quinta-feira, 16 de junho de 2011

De novo as contas... ou três contas... ou cabeças de Ruyi?

Ando em maré de faiança aqui no blogue, sem dúvida! Pratos, telhas, mísula, galheteiro... e agora mais um belíssimo prato coimbrão e uma graciosa terrina de contas.
É faiança portuguesa de primeira categoria graças à amabilidade de duas colecionadoras que me fizeram chegar fotografias de peças suas.
Foi na sequência do post sobre o meu prato de contas que recebi a oferta de partilha de outras peças, para se poderem comparar decorações e pastas.


A primeira peça que tenho para mostrar de uma das colecionadoras é este prato de contas de fabrico coimbrão que, segundo li no catálogo Cerâmica de Coimbra, Séc. XVI - Séc. XX, se distingue do lisboeta, não só por diferentes tonalidades nos pigmentos, mas também pela "qualidade leitosa dos fundos brancos". Foi essa caraterística, também presente no meu prato de contas, que me fez distanciá-lo dos exemplares lisboetas que conheço e me fez admitir a sua origem em Coimbra, ao ver no blogue Velharias uma pia de água benta de fabrico coimbrão e também por analogia com a pasta dos ratinhos.


 O motivo central deste prato apresenta edifícios que me surpreendem pela altura de quatro andares, se pensarmos em construções do século XVIII, mas basta percorrer as velhas ruas da "baixinha" de Coimbra para constatar a existência de prédios antigos construídos em altura. O que é novidade aqui é a paisagem ser campestre e não urbana. A folhagem das árvores  é feita de esponjados, um recurso decorativo muito caraterístico das faianças coimbrãs.


A decoração da aba, para além dos círculos concêntricos a azul claro, apresenta as famosas "contas" ou "três contas" - a interpretação portuguesa das cabeças de Ruyi, presentes como elementos decorativos na porcelana chinesa - mas numa versão diferente dos pratos de contas que já aqui mostrei.


O tardoz é semelhante ao do meu prato de contas, embora com menos imperfeições, e ao do prato conventual que mostrei no mesmo post.


Entretanto, recebi da outra colecionadora várias fotografias desta graciosa terrina ou malga coberta, desta vez com o motivo contas mais nosso conhecido. Acho-a um verdadeiro encanto, em que a desproporção da pega em relação ao tamanho do resto do conjunto, faz lembrar uma miniatura ou um brinquedo para crianças.
As dimensões são no entanto as de uma peça utilitária pequena: diâmetro 18,2cm; altura 19,3cm; frete 7,7cm.




Não conhecia faianças de contas desta tipologia e por isso a considero uma verdadeira peça de museu, que julgo ser de finais do século XVII.
A decoração a azul e manganés, muito singela, certamente destinada à mesa de famílias pouco abastadas.


A tampa, só por si uma peça de coleção, apresenta espiral na pega, também imagem de marca de muitos ratinhos.


Vaso de porcelana Ming do MNAA com uma faixa superior formada por cabeças de Ruiy (ceptro ritual budista)

10 comentários:

  1. Olá Maria Andrade
    Melhor , impossível, acabei de chegar de ferias e ver este seu post, fiquei fascinada.

    Concordo consigo em relação ao seu prato de Contas. O tardoz identifica o fabrico de Coimbra sem erro. As tonalidades do azul e da borra de vinho também. No entanto quem sou eu ao pé de especialistas e estudiosos, sabendo sempre que a loiça não marcada apresenta margens de dúvidas.

    Este prato é igualmente belo, de fabrico de Coimbra, pelo tardoz, como diz mais elaborado do que o seu...de outra olaria, haviam várias, umas mais perfeitas do que outras. Motivo de casario, nem sei se seria a torre da cabra, na altura não tinha o relógio nem o ferro forjado. Os esponjados são muito semelhantes aos dos pratos atribuídos ao Brioso, a época é a mesma.

    A terrina ou malga coberta é uma raridade como diz, embelezada pela espiral na pega. Fiquei de queixo caído!

    Sabe, neste meio virtual um Prof e fotografo de Tras os Montes contatou-me, teve a sorte de encontrar mil cacos de modestas dimensões que tiveram a sorte de estar soterrados com uma placa por cima. Interessante nas suas descobertas e paciência vai juntando os caquinhos, tem peças dignas de museu, aliás tem o seu próprio espólio em espaço museológico de se tirar o chapéu a fazer inveja a alguns.

    Não deixei de ficar surpresa naquela zona ele ter encontrado fragmentos de prato de contas e outros do séc. XVII .
    Também tem muita faiança do norte, Gaia e Porto com círculos ao meio numa imitação da espiral de Coimbra que é aberta. Curioso em anos de feiras nunca tinha visto estes círculos ao centro dos pratos e riscas por dentro das malgas, que habitualmente são sempre brancas por dentro.

