quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Santa Maria de La Antigua


Esta pintura a óleo, com uma bela moldura antiga, foi comprada há uns anos na feira de velharias de Águeda. Tinha a tela bastante engelhada e a moldura danificada e com faltas de dourado, que se via ter sido feito a folha de ouro. Tivemo-la assim em casa, sempre com a ideia de a mandar restaurar, pelo menos esticar a tela, mas foi-se adiando o projecto. Finalmente no ano passado, decidimos levá-la para as aulas de Museologia, Conservação e Restauro e foi lá que o meu marido lhe deu um jeito, com a ajuda do professor, Miguel Duque.
Primeiro foi limpa com cera de abelha , pulverizada a parte de trás com xilofene e colocada numa estufa de desinfestação durante mais de um mês. Depois tirou-se a tela da moldura e foi passada a ferro a vapor, pelo avesso, claro. A moldura levou massa nos cantos, foi pintada  no tom original, só o estritamente necessário, e foi-lhe aplicada folha de ouro nalguns frisos. Finalmente a tela foi colada em cartão pluma e recolocada na moldura. Por curiosidade, nas dobras da tela cobertas pela moldura há uns pequenos rostos de anjo, talvez ensaios que foram descartados ou então a tela era maior originalmente.
Sempre nos intrigou que Nossa Senhora seria aquela, com um botão de rosa na mão e o menino Jesus com um ar brincalhão, com um terço . Parecia-nos ter havido ali acrescentos ao original, nomeadamente o terço e uma forma esférica, que podia ser uma medalha, e à volta das mãos da santa parece ter havido retoques que as deformaram. O professor, muito entendido em arte sacra, descobriu, através de uma obra que descreve os santos e os seus atributos, que aquela  rosa, a rosa sem espinhos do paraíso terreal, é o atributo de Santa Maria de La Antigua. Disse-nos que era muito venerada na América do Sul e então decidi-me a pesquisar sobre ela.
Imagem da Catedral de Sevilha
 Este culto mariano terá sido introduzido em Espanha por monges cistercienses durante os séculos da reconquista. A pintura que se encontra em Sevilha, principal centro de culto em Espanha, é de estilo romano-bizantino e terá vindo de uma igreja visigótica,  incorporada numa mesquita durante o domínio árabe. Após a reconquista de Sevilha, no séc. XIII, ao construir-se a catedral no local da antiga mesquita e igreja, recuperou-se a pintura, que passou a ser muito venerada e passou a acompanhar o processo de reconquista de outras cidades, culminando com a conquista de Granada e a expulsão definitiva dos árabes da Península Ibérica.
Durante o séc. XVI, era esta a imagem mais venerada por marinheiros e navegantes, que saindo de Sevilha, a ela se encomendavam antes da partida para as terras longínquas dos novos mundos que iam descobrindo. O capelão da capela onde se encontrava a imagem na Catedral de  Sevilha fazia questão de dar cópias da imagem para acompanhar cada missão de descoberta e conquista. Assim este culto foi ganhando uma dimensão planetária, mas ficou sobretudo arreigado nos países do continente americano de língua castelhana. O próprio Cristóvão Colombo a ela se encomendou antes das sua viagens a caminho das "Índias" e deu mesmo o seu nome à primeira ilha das Caraíbas onde aportou  na sua segunda viagem (1493), a ilha Antigua.
Santa Maria de La Antigua, Padroeira do Panamá
A primeira cidade fundada pelos espanhóis em terra firme no continente americano, em 1514, foi Santa Maria de La Antigua del Darién. Hoje completamente desaparecida, situava-se num local que fica actualmente na região fronteiriça entre a Colômbia e o Panamá, palco das lutas entre as FARC e as forças governamentais colombianas.
Santa Maria de La Antigua é até hoje a Padroeira do Panamá. Fora da Espanha e das suas antigas colónias tem ou teve altares em Lisboa, em Roma e em Cracóvia.

9 comentários:

  1. Olá Maria Andrade.
    Gostei muito da pintura e moldura. Adorei saber os procedimentos para a restaurar sem lhe tirar o brilho e a idade do tempo. Não conhecia esta imagem com a rosa na mão. Só aqui neste mundo blogista me tenho apercebido mais sobre arte sacra e a sua história.Gosto da forma explícita como descreve as estórias, tem um não sei quê do Prof Hermano Saraiva.
    Beijos
    Isabel

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  2. Achei o seu texto muito curioso e registei-o, pois como sabe acho muito interesse na iconografia cristã, em particular a Mariana, embora sempre que estude mais o assunto, cada vez me sinta mais ignorante. Noutro dia, numa das minhas pesquisas na net, até descobri que existe uma Nossa Senhora das Barracas!!! O referido culto faz-se numa capelinha algures no Minho.

