sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Meninas... na faiança coimbrã



Hoje é dia de meninas, ou melhor, hoje o meu poste só podia falar de meninas! ;-)
Estas que aqui trago são o motivo central de peças de  faiança popular coimbrã, a faiança que se produziu em numerosas oficinas de olaria, em Coimbra e na região envolvente, incluindo, no extremo oeste, a Figueira da Foz.


Aqui estão elas ao centro de um prato grande (28 cm de diâmetro) com cercadura floral sobre filete amarelo, como é muito típico desta faiança do final do século XIX e início do XX. A decoração foi pintada sobre estampilha, mas parece que algo correu mal com a menina da esquerda porque ficou sem um dos braços! 


É um pormenor que se pode constatar por comparação com um par muito semelhante de meninas, com a mesma indumentária e adereços, mas neste caso de braço dado.


Estas decoram um dos chamados "pratos falantes", no seu tamanho habitual (23 cm) e legendado de acordo com a  cena, com a inscrição "Illusões da infancia". É bastante mais rústico que o anterior, sobretudo na pasta, mas também na pintura do desenho, por muito descuidada que tenha sido a do primeiro.


Uma das perplexidades que este motivo pode causar aos nossos olhos do século XXI, numa quadra em que as crianças são mimoseadas com brinquedos sofisticados cheios de botões, luz e som, é que, sendo meninas bem vestidas, uma até usa chapéu, e bem calçadas, a sugerir pertença a uma classe social desafogada, limitam-se a apresentar como brinquedo um arco e um pau. Na minha infância esse era um brinquedo de rapazes, mas de rapazes que corriam descalços, mesmo assim felizes e contentes, atrás do arco que rolava e era guiado ou acelerado com a ajuda do pauzito...
Depreendo  que nesta altura mais recuada também as raparigas assim brincavam.
Seja como for, este deve ter sido um motivo com bastante popularidade na faiança de Coimbra porque, para além destes pratos, conheço outros dois com meninas a brincar com o arco, sendo um deles do acervo do Museu Nacional Machado de Castro.

Prato do Museu Nacional Machado de Castro, atribuído a Coimbra e datado de 1875-1900

É pena a fotografia ter ficado com todo este reflexo, mas percebe-se bem que são duas meninas e uma vai a correr com o arco.
Também o Museu Municipal Santos Rocha, na Figueira da Foz, conta com uma razoável quantidade da chamada faiança de Coimbra, particularmente de pratos falantes, mas... nas reservas. Esses julgo poderem, com alguma segurança, ser atribuídos a olarias da Figueira da Foz, como a Cerâmica e Exportadora Limitada, no Senhor da Arieira, Tavarede, já que numa notícia do bi-semanário "O Figueirense" de Setembro de 1922, refere-se essa unidade fabril da seguinte maneira:


Certamente não foram estes os pioneiros no fabrico deste tipo de loiça, mas como se trata de faiança muito raramente marcada, ficamos pelo menos a conhecer o nome de uma das fábricas que a produziu, a "Cerâmica e Exportadora Limitada".

26 comentários:

  1. Uma postagem certamente original e deliciosa! A menina da esquerda, em ambas versões, é um ser um tanto estranho, coitada! Parece até ter saido do filme Freaks, de 1932.
    De toda forma, depois de ter experimentado na Oficina da Formiga, do caro amigo Jorge Saraiva, a criação e uso de estampilhas, não posso deixar de ter vontade de aplaudir os artesãos do passado, pela paciência e maestria na elaboração deste tipo de decoração!
    abraços

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    1. Olá Fábio,
      Com a pressa, acabei de perder o comentário que já tinha feito :(
      Dizia eu que com a sua experiência recente com estampilhas na decoração de faiança na "Oficina da Formiga" já pode ver estas coisas com outros olhos. Como resultou tão bem, será que vai continuar?
      Não sei se o problema com estas meninas - realmente um pouco "freaks", coitaditas - foi na a elaboração das estampilhas ou na sua aplicação, mas de qualquer maneira o resultado é sempre agradável, são pormenores que até lhe dão uma certa graça, não acha? :)
      Beijos

