quinta-feira, 8 de maio de 2014

Um "nursery plate" com abecedário


Neste início do mês de Maio em que, entre outras coisas, se celebra a maternidade - por cá já aconteceu, mas em muitos outros países, incluindo o Brasil!!!, será no próximo domingo o que lá chamam Dia das Mães - lembrei-me de trazer aqui mais um nursery plate, este dos chamados ABC plates, ilustrado com uma ternurenta cena familiar entre mãe e filha.
Como já aqui expliquei relativamente a estes pratinhos ingleses de faiança, tratava-se de ofertas com que eram premiadas as crianças que tinham bom comportamento na Sunday School, ou seja, a catequese, na época vitoriana. 


O meu primeiro nursery plate


Eram fabricados nas Potteries, as localidades oleiras de Staffordshire, sendo o auge do fabrico entre 1820 e 1860, e ilustrados com os mais diversos motivos, mas quase sempre refletindo os valores e virtudes vitorianos, procurando incuti-los desde muito cedo nas tenras cabecinhas britânicas. 


Nursery plate ilustrando uma das "Máximas de Benjamin Franklin"


Os que tinham o abecedário a toda a volta da aba, como o exemplar que hoje aqui partilho, pretendiam  ainda, como é óbvio,  ajudar na iniciação dos meninos e meninas às primeiras letras.

O motivo central era estampado, frequentemente a preto, mas também a verde, azul, castanho ou vermelho, e depois avivado com retoques coloridos à mão. No prato de hoje vê-se que o desenho da gravura, embora simples, é razoavelmente cuidado, enquanto os retoques a cores, que o tornam certamente mais atrativo aos olhos infantis,  foram feitos à pressa, sem grande atenção, uma caraterística que é comum neste tipo de faiança.
Não havendo aqui qualquer marca que permita datar o pequeno prato, começou por ser  a observação  dos pormenores do penteado da mãe que me ajudou a situar o seu fabrico com mais precisão dentro da época vitoriana (1836-1907).




Cheguei assim ao período inicial do reinado da Rainha Vitória, os anos 40 ou 50 de oitocentos, altura em que se usaram os cabelos apanhados atrás e com risco ao meio, caindo de cada lado do rosto madeixas que cobriam as orelhas e eram também apanhadas mais atrás. Um bom exemplo deste estilo vê-se na protagonista do filme "O Piano" de Jane Campion, mas também a própria Rainha Vitória exibe um penteado semelhante num quadro em que aparece com o Príncipe Alberto, em 1841.


A jovem Rainha Vitória, em casa, com o Príncipe Consorte (imagem da Wikipedia)

A mãe vitoriana do meu prato usa ainda uma touca com rendas ou véu atrás, uma peça que à época era usada pelas mulheres casadas dentro de portas. Retrata-se aqui um mundo feminino, bem doméstico, a que não faltam dois cestos, um de costura junto ao cadeirão e outro em cima da mesa em frente à janela, que me parece pronto para que mãe e filha, cedendo ao apelo do jardim que se vislumbra pela janela aberta, se ataviem para irem até lá colher flores...
Entretanto, a abençoada internet pôs-me na pista do fabricante, ao encontrar no site thepotteries.org um ABC plate com a aba, incluindo o desenho das letras, exatamente igual a este. Ao contrário do meu, é um prato marcado com o nome do fabricante, Elsmore & Son, e ainda England, o que o data de 1872-1887. Acredito, sem quaisquer certezas, que o meu exemplar seja de uma fase anterior da firma, que dava pelo nome de Elsmore  & Forster entre 1853 e 1871.

O prato marcado Elsmore & Son, England



http://en.wikipedia.org/wiki/1840s_in_Western_fashion

http://www.oldandsold.com/articles01/article453.shtml

http://southroncreations.blogspot.pt/2012/01/snoods-or-nets.html

http://www.thepotteries.org/allpotters/386.htm

10 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  2. Prezada Maria A.,

    Paz e Alegria,

    Peço, de antemão, desculpas por fazer um comentário solto, sem diretamente versar sobre seu recente post. E tb por eliminar e reescrever. Muitas vezes nos mesmos achamos meio confuso o que tentamos dizer... Já a gramática... tão bela Língua, das mais, mas tão exigente. Nem faço tanto caso mais, sobretudo com tantos acordos.

    Mas veja como são as coisas da vida e dos blogs:

    Recentemente adquiri uma Santana portuguesa de terracota (na cadeira com a Menina) e mais recentemente ainda um S. Joaquim (que ainda não chegou) português de madeira policromada e muito dourado... daquelas releituras do XVIII nas excelentes oficinas que perduraram pelo XIX desta sábia terra. Penso que se casem na altura, mas só quando juntos é que sabemos.

