sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Culto de afetos

Desde o passado fim de semana e até quarta-feira, Dia de Finados, mas sobretudo no feriado de 1 de Novembro, o Dia de Todos os Santos para os católicos, a vida de muitas pessoas nas nossas cidades, vilas e aldeias, centrou-se nas idas aos cemitérios, primeiro para tratar de todos os trabalhos de limpeza e embelezamento das suas campas e depois para acender velas e luminárias, e assim recordar e prestar  homenagem a amigos e familiares já falecidos. Em algumas terras aqui à volta há missas, rezas, procissões, rituais católicos a que os crentes se associam. 


Essencialmente, para crentes ou não crentes, são dias que dedicamos a pessoas que fizeram parte das nossas vidas, que amámos e nos amaram mas já não estão presentes, e portanto eu chamar-lhe-ia uma celebração de afetos.
Assim, da mesma maneira que nos blogues americanos e de outros países de língua inglesa não faltaram  posts dedicados ao Halloween - já nem vale a pena explicar o que é porque de há uns anos para cá também no nosso país não faltam celebrações do Dia das Bruxas a 31 de Outubro - achei que esta semana vem muito a propósito falar deste assunto e mostrar aqui um conjunto de objetos que encontrei há uns anos na Feira da Ladra e se relaciona com o nosso culto dos mortos.







 São placas de vidro pintadas com imagens de campas e de flores e com dedicatórias a um ente querido falecido, com aros em metal, talvez chumbo ou zinco.
Imagino que estas placas se destinariam a ser penduradas  no interior dos jazigos - ou capelas como se chamam por aqui - talvez na parede frontal onde há normalmente um pequeno altar, sendo com certeza uma alternativa às ofertas de flores que hoje têm completa exclusividade.
Não sei se estas chegaram a estar ao uso e foram depois vendidas em consequência da venda ou renovação do jazigo ou se pura e simplesmente ficaram esquecidas no fundo dum caixote numa loja, talvez numa velha agência funerária.
Nunca tinha visto nada no género exposto ou à venda e por isso, de tão estranhos que achei estes objetos,  decidi comprá-los, baratos, claro - para os vendedores não passariam de monos com cenas lúgubres - e tentar descobrir mais sobre eles.  
Agora estão fechados numa gaveta, já que não  é propriamente coisa que se pendure na chaminé do fogão de sala ou por cima do aparador :), mas de vez em quando vejo-os e lembro-me de fazer uma pesquisa, só que até agora não consegui encontrar nada.
Pela roupa da figura feminina e pelo estilo das campas, penso tratar-se de objetos do final do século XIX ou início do XX, mas gostava de saber mais...


10 comentários:

  1. Ola Maria Andrade!!

    Que lindos, raros e macabros objectos!!!

    A placa de "A nossa amiga" ainda da para rir.. =D

    Mas a da filha toca um pouco.. Até pelo historia que o objecto terá.. Que para nos é desconhecida.. Infelizmente...


    Um bjinho

    Flávio

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  2. Olá Flávio,
    Veja lá como são as coisas...
    Tinha acabado de dizer a um amigo, por e-mail, que não contava ter comentários a este post, tratando-se de um tema ingrato, para muitas pessoas desagradável, e eis que o mais novo dos meus visitantes aparece a reagir ao post! Surpreendeu-me!!!
    Penso que estes objetos são equivalentes aos ramos de flores com dedicatórias que toda a gente oferece em funerais, só que as flores e as dedicatórias acabam por desaparecer...
    Afinal há poucos dias andou meio Portugal a visitar cemitérios, a enfeitar campas... e tudo isso é natural, faz parte da vida, já que a morte é certa ... mas quanto mais tarde melhor! ;)
    Beijinhos

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  3. Que curioso, nunca tinha visto nada assim!!! Ou talvez pensando bem, em termos estéticos recorda-me os ex-votos, aquelas pinturas ingénuas, feitas em madeira, representando a graça que uma qualquer Nossa Senhora fez a um crente e que este decidiu imortalizar numa tábua pintada e oferece-la ao Santuário da Virgem. É sem dúvida o mesmo gosto popular e ingénuo dos ex-votos.

    Gostei dos objectos e acho-os com um grande interesse etnológico.

