No anterior post, dei conta da minha visita ao Convento da Conceição, ou antes, ao Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, onde está instalado o Museu Rainha D. Leonor, o núcleo central do Museu Regional de Beja.
Impressionada como fiquei com a evocação de Soror Mariana Alcoforado, dei-lhe primazia na feitura de um primeiro post, mas não podia deixar de mostrar em mais pormenor o local que lhe serviu de morada, embora só o suficiente para incitar a uma visita mais ou menos demorada, que nenhuma mostra fotográfica pode substituir, ainda por cima com as limitações técnicas que esta tem e que para mim agora estão mais evidentes, sem já nada poder fazer...
Naquele rico edifício de mais de 500 anos, fundado na segunda metade do século XV pelos primeiros duques de Beja, pais da Rainha D. Leonor e de D. Manuel I, sujeito a várias remodelações, reúne-se um valioso acervo, de que estão em exposição permanente coleções de azulejaria, arqueologia, arte sacra e pintura. Com o meu gosto mais que confessado por cerâmica, foi naturalmente a azulejaria - dos séculos XVI, XVII e XVIII - que mais atraiu a minha atenção, não só pela quantidade e qualidade dos conjuntos, mas por se encontrar ainda toda como material de revestimento original.
Muito mais há para apreciar no edifício e no acervo do museu: portais góticos, brasões e lápides tumulares, a escudela em porcelana chinesa (1541) de Pero de Faria, uma grelha ou grade medieval em terracota, de influência mourisca, a secção de arqueologia, etc.
Dos restantes núcleos do Museu Regional, visitámos o sítio arqueológico Rua do Sembrano, essencialmente romano, mas com várias camadas de vestígios; até lá vi púcaros e asados medievais! Ficou por ver o Núcleo Visigótico, um conjunto muito relevante a nível nacional, fechado naquele dia por falta de pessoal. Sempre a contenção orçamental a penalizar, de que maneira, os nossos bens culturais e, claro, a refletir-se no emprego...
Espero ter aguçado o apetite de alguém para dar um saltinho até Beja... ou fazer um desviozito na rota, quem sabe?
A entrada no museu faz-se pelo antigo coro baixo da igreja, de que se pode ver um pouco ao fundo, à direita na fotografia de cima, o local onde as freiras da Ordem de Santa Clara assistiam aos serviços religiosos, separadas por grades dos restantes fiéis. É nessa área vestibular que se encontra patente a exposição sobre Mariana Alcoforado.
A igreja, intervencionada no tempo de D. João V, impressiona pela riqueza da talha dourada, alguma ainda do século XVII, que cobre a nave única e a capela-mor quase integralmente, intercalada por painéis de azulejos azuis e brancos, alusivos à vida de S. João Batista. No centro da nave estão expostos andores processionais, em prata, do século XVIII.
Nesta foto vê-se um dos painéis azulejares dedicados a S. João Batista, com data de 1741.
Mas a apoteose dos revestimentos a azulejo vem a seguir, quando se entra no claustro - revestido a azulejos do século XVII, maioritariamente de padrão e alguns enxaquetados - e se passa à sala do capítulo.
Ao entrarmos na Sala do Capítulo, o olhar é primeiro atraído pela intrincada pintura da abóbada, de 1727, mas logo em frente fica a capela de Cristo Crucificado e os azulejos enxaquetados que a forram e emolduram, a chamar a atenção para as paredes e para a azulejaria que reveste a sala.
E aí, com o meu fraquinho por azulejos hispano-árabes, foi um deslumbramento! A toda a volta, variados painéis de azulejos sevilhanos do século XVI, encimados por pinturas murais em semi-círculo. Segundo li, neste caso trata-se de azulejos de aresta, técnica usada para manter as cores separadas, como já antes se utilizara a corda seca, só que não as sei distinguir à vista.
Em cima do arcaz vêem-se vários Cristos e outros em tamanho natural se encontram dentro da sala.
Sevilha foi por excelência o local de produção destes azulejos, seguindo uma tradição mourisca, mas também Toledo os produziu e, segundo Rui André Alves Trindade: Revestimentos cerâmicos portugueses: meados do século XIV à primeira metade do século XVI, Edições Colibri, Lisboa, 2007, houve produção portuguesa destes materiais nos séculos XV e XVI.
Dos restantes núcleos do Museu Regional, visitámos o sítio arqueológico Rua do Sembrano, essencialmente romano, mas com várias camadas de vestígios; até lá vi púcaros e asados medievais! Ficou por ver o Núcleo Visigótico, um conjunto muito relevante a nível nacional, fechado naquele dia por falta de pessoal. Sempre a contenção orçamental a penalizar, de que maneira, os nossos bens culturais e, claro, a refletir-se no emprego...
Espero ter aguçado o apetite de alguém para dar um saltinho até Beja... ou fazer um desviozito na rota, quem sabe?
Eu sou a "chatinha".
ResponderEliminarAntes demais boas tardes.E a seguir não poderia deixar passar estes 2 maravilhosos post sem lhe enviar os meus mais sinceros parabêns.
Muito obrigada,Sra D.Maria Andrade.
Abraço da,
Luz
Olá Maria da Luz,
ResponderEliminarQue ideia essa de se apresentar assim! Dá-me muito prazer com as suas visitas e comentários (sem Sra D.)!
Sei que é seguidora do blogue, o que me leva a pensar que aprecia o que aqui vou escrevendo e mostrando, e é essa partilha de gostos e interesses, muitas vezes expressa nos comentários, que dá saúde a estes blogues! :)
Muito obrigada.
Um abraço
Olá Maria Andrade,
ResponderEliminarRealmente é tudo fantástico, mas além dos azulejos em si, está a forma como estão assentes, uma perfeição.