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    2. Sim! Uma das coisas que mais gosto nesta forma de decoração de faiança é s impossibilidade de se fazer 2 peças absolutamente iguais, e a imprevisibilidade do processo. Antes da queima, parece que será uma coisa, depois da queima, o resultado te surpreende.
      E além disso, o que para muitos seriam "defeitos", como o que dá charme às meninas em questão, para mim é justamente o que testemunha a mão humana, o fato de que alguém dedicou tempo e labor na peça, e isso fica registrado nos acertos e erros. E isto torna cada peça única.
      b'jinhos

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    3. Penso da mesma maneira, em relação a estes "defeitos", mas não o conseguiria exprimir tão bem como o Fábio o fez aqui. Vejo que há muito entusiasmo envolvido e fico feliz por isso!
      Beijos

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  2. Gostei muito de ler este registo. Os pratos falantes são deliciosos. Estive no Museu Municipal Santos Rocha, na Figueira da Foz mas não vi a faiança. Tenho que voltar.
    Boa noite!:))

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    1. Ana,
      Ainda bem que gostou dos pratos e de ler sobre eles. Ainda se vai tornar numa entusiasta destas coisas ;).
      Quanto ao Museu Santos Rocha, a cerâmica está toda nas reservas, mas estão a tentar organizar o espaço de forma a tornar uma parte visitável. Torço por isso...
      Um abraço

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  3. Preciosas esas niñas.
    Los platos decorados me encantan y si son antiguos aún mas
    Un Beso

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    1. Sim, Princesa, estes pratos já têm muitos anos, o primeiro parece-me o mais recente, mas em qualquer deles também acho as meninas encantadoras.
      Um grande abraço

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  4. Estas suas escavações arqueológicas na imprensa são formidáveis e estão a ser profícuas! Mais uma fábrica de que nem sequer tinha ouvido falar.

    Falei com o Fábio sobre o trabalho que ele desenvolveu nas instalações da fábrica da Formiga, em conjunto com o seu dono, o estimável J. Saraiva, e creio que o nosso amigo brasileiro realmente achou a experiência fantástica, pois, e ainda segundo ele,, aprendeu imenso, sobretudo neste processo do uso do stencil recortado; e eu, que sou um leigo nestes processos, dei conta que há muito "know how" envolvido, o que o Fábio corrobora, visto a necessidade de rigor e paciência que dificultam o processo, para não falar posteriormente no aspeto cromático, pois aquilo que se pinta, depois da cozedura, surpreende pela diferença do que se tinha feito de início. E estamos a falar de fornos modernos, com temperaturas controladas, não quero nem imaginar o que aconteceria com os fornos artesanais que se baseava no conhecimento de alguém mais conhecedor, mas que, na falta deste elemento ... "après moi le déluge" seria a célebre frase de luís XV (se bem que a vejo mais na boca de Madame de Pompadour) que melhor se aplicaria.
    Claro que para pessoas com muita experiência, como deverá ter sido o caso dos profissionais que sempre trabalharam no ramo, a tarefa deverá ser mais simplificada, no entanto sempre deve exigir uma perícia e uma paciência sem limites, para não falar da criatividade, que essa é importante para marcar a diferença.
    Vi alguma coisa do que foi produzido pelo Fábio e pelo J. Saraiva, e fiquei absolutamente surpreendido pela qualidade do trabalho de ambos. Trabalham de forma profissional!
    Mas, e tal como o Fábio, fico mais encantado com os defeitos que com o que é expectável do rigor utilizado.
    Bem entendido, uma boa base rigorosa pareceu-me fundamental, a par dos conhecimentos sobre as técnicas, materiais e procedimentos, mas aquele lado que escapa a este rigor, e que leva o pintor a enveredar por "mares nunca antes navegados" fez a beleza das nossas faianças, que nunca nos deixam de surpreender, como foi o caso do Cantão Popular, por exemplo, para citar só um padrão.

