sábado, 9 de julho de 2011

Caixa indo-inglesa de Vizagapatam

Durante mais de vinte anos tive um casal de grandes amigos a viver em Bruxelas e por isso várias vezes os visitei, e pude conhecer a cidade.
Dali fizemos viagens a Bruges, Antuérpia, Amsterdão, Colónia; com eles visitei a exposição "The Golden Age" no Rijksmuseum de Amsterdão; também a partir de Bruxelas viajámos até Londres de combóio, no Eurostar, e atravessámos o Canal da Mancha pelo "chunnel". São tudo experiências que guardo com carinho nas minhas memórias e  que recordo muitas vezes só de olhar para certos objetos.
Esta caixa é um deles.


Programa que procuro não perder, em qualquer cidade que visite, são as feiras de velharias ao fim de semana. Desta vez fui com o meu marido, num Domingo de manhã muito frio de Fevereiro, a uma feira de velharias na parte mais antiga de Bruxelas.
Depois de percorrer várias bancas, algumas simples panos estendidos no chão com objetos que pouco me diziam, vi uma caixa em muito mau estado que me chamou a atenção porque reconheci o trabalho rendilhado em marfim.
A caixa estava uma ruína, muito suja e baça e com falta de muitas peças. No entanto, ao abri-la, vi que tinha dentro vários bocados soltos de marfim e o estado no interior, excluindo a sujidade, era quase impecável.

Pediram-me 50 ou 60 euros por ela naquele estado, mas acabei por a trazer por 40.
Dali, enregelados com uma temperatura de 0º, refugiámo-nos num bar tipo pub inglês, super-aquecido como é habitual por estas paragens, tomámos uma bebida quente e já recompostos, regressámos à casa dos nossos amigos com o recém-adquirido tesouro. Apesar de eles não nos acompanharem no gosto por velharias, gostam de objetos de qualidade e reconheceram-na e apreciaram-na na caixa que levávamos.


Já em casa, em Portugal, ao proceder à limpeza da caixa, verifiquei que o exterior era revestido a chifre, e não a madeira como eu pensava e como tem no interior. As peças soltas foram coladas e ela ficou com o aspecto que tem atualmente. É portanto uma caixa de madeira, provavelmente teca, revestida a placas de chifre e decorada com placas rendilhadas de marfim e ainda peças de marfim esgrafitadas com motivos vegetalistas e figuras de deuses hindus. A fixar as peças tem delicadas tachas ou botões de marfim já com algumas faltas.


Entretanto, iniciei uma pesquisa para saber do que se tratava, o que não foi difícil porque  era claro tratar-se de trabalho com origem no sub-continente indiano. Vim a saber que este tipo de artefactos foi produzido nos séculos XVIII e XIX na cidade de  Vizagapatam, na costa oriental da Índia, durante o domínio britânico, produção muito incentivada pelos colonizadores e exportada em larga escala para os territórios do Império Britânico.
Depois de ter visto vários exemplares de caixas deste tipo, sei que a esta faltam os pés de marfim em forma de garra que lhes dão ainda mais encanto.
São e foram sempre objetos muito úteis na vida quotidiana e há exemplares magníficos com marfim e com madrepérola na arte indo-portuguesa. Eu na minha caixa de Vizagapatam guardo leques antigos, de marfim e de tartaruga, dois materiais orgânicos cuja comercialização está atualmente muito condicionada, e justificadamente, em defesa das espécies, mas que no passado foram muito apreciados pelos europeus como materiais exóticos de grande beleza e plasticidade.

6 comentários:

  1. Era provavelmente uma caixa de oferendas ou algo em que se guardavam peças de culto. Essas oferendas ou peças de culto seriam em ouro ou prata.

    Viu as noticias do "tesouro" encontrado num templo hindu?

    22 mil milhões de euros em pedras preciosas, marfim ouro e prata...

    A sua caixa tem a representação do Deus da força Ganesha, deus elefante, e da mãe Lakshmi ou umas das suas representações, pois não dá para perceber muito bem. Deusa do amor, da bonança, prosperidade... companheira do Deus Vishnu..

    Alguém precisava de força para ultrapassar uma doença, talvez.. =)

    Um amigo meu segue a tradição hindu, e já vi celebrações onde se oferecem coisas em caixas semelhantes a essa mas claro sem marfim.

    Oferecem pétalas de rosa, arroz, podem oferecer papeis de orações e fotografias... Etc

    A tradição hindu da actualidade não é muito a favor de objectos de marfim.. Alguns animais tiveram de ser mortos para fazer os objectos e eles não gostam muito disso..

