma mais horrível de aprender a arte do desenho!!!!!

    Gosto imenso deste seu trabalho, paciente, de reconstrução do livro, uma nova hipótese de vida para uma obra que, doutra forma, estaria condenada ao recorte e venda a retalho.
    Tenho alguma pena de já não ter tempo para mais nada, pois é uma arte que me agrada muitíssimo, mas, a certa altura, devemos optar pelas nossas áreas de especialização.
    Um bom final de semana, que já espreita
    Manel

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    1. Manel, também eu adorava essas aulas de Botânica em que saíamos da sala de aula e íamos para o campo apanhar plantas para o herbário. Depois tínhamos que as secar com todo o cuidado, sobretudo as flores, para ficarem com o melhor aspeto possível nas páginas do herbário. Mas não incluia essa parte de desenho e também não me lembro de ver os espécimes ao microscópio. Havia era muito cuidado na legendagem e na disposição dos exemplares em cada página, lembro-me que todos nos empenhávamos o mais possível naquele trabalho, que era a exceção na monotonia e rigidez da maioria das aulas... incluindo as que recorda aqui do desenho à vista!!!
      Agora este trabalho com os livros é realmente gratificante, exige é muito tempo e eu por incrível que pareça (ou não...) tenho cada vez menos!
      Obrigada por partilhar aqui estas suas ricas memórias.
      Um bom fim de semana também para si.

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  5. Maria Andrade

    Embora tenha já trabalhado com livro antigo, nunca aprendi a restaura-lo e tenho pena. Mas agora, estou muito cegueta para trabalhos de minúcia. Mas fiquei admirado com os seus conhecimentos técnicos e mestria. Realizou uma bonita encadernação em carneira, muito de acordo com a época do livro.

    Não Sabia que o autor de Paulo e Vírginia também se tinha dedicado à botânica. Mas faz sentido. De facto naquele romance, a natureza de uma ilha tropical, paradisíaca, está sempre presente.

    bjos

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    1. Luís, muito obrigada por essa dos conhecimentos técnicos e mestria, mas não me sinto ainda nada "experta" nesta área. É que são tantas pequenas operações cheias de minúcia, que é difícil ganhar-se prática em cada uma delas. Mas lá vou tentando avançar...
      Quanto a este autor, era mesmo um homem do seu tempo, escrevendo nestes Études de la Nature sobre questões filosóficas e na área das Ciências Naturais, não só de Botânica. Mesmo neste volume, tem capítulos sobre o homem, as relações humanas e questões morais, a forma como apreendemos a realidade pelos sentidos... E o seu famoso romance reflete experiência pessoal duma viagem à ilha Maurício, para desenvolver estudos sobre a natureza. Bem, está tudo ligado...
      Um abraço

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