    Este meio tem sido fantástico para melhorar o conhecimento, sem dúvida.

    Bem hajam às colecionadoras de gosto tão requintados e hora de sorte em encontrar faiança Coimbrã desta raridade
    Beijos
    Isabel.

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  2. Pena a primeira fotografia do prato com os brilhos ... não deixa ver a sua totalidade, o que é uma pena dada a qualidade da peça.
    E o seu texto está à altura, pois é elucidativo e claro e tem uma grande dose de pesquisa por trás! Perfeito para quem anda a tentar saber mais!
    É pela técnica utilizada na folhagem das árvores que se percebe perfeitamente a familiaridade com as técnicas que depois vieram a caracterizar a cerâmica ratinha.
    É a ponte entre dois tipos distintos mas com um ar de família entre eles.
    Um agradecimento à possuidora por no-lo ter trazido e a si que fez este trabalho digno de nota.
    Manel

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  3. O Manel já me tinha dito que o seu post estava muito bem feito é é verdade. As peças apresentadas são um encanto e as suas explicações claras e simples.

    Sabe uma coisa curiosa que li no catálogo da exposição Castro Pina no MNAA, a propósito da faiança do século XVII? Muitas das peças teriam sido pintadas por mulheres. As oficinas de cerâmica eram pequenas e toda a família nelas trabalhava e ao que parece as mulheres especializaram-se na pintura. Também na mesma obra li que essa prática era comum na China, na mesma época, nas oficinas que faziam peças de porcelana para o mercado europeu.

    abraços

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  4. Cara Isa,
    Gosto de a ver de volta a este mundo bloguista, cheia de energia renovada após uma semana a banhos nas quentes praias algarvias!
    Estas peças são realmente muito boas e o facto de termos aqui um prato bem identificado como fabrico coimbrão é uma mais-valia para se conseguirem identificar outras faianças, por analogia.
    Gostei de saber desse contacto com um colecionador transmontano. Ele tem um blogue ou alguma forma de dar a conhecer as peças? Fiquei curiosa!
    Eu também guardo religiosamente todos os fragmentos de faiança que encontro no meu terreno e até já apanhei alguns na Ribeira das Naus, como a M.Isabel :). Tive logo o cuidado de os deixar num saco à parte com a identificação do local e data de recolha. Um dia, quem sabe, podem servir para alguma coisa. Noutros países estes vestígios são muito bem guardados e estudados, mas aqui há tanta coisa dispersa...
    Beijos

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  5. Caro Manel,
    Obrigada pelo seu reforço positivo em relação ao meu texto, que não me tinha deixado muito satisfeita.
    Tenho feito os últimos posts já bastante tarde, às vezes à pressa e com algum cansaço e depois encontro falhas que vou corrigindo quando tenho tempo.
    Desta vez até me esqueci de deixar o link para o blogue do Luís quando fiz referência à pia de água benta que ele mostrou há semanas. Entretanto já o acrescentei.
    Sei que tem andado com muito trabalho e por isso também lhe agradeço ainda arranjar disponibilidade para vir aqui comentar.
    Um abraço

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  6. Olá Luís,
    Também lhe agradeço as palavras encorajadoras acerca do meu post. Realmente a clareza é algo que me está intrínseco ... :)
    Achei interessante a informação de que estas faianças eram sobretudo pintadas por mulheres, tal como na China. No entanto, é algo que não me surpreende, porque já no século XX quando havia várias oficinas de cerâmica em Condeixa a fazer a chamada "Loiça de Conímbriga" eram maioritariamente mulheres que se empregavam na pintura.
    Um abraço

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  7. Cara Maria Andrade
    Muito obrigada pelo seu carinho.
    As férias foram de fato muito boas.

    Posso enviar-lhe email com as peças que ele me tem enviado, por mera curiosidade um dia destes.


    Adorei saber que também andou na Ribeira das Naus a apanhar caquinhos...
    Beijos
    Isabel

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  8. Olá, de novo, Maria Isabel!
    Então, quando puder, pode mandar as fotos para este endereço: andrade.maria82@gmail.com
    Muito obrigada pela sua disponibilidade.
    Beijos

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  9. Olá Maria Andrade
    Só para lhe dar um abraço e dizer-lhe que tenho cá vindo espreitar as lindas peças que apresenta e...aprender.
    Gosto das duas peças, mas o prato é a minha preferida. As árvores parecem ter vida, e o prédio de quatro andares, não deixa de ser surpreendente.
    Uma boa semana
    Maria Paula

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  10. Cara Maria Paula,
    Muito obrigada pelas suas palavras de incentivo.
    As peças são ambas muito boas, qual delas a melhor, mas é claro que cada um tem as suas preferências...
    Também tenho andado para ir comentar o seu último post, mas o tempo tem sido pouco e queria primeiro ter uma informação a propósito das pinhas. Lá irei brevemente :)
    Beijos e um bom feriado.

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