domingo, 7 de outubro de 2012

O Menino Jesus em dois registos

Já andava há dias a pensar publicar uns registos, tema já prometido ao LuisY do Velharias por mais de uma vez, mas ao ver hoje a beleza de verónica com que nos presenteou, não pude adiar mais. É para isso que servem estes  blogues, para troca de acepipes visuais com os amigos que aqui vamos fazendo...


Este registo saiu das mãos pias e prendadas de tias freiras da família que viveram no século XIX. É um bom exemplo de como se utilizavam variados materiais disponíveis - papel de prata, tecido, algodão, cera, vidro, galões, fita e cordão de seda - para compor  estes quadros.
Este e outros registos andaram por baús de sótão à disposição das mãos infantis de quatro irmãs (já todas falecidas) atraídas pelas imagens e pelos brilhos das pratas. Os exemplares que sobreviveram tiveram que ser recuperados, embora de forma caseira, e este veio ter cá a casa.



Com tanto amor e carinho que lhe dedicaram, o Menino Jesus de cera acabou com uma perna partida. :(
Não sei se lhe teria valido a proteção da sua mãe porque, no registo que apresento a seguir, filho e mãe não foram melhor tratados.



Encontrei-o há alguns meses, em gravura aguarelada, com esta representação de Nossa Senhora com o Menino Jesus pela mão, muito apropriadamente intitulada N. Sra. de Jesus.
A moldura recortada em metal será de ferro ou de grossa folha de flandres, com chapa do mesmo metal a fechá-la no verso.




Resultado: ao oxidar por ter estado em contacto com água ou humidade durante muito tempo, a ferrugem manchou irremediavelmente o papel e também o vidro. Achei que podia ter salvação, ainda levei a gravura para o atelier de restauro da Rua da Alegria em Coimbra para ser lavada, mas as manchas não desapareceram, só aclararam um pouco, e eu fiquei desolada.
É que a legenda faz desta imagem, aos meus olhos, uma peça interessante, com história para contar...



Pode ali ler-se o seguinte texto, que reproduzo sem abreviaturas: "Nossa Senhora de Jesus que se venera no seu convento de Lisboa pela sua Irmandade e Escravos do Santíssimo Sacramento".
Claro que comecei por querer saber onde se situava este convento em Lisboa e logo numa rápida pesquisa na internet fui ter ao site www.monumentos.pt, um instrumento do SIPA, que fornece informação muito completa e especializada sobre património arquitetónico. 
Resumidamente, trata-se do Convento de Nossa Senhora de Jesus da Ordem Terceira de S. Francisco, situado em pleno coração do Bairro Alto, de que se mantém a igreja no Largo de Jesus, convertida em Igreja Paroquial das Mercês, enquanto o convento foi ocupado pela Academia das Ciências em 1838, após a extinção das ordens religiosas.

Fachada lateral do convento e entrada da igreja (foto cortesia do SIPA)
A instalação naquele local desta congregação de franciscanos recua ao final do século XVI. O convento foi sendo construído ao longo do XVII, mas só terminado em 1707. Veio a sofrer grandes danos em 1755 com o terramoto, mas logo começou a reconstrução e a edificação de uma magnífica biblioteca que ainda hoje se pode admirar na Academia das Ciências.

O teto da biblioteca (foto cortesia do SIPA)
Atentando melhor na minha gravura, a presença de urnas e a moldura em fita ou filete azul, onde se entrelaça uma faixa de tecido ou panejamento a terminar em borlas, fazem-me pensar num gosto neoclássico, o que dataria esta gravura de finais do século XVIII ou inícios do XIX, portanto da fase do convento após o terramoto.
Quanto à Irmandade de Escravos do Santíssimo Sacramento, intrigou-me o nome à partida, mas é apenas mais uma das irmandades religiosas que existiam em igrejas de Lisboa, como a de Santa Ana ou a de Santa Engrácia.