    Pois bem. Como sou ansioso busquei hoje na rede por imagens de Santana e S. Joaquim. E ao encontrar uma de terracota que me agradou tive a grata alegria de saber que se tratava de uma santinha sua; de um post antigo.

    Pois bem, ainda: Resolvi ler o texto e os comentários (até cheios de links) do Fábio, do Luis... e achei interessante a discussão sobre a iconografia de Santana pré e pós Trento (nem sabia que este Concílio descia à tanta minúcia). E bem interessante sua ressalva de que mesmo ante uma posição do Concílio, seu implemento efetivo, muitas vezes, se retardou tanto e até mesmo se ignorou por completo, sobretudo em querelas menores de todo tempo.

    E fiquei com tanta vontade de entrar na conversa ...mas apesar de ter o mal costume de retomar assuntos de 2 minutos atrás, entre amigos, não me atrevi a tentar alguma coisa num post tão remoto. Nem sei se os blogueiros percebem estas incursões retardadas...

    Então pensei que poderia te convidar para este assunto ou esperar uma oportunidade...

    E como estava em seu Blog resolvi ver o post atual.

    Aí, sim foi uma verdadeira surpresa. Ao olhar o fundo do primeiro prato a imagem mais forte que me veio foi a da Mãe e Vó tão doce de Santana.
    Acho que foi a cadeira e o abecedário que me recordaram a Santa Vovó de Deus.

    Depois vou voltar com calma. Parabéns pela homenagem às mães.
    Também tinha pensado em fazer algum post sobre as mães.
    Tenho ainda tantas Nossas Senhoras para postar mas tenho que revezar com louça e o que tenho do tema são os conhecidíssimos pratos de Natal da VA. Só uma parte dos 43, claro. Se fossem dos primeiros monocromáticos já estariam exibidíssimos no blog . Quem sabe um dia encontro umzinho deles..

    Um abração.

    Fiz um post com uma gravura (acho que é gravura) da S. Família. E agora , depois desta conversa bem pensei que poderia ser uma homenagem às queridas mamães...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Amarildo
      Adoro essas Sant’Anas Mestras sentadinhas na cadeira, com um livro na mão a ensinar Maria e admiro muito a coleção reunida pela Ângela Gutierrez, de que falei nesse poste de há três anos.
      A troca de ideias e de informações foi muito interessante nessa altura, como são interessantes muitas outras conversas que têm surgido neste conjunto de blogues que o Amarildo agora frequenta. E para mim é uma surpresa sempre que releio coisas escritas há muito tempo, parece que nem fui eu que estive envolvida... Se lhe apetecer comentar algo do que foi dito nesse poste, esteja à vontade e eu responderei certamente. Recebo às vezes comentários muito posteriores à data dos postes e procuro responder sempre.
      Houve uma altura em que me entusiasmava muito por Arte Sacra, mas as poucas peças que tenho em casa foram quase todas já aqui partilhadas – veja a etiqueta “Arte Sacra” aqui à direita.
      Já no seu caso a coisa é mais séria, tem adquirido boas peças e vê-se que há um gosto muito acentuado por estes objetos de arte. Fico ansiosa por ver essas imagens de Santana e de S. Joaquim que acabou de adquirir.
      Achei engraçado o paralelismo que estabeleceu entre a iconografia de Santa Ana com a menina e a cena de mãe e filha que decora o meu prato deste poste. Diferentes pares de olhos vêem sempre coisas diferentes... :)
      Obrigada por ter trazido aqui temas sempre aliciantes e motivadores.
      Um abraço

      Eliminar
  3. Maria Andrade! :) Que bom ter de novo o prazer a sua companhia desta vez com mais um belo nursery plate. Para além de um rico documento histórico estes pratos conseguem aliar a delicadeza e o tema da sua decoração aos interesses do jovem público a que se destinavam. Achei muito interessante a investigação que levou a cabo a partir do penteado do modelo da mãe. Às vezes são pormenores destes que resolvem certos enigmas. Há uns meses comprei um prato de Sarreguemines com a aba decorada com as silabas formadas por todas as consoantes, no género,ba,be,bi,bo,bu:) a parte central é também decorada com motivos alusivos às letras G e H. Será que se trata também de um nursery plate em versão francesa? Não sei se este costume de presentear as crianças da catequese com este tipo de presente foi exclusivo dos hábitos ingleses. Vou mostrá-lo brevemente.
    Bejs e bom fim de semana