    Também achei interessante nesta história o paralelismo entre a parte política e o crescimento da devoção. O Imperialismo espanhol leva como bandeira Sta Maria La Antigua.

    Tentei descobrir, mas sem êxito, se o culto existiria em Portugal

    Abraço

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  3. Caros Isabel e Luís,
    Ainda bem q o q vou aqui escrevendo tem algum interesse e é do vosso agrado.
    Quanto à Santa Maria de La Antigua (da antiga igreja, parece ser essa a explicação para o nome) também tentei saber se cá havia alguma invocação a ela mas não consegui nada.
    Hoje não estou particularmente expansiva ou com veia para a escrita mas obrigada pelos vossos comentários
    Abraços

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  4. Muito interessante Maria, não conhecia esta representação de Nossa Senhora.

    Já guardei comigo os processos do restauro, uma vez que é uma área que quero explorar!

    Por curiosidade, não tem foto do quadro como era antes?

    Gostei da moldura tbm!

    Flávio Teixeira

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  5. Olá Teixeira,
    Fico satisfeita por ter achado úteis as dicas sobre o restauro deste quadro. Efetivamente tirei fotografias antes da intervenção, mas não sei se entretanto as perdi ou se as tenho em algum sítio a que perdi o rasto. De qualquer forma, penso que não se notaria grande diferença porq a tela foi só limpa e passada a ferro e a moldura teve uma intervenção discreta.
    Cumprimentos

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  6. Salve!
    Parabéns pelo resgate histórico.
    Curioso o comentário de LuisY, pq vi grande semelhança nessa imagem com o ícone de Nossa Senhora das Barracas que, aqui em Piraí do Sul (paraná, Brasil) é venerada sob o título de Nossa Senhora das Brotas. Abraço!

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  7. Caro Sem. Hélio,
    Seja bem vindo ao meu blogue!
    Gostei muito de saber da existência dessa Nossa Senhora das Barracas, que o Luís referiu como sendo do Minho(extremo norte de Portugal), aí no Paraná, no nosso país irmão. Também é muito curioso o nome de Nossa Senhora das Brotas.
    Qual será o significado de Brotas? Não conheço o termo aqui em Portugal.
    Muito obrigada pela visita e volte sempre!
    Um abraço

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    1. Ola Maria. Já se foram quase 3 anos de sua pergunta. Moro em Pirai do Sul no Paraná-Brasil e só agora vejo sua mensagem. Então , NS das Brotas é a mesma NS das Barracas que veio para cá em forma de efígie que foi doada a uma família desta cidade pelo Frei Galvão, agora Santo em 1808. Essa estampa foi perdida e depois de um incêndio num campo , foi encontrada intacta em meios a cinzas e "brotos" de vegetação após alguns dias. Daí o milagre e o nome de Brotas que é adotado até hoje ; naquele local foi edificado um Santuario que é ponto de veneração de todos nós brasileiros. Se vc puder me ajude a achar mais dados históricos de NS das Barracas aí em Portugal. Abraço. Helder.

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    2. Boa noite, Helder!
      Não é costume meu deixar comentários sem resposta, mas lembro-me que nesta época estive uns dias fora de casa, devo ter visto o seu comentário, só que achei que a resposta não era urgente e entretanto esqueci completamente.
      Na verdade não sabia nada sobre Nossa Senhora das Barracas, mas pelo que li agora, não me parece que seja um culto originário de uma qualquer localidade portuguesa, embora também lhe tenha encontrado referência na localidade do Alto Minho que se chama Azevedo.
      Parece-me sim, atentando na legenda da estampa “Sicut Tabernacula Cedar” que se trate de um culto mariano, antigo mas não estritamente português, a destacar a pobreza de Maria, comparada à pobreza dos nómadas de Cedar que viviam em tendas ou barracas.
      Quanto à Igreja do Beato António, onde se venerava esta imagem, situava-se num convento na zona oriental de Lisboa, em Xabregas, onde nos séculos XVII/XVIII existiram vários conventos.
      Ao contrário do que já li num blogue brasileiro, este Beato António não tem nada a ver com Santo António de Lisboa. É uma figura do séc. XVI que depois da sua morte em 1602 começou a ser venerada pelo povo e deu nome a uma igreja e convento, o Convento do Beato, em Lisboa.
      É tudo o que lhe posso dizer sobre o assunto, mas se algum dia deparar com informação mais específica, far-lho-ei saber.
      Boa sorte para a sua pesquisa!
      Cumprimentos

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