    Estes pratos são muito singelos, mas o desenho é inspirador.
    Gostei imenso deles.
    Espero que já esteja tudo bem pela sua casa, e que as coisas regressem à rotina, que, afinal, é o que nos traz tranquilidade.
    Assim sendo, desejo-vos um bom ano, pois nunca o é em demasia

    Abraço

    Manel

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    1. Exato Manel! É isso mesmo que eu penso! E estamos a falar de fornos modernos, elétricos, com temperaturas super constantes, pigmentos industriais, chacotas feitas com rigor técnico, vidrados precisos e muito bem fabricados, com rigor de laboratório. E mesmo assim, é sempre uma surpresa o que vai sair do forno!
      Imagina nos tempos de fornos à lenha, vernizes e tintas produzidas totalmente à mão, e talvez, "no olho"... Por isso que sinto muita vontade de aplaudir estes mestres do passado!!
      abraços

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    2. É verdade, Manel, a imprensa local pode ser uma boa ajuda na referenciação destas pequenas empresas cerâmicas. Afinal sabemos que houve muitas na região centro, mas depois poucos nomes aparecem.
      Quanto aos aspetos técnicos do fabrico e da decoração, confesso que é uma área que nunca me interessou muito, acho que é para os profissionais do ramo, e no início nem sequer distinguia os vários processos de decoração. Sou uma mulher mais da história do que da técnica :) mas adorei saber da experiência do Fábio com o J. Saraiva e sobretudo achei belíssimas as criações dele na Oficina da Formiga. Acho até que é esse o caminho que devem seguir estas oficinas de cerâmica artesanal, inovar nas formas e nas decoraçôes, em vez de, como muitas, se dedicarem apenas a fazer cópias do antigo que, se sairem sem marca, podem induzir em erro muita gente...
      Percebo o entusiasmo do Fábio e espero que ele continue a desenvolver a sua capacidade artística neste tipo de trabalhos.
      Aqui por casa, ainda não regressou a tranquilidade e a rotina, mas o nascimento da Catarina motivou-me a fazer este poste com meninas... e outros se seguirão.
      Obrigada e um abraço

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    3. Os meus parabéns aos pais da Catarina, que se estendem igualmente aos avós. Fico encantado pela informação :-)
      Manel

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    4. Obrigada, Manel.
      Foi uma alegria para todos! Embora longe de nós, veio compensar os últimos tempos de sufoco...

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  5. Dear Maria,
    its nice to see the girls playing on the pottery decoration. It was interesting to see the different samles. I wish you a very Happy New Year, dear friend.
    Best greetings,
    Johanna + Wiski

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    1. Dear Johanna,
      I'm glad you liked this naive decoration on Portuguese pottery.
      Thanks for your visit and good wishes for New Year.
      Likewise, I wish you all the best for 2014, never forgetting your great companion, sweet Wiski cat.
      Hugs

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  6. As meninas, nos seus trajes domingueiros, divertem-se num qualquer parque da cidade, com o arco na mão e em passo de dança. O prato falante, com a inscrição "Illusões da infancia",demonstra, quer a sua inocência da sua brincadeira, quer a gentileza do pintor que tão bem as retratou.
    Dava um estudo interessante interpretar as inscrições destas peças, à luz da sociedade da época.
    Parabéns à avó pela sua Catarina.
    Um abraço
    if

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    1. Muito obrigada pelas felicitações, cara amiga.
      Em relação à indumentária das meninas, acho sobretudo muita graça ao chapéu das da direita, com aquelas pontas no ar que devem ser as fitas e laços. Também é um pormenor interessante a grafia das palavras na inscrição do prato falante e o próprio termo utilizado, sugerindo a vida despreocupada e o mundo de ilusões que vivemos na infância.
      Quando voltar ao Museu Santos Rocha, vou tentar fazer um levantamento das legendas dos pratos falantes que lá vi.
      Um abraço

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  7. bonitas as suas peças , eu tenho uma enorme coleçao de faianças portuguesas com brasao real , bom ano 2014

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    1. Boa noite, Paulo Ferreira, e muito obrigada pela visita.
      Penso que é sua a coleção de faianças com coroa que visitei on line seguindo o link que foi deixado há dias num comentário. É uma magnífica coleção e só tive pena que não houvesse legendagem ou qualquer referência ao local de fabrico, mesmo por aproximação ou hipótese.
      Um bom ano também para si.