14 comentários:

  1. Dear Maria,
    those are religious treasures. I love this artwork and also the engraving is very nice made. You will problably find all the informations you want. I think it is not a problem that the item shows signs of its age.
    Best greetings, Johanna

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    1. Hello Johanna,
      I must confess I'm not a believer, but I do admire these expressions of popular faith, especially when they provide information about old places, past customs, artistic styles...
      And with the internet, research became much easier!
      Thanks for your comment.
      Hugs

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  2. Estas peças são um requinte para o olhar.
    A paciência das pessoas de antanho não caíu em "saco roto". Finalmente podemos apreciá-las e regozijarmo-nos pela sua conservação.
    O facto das peças mostrarem partes danificadas, ou em menos bom estado, só atestam a seu favor, pois mostram o muito por que passaram, dão-nos testemunho da sua vida e isso aumenta-lhes a dignidade e o respeito que devemos ter por elas.
    Como aquelas pessoas que, após uma vida atribulada, sobreviveram e são capazes de nos transmitir o seu testemunho.
    Gosto imenso das suas peças, apesar de, tal como a Maria Andrade, não ser crente, no entanto isso não nos impede o podermos utilizar os olhos da experiência e da razão.
    Não obstante não sermos crentes, somos seguramente sensíveis
    Manel

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    1. Fico muito satisfeita, amigo Manel, por ter apreciado estas peças, já bem castigadas pelo tempo!
      É verdade que a arte, a beleza e o bom gosto não têm credo, ou melhor, até podem ter, mas conseguem afirmar-se num outro plano; é só preciso ter uma mente aberta e alguma sensibilidade para se ser capaz de valorizar o que nos chega de diferentes origens, culturais ou religiosas...
      Obrigada pelo comentário e tenha uma boa semana de trabalho.

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  3. Gostei muito.
    Fez-me recordar e procurar alguns registos, que estão cá por casa (mais na casa da minha sogra).
    Tenho andado um pouco "distraído" e por esta razão, às vezes, só dou uma olhadela ao seu blog, que merece muito mais do que isso.
    Prometo que vou estar mais atento.
    Cumprimentos.
    Jorge Pereira

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    1. Caro Jorge Pereira,
      Então também tem destas relíquias guardadas aí por casa?
      Vale a pena tê-las a salvo pois são testemunhos bem interessantes da religiosidade popular em tempos que já lá vão.
      Agradeço a visita e a simpatia, é sempre um prazer vê-lo por aqui.
      Cumprimentos

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  4. Maria Andrade

    Finalmente mostrou os seus registos e de facto a espera valeu a pena.

    O primeiro é um primor, um mimo de uma certa pieguice católica, mas que tem imenso charme. O menino Jesus e toda a decoração que lhe fizeram à volta vem na melhor tradição dos conventos femininos e na devoção quase insensata que tinham à figura de Cristo enquanto criança, que lhes levou a encomendarem fatinhos luxuosos e camilhas iguais aos verdadeiros leitos.

    Quanto ao segundo, a estampa é bonita, mas nunca tinha visto uma moldura em metal deste género. A imaginação destas senhoras devotas não tinha limites.

    Bjos e continue com os seus registos e verónicas e olhe que a arte sacra se torna um vício, o Manel que o diga, que dantes berrava contra os santinhos e hoje povoa a casa com eles.

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    1. Ainda bem que gostou dos registos, Luís, e não foi o único, por isso sempre valeu a pena mostrá-los aqui.
      O segundo não tem a mesma origem do primeiro. Imagino-o a ser vendido no próprio convento ou na igreja em Lisboa ou então numa loja lisboeta de artigos religiosos, mas são apenas as minhas suposições.
      Tenho por cá outras gravuras relgiosas, umas com moldura outras à espera de serem arranjadas...
      Um dia destino aqui uma parede para cobrir de cima a baixo com registos deste género.
      Que acha? :)
      Bjs.

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  5. Fascinating post Maria! The first artwork is amazing. The nuns must have real patience to create such an intricate and beautiful work! I love the look of it! The next piece as well. I am sorry the spots did not come out. How amazing that finding a favorite piece can lead one to discover more about history.
    Hugs,
    Terri

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    1. Oh Terri, I'm so pleased with your visit and comment, considering the topic...
      And I see you've understood most of the text, so Google Translator isn't doing badly, after all. :)
      Have a wonderful week.
      Hugs

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  6. Uma parede só com registos ficará certamente bem. Um amigo meu vive numa água furtada e reservou as paredes de uma trapeira ou janela de mansarda só para registos e verónicas e o efeito era fabuloso, pois dir-se-ia que se estava numa capela de ex-votos.

    bjos

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    1. Por enquanto é só uma ideia... é um problema ter que espetar vários pregos, mas ando a estudar o caso :)

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  7. Dear Maria.. What wonderful iconic relics... the imagination and artistry is a rare treasure... They are all so special and significant since they are handmade... ... I learn so much from your fabulous blog....Hugs

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    1. Thanks Zaa, you are very kind!
      I agree that these handmade artworks are unique. No one does this kind of thing any more and that's what makes them so special...
      Hugs

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