Esta é a Igreja de S. Pedro de Miragaia, no Porto, cujo actual edifício resulta de obras no séc. XVII e XVIII, no local onde existiram templos anteriores, medievais.
Tal como aconteceu com a maioria das igrejas do Porto, no séc. XIX foi revestida a azulejos, por sinal um valioso acrescento porque se trata de belíssimos azulejos emblemáticos da Fábrica de Santo António de Vale da Piedade, em Gaia, não da Fábrica de Miragaia que se situava numa encosta sobranceira à igreja, mas já tinha fechado à época da colocação dos azulejos (1863- 1876)
O interior da igreja e o museu são dignos de visita, não só pela talha dourada e pelas obras de arte sacra, incluindo um valioso tríptico flamengo do séc. XVI, mas também, para os apreciadores de faiança, pelas jarras de altar e outros objectos de faiança de Miragaia que se podem ali admirar.
No sábado passado, ao fotografar de perto os azulejos da fachada, sobretudo para mostrar os motivos religiosos - mitra e chaves de S.Pedro num desenho, cruz e cálice da eucaristia noutro - para além dos belos florões a formar o padrão, reparei que o motivo da cercadura me era familiar.
Lembrei-me então de um de dois azulejos que encontrei junto à minha sebe à beira da estrada, no meio de entulho que não sei de onde veio, e que guardei com os outros azulejos. Achei-os muito bonitos, com uns azuis magníficos, e certamente com mais de cem anos, mas não fazia a mais pequena ideia do seu local de fabrico.
Não têm qualquer marca de fábrica no tardoz, que é num quadriculado largo, como se vê na foto em baixo.
O motivo mais conhecido dos azulejos de Miragaia, de meados do séc. XIX, de que esteve exposto um painel na exposição "FÁBRICA DE LOUÇA DE MIRAGAIA", patente no Museu Nacional de Soares dos Reis e no Museu Nacional do Azulejo há cerca de ano e meio, foi usado por mais duas fábricas da zona do Porto. A Fábrica do Carvalhinho foi uma delas - a outra terá sido Massarelos - e é dessa fábrica o painel de azulejos que mostro em baixo, todos marcados FC.
Da Fábrica da Torrinha tenho um friso azul e branco que também acho muito bonito, com os azulejos todos marcados.
Voltando a Miragaia , na rua ao lado da Igreja de S. Pedro, ainda podemos ver um belo painel de azulejos de figura avulsa, aplicado numa parede e com moldura de granito, de que não consegui saber o fabrico.
Há uma curiosidade muito interessante relacionada com esta zona de Miragaia e a igreja de S. Pedro.
Situa-se ali uma rua comprida e estreita, paralela ao rio, que tem o nome de Rua Arménia e vai dar ao largo da igreja.
Ora, segundo a lenda, isso deve-se à instalação nessa zona de um grupo de arménios fugidos de Constatinopla aquando da invasão dos turcos em 1453, e que transportaram consigo o corpo do mártir S. Pantaleão. As relíquias foram depositadas na Igreja de S. Pedro e aí permaneceram até que um Bispo do Porto as trasladou para a Sé. Na igreja de Miragaia ficou apenas o fragmento de um braço dentro de um relicário de prata que ainda lá se pode ver.
Este S. Pantaleão, iconograficamente parecido com S. Sebastião, só que com os dois braços levantados e atados durante o suplício, foi padroeiro do Porto até ser destronado por S. João já no séc. XIX.
Fiquei com pena do S. Pantaleão, desprezado pelos portuenses. Ao contrario dos americanos, simpatizo sempre com os "losers". Enfim, gosto sempre das coisas mais antigas, já esquecidas por todos.
ResponderEliminarTenho ideia de ter visto um busto do S. Pantaleão no Museu Nacional Soares dos Reis.
Li com muita atenção o que escreveu e registei as informações, pois ainda sei tão pouco dos azulejos do Porto, apesar de me encantarem.
Quanto aos azulejos de figura avulsa e a cercadura que os limita, também são muito vulgares aqui em Lisboa. Poderão ter sido aqui fabricados, ou porque não também no Porto? Na época não existia propriamente direito de autor. Mas, em todo o caso inclino-me mais para terem sido fabricados aqui em Lisboa.
Abraços
Olá Maria Andrade
ResponderEliminarMais um lindo e fundamentado post sobre o Porto e sua azulejaria.
Adoro o Porto, nem sei se mais do que Lisboa.
Comungo o mesmo que o Luís, que pena terem destronado o S. Pantaleão, o dia seria a 27 de Julho, data de nascimento da minha mãe, os pais feirantes, nesse dia só o meu avô foi à feira de S. Pantaleão em Figueiró dos Vinhos.
Beijos
Isabel
Caros amigos,
ResponderEliminarTive de reformular este post porque, ao contrário da informação que me deram no local quando visitei a igreja e que, mea culpa, não confirmei, os azulejos q revestem a igreja de S. Pedro não são da Fábrica de Louça de Miragaia mas sim da de Santo António de Vale da Piedade, aplicados já depois do fecho da Fábrica de Miragaia.