    Abraços

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  4. Olá Luís,
    Sabe que estas placas também me lembram vagamente os ex-votos? É certamente pelo tipo de pintura, muito naif, mas na última, com a figura feminina, é a cena em si que também mos faz lembrar.
    São apenas curiosidades e valem pela raridade e por serem um testemunho de práticas já desaparecidas de celebração dos funerais, daí o interesse etnológico de que fala.
    Um abraço

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  5. Gostei muito do termo celebração dos afetos, é bem mais carinhoso.
    Tb nunca vi peças assim e a última placa tem um aspeto sinistro devido à figura de preto, é um pouco assustadora. Obrigada pela partilha. Bjs e bom domingo

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  6. Olá Sandra,
    Muito obrigada pela sua visita.
    Quanto à figura de preto que considera sinistra, representa uma mulher enlutada pela morte do pai, com um luto carregado que ainda na minha infância durava dois anos. E depois eram mais 6 meses "a aliviar o luto", isto é, a vestir cores mortas, preto e branco, cinzentos...
    É curioso verificar como estes hábitos nos são agora tão estranhos, mas há quarenta ou cinquenta anos ainda era assim, sobretudo nas aldeias e nas terras do interior.
    Beijos e um bom domingo também para si.

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  7. Sim, conheço bem esses hábitos, sou de Torres Novas e vi esses lutos anos e anos, sempre achei despropositado. O desenho mostra bem esse luto pesado e doloroso, dai o assustador.
    Bjs.

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  8. Tem razão, Sandra, era um exagero, sobretudo por se tratar de uma imposição social que as pessoas se sentiam coagidas a seguir.
    Nessa época, muitos estrangeiros que nos visitavam estranhavam as vestes negras das nossas mulheres, sobretudo nas zonas rurais e piscatórias.
    Pudera! Com famílias grandes, havia sempre um qualquer luto a observar; e então as viúvas nunca mais largavam o negro!
    Felizmente esses tempos opressores já lá vão e agora cada um faz o seu luto como bem entende,sem esse tipo de imposições.
    Um abraço

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  9. Nunca tinha visto estes objectos, nem à venda nem em uso, mas também é verdade que não sou muito curioso no que toca a este tipo de devoção.
    Fico até um pouco inquieto, pois acabo por imaginar que tipo de aperto ou infelicidade estiveram na base da sua produção.
    Ia algumas vezes visitar uma pequena ermida no topo de uma serra que pertence ao maciço da Sicó, um local de culto muito antigo, e que dá pelo nome de N. Sra. da Estrela.
    Esta ermida é o prolongamento de uma lapa natural feita à custa da porosidade da pedra calcária, com umas pequenas poças de água no seu interior.
    Moisés do Espírito Santo liga este local a cultos mais antigos, de "divindades" que pretendiam ter culto em locais ermos, fora dos locais de culto oficial, e cuja origem é pagã.
    Pois, como dizia, esta capela era objecto de romaria anual, e estavam expostos nas paredes, sobretudo na área do altar, todo o tipo de memorabilia devocional e de ex-votos que eu sempre achei algo macabros e dos quais eu tentava desviar o olhar, pois só me traziam à cabeça o sofrimento humano.
    A religião, como afinal quase tudo, tem destes extremos: manifestações apelativas, estereotipadas, brilhantes e de grande ostentação, e, a par, revela estes aspectos mais negros e sofridos, que julgo representar a parte mais cabalística e íntima do nosso lado sagrado, que também faz parte do interior de cada um de nós. Alguns desenvolvem-no, outros, como eu, atrofiam-no e deixam-no ao "Deus dará".
    Uma boa semana
    Manel

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  10. Olá Manel,
    Conheço essa ermida da Sra da Estrela, fui dar esse passeio há uns anos a partir de Condeixa, mas acho que não cheguei a entrar na capelinha, estaria fechada...
    Recordo-me sim de ser uma construção muito incaraterística, talvez resultado de uma remodelação para a pôr "moderna", mas a paisagem que se avista dali é lindíssima.
    Era realmente nesses locais de pedregulhos, mas também nas fontes ou nascentes que se fazia o culto das divindades pagãs e a Igreja Católica acabou por se apropriar desses cultos muito antigos, enraizados na memória dos povos...
    Mesmo estas celebrações de Todos os Santos e do Dia de Finados estão muito próximas do Halloween (All Hallows Evening) de raizes pagãs, só que o Halloween, embora fosse apropriado, parece ter regressado ao paganismo com todas aquelas manifestações carnavalescas e festejos que o caraterizam atualmente.
    Quanto aos ex-votos, também eu me sentia incomodada com os de cera, a encher espaços exíguos: mãos, pés, braços, cabeças, achava tudo aquilo com um aspeto macabro.´
    Os outros, ingenuamente pintados, são outra coisa, gosto bastante de apreciar as cenas e até de tentar decifrar os textos quando os vejo em exposição.
    Uma boa semana também para si.

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