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  8. Os seus comentadores roubaram-me as deixas todas! Enfim, é o meu castigo para chegar no fim.

    Acho graça a esses pratos nostálgicos com as meninas da boa burguesia do início do Século XIX. São muito ingénuos e como o Fábio diz, ainda que saídos da mesma oficina, cada prato nunca é igual e é nessas diferenças que reside o seu encanto. E essas pequenas diferenças em cada exemplar distinguem estes produtos populares, vendidos a baixo custo, da produção em massa feita pelos chineses, em que tudo é igual, banal e triste.



    Bjos

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    1. Finalmente, Luís, consegui vir aqui dar uma palavrinha...
      Para mim, o grande encanto destas faianças populares é despertarem-me muito a curiosidade sobre o contexto em que foram fabricadas, deixarem-me com perguntas sem resposta. Por exemplo, em relação aos dois pratos com o mesmo par de meninas, o segundo mais tosco do que o primeiro, pergunto-me se serão da mesma época mas de fabrico diferente ou se o primeiro é uma cópia mais refinada do rústico prato falante... São essas histórias por desvendar e a sua qualidade de produtos únicos que também para mim constituem o grande atrativo.
      Um abraço

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  10. Prezada Maria A.


    Paz e Bem.

    Peço licença para entrar aqui e fazer minha humilde apreciação. Este seu Blog, juntamente com o do Luís e o da Isabel são os que mais aparecem ou chamam a atenção quando se procura por "faiança portuguesa".
    Sou um colecionador (bem amador) de Arte Sacra e agora estou tentando ter junto a mim um pouco de louças "velhas" de que gosto tanto. Se forem do belo e velho Portugal, melhor ainda. E como tenho pouca coisa, este seu Blog bem cuidado (aqueles tb) é uma fonte segura e cheia de paixão para quem quer se informar sobre louças portuguesas. Parabéns.

    Estes pratos "falantes" são uma graça e retratam tanto de nosso querido passado.

    Estou tentando manter um blog tb. Quando puder, de uma olhadinha. Tem pouca coisa ainda. Sou lento na rede e uso câmara emprestada... :
    http://velhariasdomaurinho.blogspot.com.br/

    Um abraço brasileiro.

    Amarildo

    PS. Mania de não revisar antes de publicar... Desculpe-me.

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    1. Caro Amarildo
      Agradeço muito a sua visita e a sua apreciação tão simpática em relação ao blogue. Sei que estou em falta para consigo com o meu silêncio, mas nos últimos meses tenho tido uma experiência familiar tão dolorosa que não consigo vencer um certo marasmo que se apoderou de mim para manter a escrita aqui no blogue. Ver o Luís no programa de televisão fez-me despertar um pouco para este nosso mundo, que eu tanto prezava, mas ao qual não sei quando poderei regressar.
      Vou tentar acompanhar o seu novo blogue, com peças interessantes de arte sacra e outras, mas gostei sobretudo dos bordado antigos que tinha publicado há tempos no outro espaço.
      Um abraço

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    3. Prezada Maria A.
      Paz e Bem.

      Há uma Escritura que diz assim: "Deus (o sumo Bem) está perto dos corações atribulados..."
      Sei que há momentos em que palavras, e mesmo muitas atitudes, parecem insuficientes. Mas as palavras e atitudes de pessoas queridas querem transmitir algo muito maior e mais eficaz, maior que elas mesmas, que as motiva a compaixão a caridade... E as faz solidárias nas alegrias e êxitos, nas preocupações e tristezas...
      Sempre penso que o silêncio de muitos dos quais queríamos uma palavra um aceno, se deva as estes revezes da vida pelos quais todos passamos.
      Espero, de coração, que haja logo para Você e sua família um uma alternância para o Bem e a Paz. Parabéns tb pelo dia especial da Mulher.
      Obrigado e um abraço maior que o Brasil.

      Amarildo

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