    Parabéns pela caixa, óptima escolha.

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  2. Ah! a sua caixa também poderia ser utilizada para guardar um Japamala

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  3. Caro Teixeira,
    Tive uma peripécia com este post que ainda não me tinha acontecido.
    Não tinha intenção de o publicar tão cedo, estava ainda a prepará-lo, a escrever o texto numa viagem de comboio, quando de repente, talvez com um movimento brusco devido à trepidação, o publiquei sem querer. Já não consegui voltar atrás e só me restou terminar o texto à pressa e corrigir as gralhas da escrita.
    Estava eu nesta azáfama, faltou-me a bateria!!!
    Azar em cima de azar... Não pude fazer mais nada, mas quando finalmente pude ligar o computador à corrente, vi que já lá tinha os seus comentários... paciência.
    Quanto à caixa, não sei nada da religião hindu, e sinceramente também não tenho curiosidade pelo assunto,apenas consigo reconhecer as figuras de alguns dos seus deuses e por isso percebi que aqui se tratava de trabalho do sub-continente indiano.
    Acho muito bem que atualmente na Índia, como no resto do mundo, esteja proibida a comercialização do marfim, pelo menos em bruto, porque com a corrida ao "ouro branco" iamos quase ficando sem elefantes... Acontece que estes objetos são antigos, já não há nada a fazer, e os trabalhos em marfim atingiram no passado um nível artístico excepcional a que é difícil resistir.
    Cumprimentos e um pedido de desculpas por ter apanhado o post tão incompleto.

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  4. Ola Maria

    Não tem problema nenhum. Agora le-se o que falta =)

    Tb já me aconteceu, mas eu não tenho nem metade das visitas que a Maria tem! =D

    Flávio

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  5. A necessidade de andar aos baldões de um lado para o outro torna-me errático na frequência ao seu blog, mas não quero deixar de comentar esta sua caixa.
    Gosto muito dela, mas devo confessar que as pequenas placas esgrafitadas ficariam bem mais interessantes se não apresentassem os desenhos alusivos às divindades, que aqui servem como elemento de distracção do rigor geométrico da caixa, característica pricipal deste tipo de peça. A arte oriental levou a alturas inusitadas a geometria sobretudo quando relacionada com a religião (recordo as mandalas de cariz budista) - um dos interessantes caminhos de aceder ao mundo da representação não figurativa da abstracção, mas altamente significante e rica em termos de espirtualidade. A sua significação é codificada como o é a nossa arte cristã (algo comum a praticamente todas as religiões, que necessitam de codificações para se tornarem exclusivas e dotarem os seus membros de uma noção de pertença), mas onde esta se baseia em formas reconhecíveis ao leigo, aquela é virada para um aspecto mais lúdico e apelativo pelo cromatismo mais rico, mas pouco entendível aos olhos dos não iniciados - este mundo é muito apelativo e levaria a discussões muito enriquecedoras, que, com grande pena minha, acabam por não caber num blog - os caminhos da abstracção são absolutamente fantásticos!
    Sem saber como, pois nunca fiz nada nesse sentido, acabo também por arrastar atrás de mim mais de uma dezena de caixas com as mais diversas dimensões e proveniências, feitas nos materiais mais díspares (a minha queda genética pelas madeiras faz-me gostar das que ostentam madeiras exóticas, sobretudo com embutidos - sou sobrinho, sobrinho neto, bisneto e trineto de gente ligada ao trabalho da madeira), algumas herdadas outras ofertadas e outras ainda adquiridas aqui e ali, mas nenhuma se assemelha a esta sua, que é uma obra de paciência e arte.
    Manel

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  6. Olá Manel,
    Muito obrigada pela sua visita e pelo comentário, que, como sabe, é sempre muito bem vindo aqui.
    Há trabalhos em madeira, com ou sem embutidos, absolutamente espantosos e eu tenho uma outra caixa, também indiana, que aqui hei-de mostrar, que bem atesta o nível de minúcia e de perfeição a que chegou a arte de fazer padrões com embutidos, a marchetaria e a parqueteria, se não me engano, porque estou mais familiarizada com os termos em inglês :)
    Mas penso que o trabalho do marfim, infelizmente com as funestas consequências ambientais que todos conhecemos, fez das obras mais belas que se podem admirar na decoração de madeiras e noutros objetos decorativos ou de arte sacra.
    No entanto, o osso ou o marfim vegetal acabam por substituir bem aquele material mais nobre e tem que ser mesmo assim , a bem da preservação de espécies já muito ameaçadas...
    Um abraço

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