Quanto ao azulejo de aresta, este já possui o desenho em alto relevo na chacota, de modo a que o pintor preenche os espaços com vidrados coloridos e o relevo, na cozedura, impede a mistura das cores. O corda seca, é uma tinta que quando aplicada no vidrado tem um efeito penetrante e repelente, o que irá provocar um baixo relevo nos locais onde foi aplicada.
Espero que contribuído para o esclarecimento da dúvida,
Cumpts, jsaraiva
Caro J.Saraiva,
EliminarMuito obrigada por ter vindo aqui dar estes esclarecimentos técnicos, vê-se bem que está ligado à indústria cerâmica, só que as minhas dúvidas vão para além destes aspetos :) Sabia basicamente que a separação das tintas era feita quer por uma espécie de tinta a formar sulcos, nos de corda seca, quer por arestas, mas perante o resultado final, muitas vezes imperfeito nestes azulejos arcaicos, não sei quais são uns ou outros.
Gosto imenso destas peças, por isso tenho este tipo de curiosidade, quando as vejo à venda ou em museus, até por uma questão de datação...
Cumprimentos e bom fim de semana.
Bom dia,
ResponderEliminarPois mas o corda seca fica um sulco entre vidrados e nos de aresta pode ficar uma pequena aresta ou até não se ficar a notar nada...
BFSemana, jsaraiva
Agora sim, acho que fiquei mais esclarecida quanto ao aspeto de uns e outros. Penso que vi azulejos de corda seca em Granada, assim como alicatados e de aresta, mas na altura não estive atenta às diferenças e quando vejo azulejos hispano-árabes penso que são de aresta, mas sem certeza.
EliminarVou estar mais atenta ao pormenor de haver sulco ou não entre vidrados, obrigada.
Um bom domingo.
Olá Maria Andrade,
EliminarMe lembrei que existe no Wikipedia este artigo, que embora simples, é bastante esclarecedor quanto às diversas técnicas decorativas dos azulejos.
bjos
http://pt.wikipedia.org/wiki/Azulejo
Obrigada, Fábio, é realmente esclarecedor o artigo.
EliminarUm abraço
Um pequeno mas útil esclarecimento, os azulejos sevilhanos de corda são das oficinas de Fernan Martinez Guijarro e os de aresta, da oficina de Niculoso Pisano, de 1506, ambos trabalhando no bairro de Triana em Sevilha. Os de Manizes são anteriores da década de 50 do século XVI
EliminarCara Maria Andrade
ResponderEliminarParabéns e muito obrigado por estes post! Vejo que definitivamente, em uma próxima visita a Portugal, terei de ir à Beja! E a tantos outros lugares, e minha lista vai ficando infinita, e acho que nem que vá todo ano darei conta de tudo...
abraços e ótimo final de semana!
Olá Fábio,
EliminarFico muito satisfeita por ter apreciado mais estas imagens.
Eu sempre vivi em Portugal e só agora na idade madura :) é que visitei este convento! Por isso o Fábio se não for a Beja da próxima vez que vier, há-de ir numa outra qualquer, porque vai vir cá visitar-nos muitas vezes! :)
O “problema” é que este país, sendo muito pequeno, é riquíssimo em património e faz-se pouca divulgação de algumas jóias mais escondidas, outras até estão semi-fechadas ao público, só se visitam com marcação. E nas principais cidades já há muito “pano para mangas” para visitas interessantes, como o Fábio já sabe por experiência.
Um abraço e bom domingo!
Maria Andrade!
ResponderEliminarQue coisa magnífica! Que riqueza e até sumptuosidade.Ainda bem que partilhou connosco este seu passeio. Com este post,fez mais a Maria Andrade, pela divulgação de tão rico espaço do que qualquer entidade oficial responsável pelo mesmo:)Já o pus na lista de lugares de visita obrigatória.
Abraços e boa semana
Olá Maria Paula,
EliminarAinda bem que gostou desta dica para um futuro passeio. :) Fica-lhe longe, eu sei, mas numa volta maior até ao Sul dá para passar por Beja e, como vê, vale bem a pena.
Se dei um pequeno contributo junto dos amigos bloguistas para a divulgação do espaço, já fico muito satisfeita.
Boa semana também para si.
Beijos
Una maravillosa obra de Arte que dan ganas de ir a visitar para disfrutarla aún más
ResponderEliminarUn Beso
Olá Princesa Nadie,
EliminarA cidade de Beja, no Baixo Alentejo, não te fica muito longe, por isso é uma viagem que podes começar a programar... :)
Temos esta maravilhosa herança comum dos azulejos mudéjares que nós chamamos hispano-árabes, e também aqui os podes apreciar, entre outras coisas.
Beijos
Dear Maria,
ResponderEliminarI have a book about Portuguise Azulejos and there I have seen those pictures first. So nice to see the photos on your blog. I love this type of wall covering. Very beautiful.
Best greetings, Johanna
Hi Johanna,
EliminarIt was a surprise and a pleasure to know that you have that book about this major Portuguese art which is "azulejos".
Meanwhile, I've photographed other beautiful and very old examples near the place where I live. Maybe one day you'll come and see them "in person" :)
Hugs
LuisY14 de Julho de 2012 15:42
ResponderEliminarConheço Beja medianamente, mas nunca fui ao Museu e depois da sua reportagem fotográfica fiquei a morder-me para conheço-lo. Que azulejaria exótica e luxuosa!!! Ao mesmo tempo é um estilo muito do Sul, com qualquer coisa de purdah islâmico.
Obrigado por partilhar estas fotografias.
bjos
Obrigada pelo comentário, Luís.
EliminarAs fotografias deixam muito a desejar, mas dá para perceber que o espaço é fabuloso!
Ainda bem que gostou e que também ficou com vontade de lá ir.
Um abraço