Abraços e pedidos de desculpa.
Luís, há efectivamente um busto de S. Pantaleão no Museu Soares dos Reis e há até uma obra editada por esse museu com o título "Esta é a cabeça de S. Pantaleão" em q são apresentados os dados científicos q se conhecem sobre este santo, incluindo a lenda q o liga à vinda de arménios para Portugal. Comprei-o há uns anos e ofereci-o à minha sobrinha Ana q é seguidora deste blogue e está casada com um americano de origem arménia, de apelido Melikian.
ResponderEliminarIsabel, não sabia q se venerava S. Pantaleão e q havia uma feira com o seu nome em Figueiró dos Vinhos, afinal uma terra relativamente próxima de Condeixa e onde passei muitas vezes em miúda a caminho de Oleiros, na Beira Baixa. Só relacionava S. Pantaleão com a cidade do Porto. É engraçado como este mundo dos blogues é uma fonte constante de novos conhecimentos.
ResponderEliminarEstou inclinado a concordar com o Luís acerca do local de produção do painel com azulejo de figura avulsa adicionada à albarrada com a moldura, a qual é constituída por peças decoradas com um motivo muito comum aqui por Lisboa.
ResponderEliminarClaro que não me admiraria nada se me dissessem que poderia ter sido copiado pelas fábricas do Porto, quem sabe, mas ele "cheira" a Lisboa, ao contrário dos outros azulejos que aqui nos mostra, dos quais não conheço cópias aqui pelo Sul.
Tal como o Luís, pouco conheço da produção de azulejo no Porto, por isso este seu post foi muito didático para mim, a guardar para referência futura.
Tão pouco sabia sobre S. Pantaleão, e confesso alguma pena que tenha sido substítuido pelo S. João, mas quem manda num sítio é quem lá mora!
Manel
Olá Maria Andrade
ResponderEliminarSão lindos os azulejos que apresenta, tanto os seus, como os outros.
Tem razão, quando fala da beleza da igreja de S. Pedro de Miragaia. Também eu, já a visitei algumas vezes, a última, integrando uma caminhada urbana, com um roteiro cultural muito rico.Foi nesse passeio e já na Sé, que ouvi a história de S. Pantaleão, tal como a conta.
Só tenho dúvidas quanto ao padroeiro do Porto. Penso, que não será o S. João, mas sim, Nossa Senhora de Vandoma, que segundo julgo recordar, terá sido instituída padroeira da cidade do Porto, pelo bispo D. António Ferreira Gomes. Mas, cara Maria Andrade, não tenho certezas sobre este assunto.
Resta-me felicitá-la pelo seu bonito blog.
Maria Paula
Caro Manel,
ResponderEliminarConcordo consigo e com o Luís que os azulejos de figura avulsa do séc. XVIII foram produzidos sobretudo em Lisboa, mas parece q também em Coimbra. De qualquer forma, estes, a serem de fabrico do Porto, seriam certamente cópias do séc. XIX ou XX dos já anteriormente existentes a sul e é para aí q eu me inclino mais, seja qual for a fábrica q os produziu.
Um abraço
Olá Maria Paula,
ResponderEliminarBem-vinda ao meu blogue e obrigada pelo contributo q aqui deixou.
Tem toda a razão ao dizer q a padroeira da cidade do Porto é Nossa Senhora da Vandoma. Oficialmente é efectivamente ela, desde meados do séc. XX, tal como antes dela era oficialmente S. Pantaleão. A questão aqui prende-se com uma situação de facto embora possa não ser de direito. De facto, desde o séc. XIX que a devoção a S. João Baptista pelo povo do Porto,se sobrepôs primeiro à veneração a S. Pantaleão e agora a Nossa Senhora da Vandoma. Desde 1911 q o feriado municipal do Porto tem lugar no dia 24 de Junho, dia de S. João, por votação do povo do Porto. A própria autarquia o reconhece como padroeiro e muitos chamam-lhe o padroeiro popular do Porto. Acho q isto envolve alguma discussão e polémica, mas de facto é assim.
Um abraço e volte sempre.
Em Lisboa acontece um fenómeno semelhante. O Padroeiro é o S. Vicente, à volta do qual há aquela história bonita e misteriosa do barco onde viajou o seu corpo acompanhado por corvos, mas o santo realmente popular é o Santo António, que tem direito a feriado oficial.
ResponderEliminarSegundo me lembro de ouvir dizer a um professor da Faculdade, o Barrilaro Ruas, esse femómeno é comum não só às cidades como as próprias igrejas. Com efeito, alguns templos, ao longo da suia história chegam a ter 3 ou 4 santos distintos como padroeiros, o que é muito interessante, pois são como que camadas arqueológicas de mudanças de mentalidades e religiosidade.
Tenho a ideia que fouve um senhor francês ou belga que estudou esse fenómeno, o Pierre David
Abraço