    ResponderEliminar
  4. Maria Andrade, sou eu outra vez, só para desfazer o meu engano. É que o meu prato não é e Sarreguemines,mas sim de Choisy-le-Roi! :)
    Beijimhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Maria Paula
      Começando pelo fim: : )
      Estes devem ser os nomes mais conhecidos da faiança fina francesa, por isso não admira a confusão. De Choisy-le Roi conheço pratos falantes e também uns pratos curiosos com cartas de jogar, mas nunca vi exemplares destinados às crianças.
      Esse prato que comprou tinha mesmo que lhe despertar a atenção, dirigindo-se assim ao público infantil. Será o equivalente francês dos nursery plates, mas duvido que o contexto fosse semelhante. Em Inglaterra estávamos em plena Revolução Industrial, com um dos seus males maiores, o trabalho infantil em longas horas diárias. Talvez estes prémios dados na catequese fossem uma forma de aliciar crianças que trabalhavam toda a semana a irem ao domingo à Sunday School, aprender religião e algo mais certamente...
      Fico a aguardar a sua partilha de mais um pequeno tesouro.
      Beijos

      Eliminar
  5. Maria Andrade

    Gostei muito do seu post e da abordagem que escolheu para data-lo, a indumentária e os penteados. Também me parece que os trajes e penteados mostrados no seu pratinho serão da década de 40 ou 50 do século XIX. Claro, que quando falamos em moda, temos que ter sempre presente que as modas das classes superiores demoram algum tempo a chegar aos grupos mais remediados. Por exemplo, ainda hoje vemos rapazes com calças a cair mostrando as cuecas e as bainhas a arrastar, quando felizmente essa moda já passou de todo agora usam-se novamente as bainhas curtas e as calças com a cintura no sítio. Há sempre desfasamentos de alguns anos entre as modas. Nem todos os grupos sociais adoptam uma moda ao mesmo tempo. Em todo o caso, julgo que o seu palpite está correcto.

    Relativamente ao comentário da Maria Paula, não nos podemos esquecer que em França existe uma minoria significativa de protestantes, com os seus costumes próprios, muito mais sóbrios que o da maioria católica e mais próximos dos seus vizinhos ingleses ou holandeses. Ainda há pouco tempo li os Thibault do Roger Martin Du Gard onde se menciona essas diferenças entre católicos e protestantes. Será uma questão a apurar se a moda deste nursery plates chegou a França, pois poderia encontrar facilmente eco entre a minoria protestante. Enfim, já estou a delirar, pois nada sei sobre estes pratinhos.

    Mais uma vez gostei muito do seu post
    Bjos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Luís, achei graça ao exemplo que deu a propósito da maior ou menor transitoriedade da moda, realmente por aqui ainda se vêem garotos nessa ridícula figura. Em qualquer moda, há sempre os adeptos mais fervorosos que prolongam no tempo um certo estilo... :)
      Mas quanto mais recuamos no tempo, mais as modas iam naturalmente perdurando, demoravam mais tempo a instalar-se e depois também demoravam mais a passar.
      Apreciei que tenha trazido aqui os seus conhecimentos sobre a realidade francesa, que conheço mal, e é natural que também lá se tenham fabricado pratos infantis, como aqui e noutros países. Mas as Sunday Schools foram uma criação inglesa de final do séc. XVIII, no advento da Revolução Industrial, que se mantiveram quase um século como a única escola para os filhos das classes trabalhadoras, no seu único dia de folga, o domingo. Ao longo do XIX surgem noutros países anglófonos, inclusivé na Irlanda maioritariamente católica, mas não sei se também em França.
      São estas trocas de ideias a propósito de pequenos objetos que acho sempre muito estimulantes, obrigada.
      (a propósito de crianças, conheci ontem finalmente a minha brasileirinha :), um tesouro que vou ter algum tempo em minha casa... )
      Beijos

      Eliminar
  6. Ainda há bem pouco tempo encontrámos, o Luís e eu, um nursery plate na feira de Estremoz, e claro que veio logo à memória o seu post anterior.
    Não estava muito longe do que aqui mostra.
    A sua forma de datação através da indumentária e penteado da época também me parece correta.
    Mais uma vez nos habitua sempre a este rigor e conhecimento, que, não me surpreendendo, vindo de si, nunca deixa de me deixar encantado.
    Espero que continue com muitos mais destes motivos, pois conhecer um pouco mais a cerâmica inglesa nunca é demais.
    Um abraço e uma boa semana

    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois é Manel, quando escrevemos nestes meios que chegam a muita gente há que ter algum cuidado. Eu quero apenas partilhar o que vou descobrindo e que acho interessante, sem lançar falsas pistas ou induzir as pessoas em erro.
      As gravuras, incluindo estas transferidas para cerâmica, dão sempre informação preciosa sobre moda e costumes e por isso achei interessante este exercício de observação do penteado da senhora para determinar a época aproximada da gravura e do pratinho.
      Fui rever o meu livro “English Costume”, de que já aqui falei há uns dois anos, onde para além de vestuário também se ilustra muito bem os penteados e adereços de cabeça, mas como termina no reinado de George IV (1820-1830), já não encontrei nada que me ajudasse aqui e lá recorri à pesquisa na net, quase sempre muito útil.
      Obrigada e um abraço

      Eliminar