terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Afinal o prato com a coroa... era do Espírito Santo!!!

Bandeira do Espírito Santo de uma irmandade açoriana
Mostrei aqui, há pouco mais de um mês, um prato de faiança decorado com a coroa real, tendo como intenção assinalar a comemoração do Dia da Restauração a 1 de Dezembro de 1640.
Era minha convicção que a coroa real e aquele raminho num azul tão monárquico se destinavam a prestar tributo à monarquia portuguesa e foi nesse pressuposto que desenvolvi todo o texto.


Estranhava apenas que todos os outros exemplares que conhecia, assim como o belo conjunto  que vim  a acrescentar ao post por cedência de fotos de uma colecionadora amiga, para além da coroa apresentassem outros símbolos reais, como as bandeiras e as armas reais.
Na altura o Mercador Veneziano enviou-me fotos de pratos só com a coroa, mas não lhes encontrei grande afinidade com o meu, quer em termos cromáticos, quer decorativos, por serem  a azul e branco e com cercaduras muito diferentes.



Ele tinha-os fotografado num dos seus catálogos e enviou-me também as descrições de ambos, que atribuiam o primeiro a Gaia e o segundo a Coimbra
Estava tão interessada em encontrar afinidades que me ajudassem a determinar o local de fabrico do meu prato, que não me detive noutras reflexões sobre os motivos simbólicos. Afinal eu já conhecia aquela coroa em contextos que já nada têm a ver com a monarquia, mas foi o Mercador Veneziano que me pôs à frente dos olhos essa nova pista.


Enviou-me fotos de um outro livro seu intitulado "A Cerâmica Terceirense" de Jácome de Bruges Bettencourt e eu pude constatar que este tipo de decoração, embora geralmente monocromada,  era usada em pratos destinados ao culto do Espírito Santo, introduzido em Portugal pela "Rainha Santa" Isabel de Aragão, mulher de D. Dinis, em tempos  festejado por todo o país, mas hoje sobretudo arreigado em terras açorianas, ou naquelas para onde foi levado pelos emigrantes açorianos no Brasil e nos E.U.A.


Só nessa altura reparei que a coroa do meu prato tem desenhado ao centro, por baixo da cruz, o que se pode entender como o corpo estilizado de uma pomba com as asas abertas, mas nenhum dos outros pratos apresenta essa caraterística.
São peças que se destinariam à recolha de esmolas - não de dinheiro mas pedaços de carne ou de pão que depois eram servidos no bodo -   sendo os alimentos servidos gratuitamente a toda a população, originalmente aos mais pobres da comunidade, em compridas mesas ao longo da rua, daí a origem da expressão "bodo aos pobres".
Mesa do bodo com o Império ao fundo -Vila da Calheta, S. Jorge, 1959
Estou ligada aos Açores e a estas festividades por dois períodos da minha vida: ainda criança, vivi  meio ano na vila da Calheta da ilha de S. Jorge e aí tive a experiência de ser coroada com a coroa imperial do Espírito Santo numa das coroações integradas nos festejos que se realizavam na Primavera. Ali era escolhida uma criança para desempenhar as funções de imperador e ser coroada, no fim da missa de festa.


Colocação da coroa, aqui só para a fotografia

Cortejo da coroação dirigindo-se à igreja

Mais tarde na cidade de Angra, onde vivi dois anos da minha adolescência, assistia à festas que se realizavam a partir de Maio quase todos os fins de semana nas diversas freguesias, incluindo touradas à corda, e passava diariamente, nas minhas idas para o liceu,  por um destes Impérios do Espírito Santo, edifícios muito ingénuos e garridos, sobretudo na Terceira, onde se centram as atividades de cada irmandade e que nos dias de festa
estão todos abertos e engalanados.

Império de S. Bento na cidade de Angra

Aqui no continente, embora ainda haja várias localidades que realizam festas de culto ao Espírito Santo - sendo a mais conhecida a Festa dos Tabuleiros em Tomar - só tenho conhecimento de uma localidade onde as festas têm ainda hoje caraterísticas semelhantes às dos Açores: Colares no concelho de Sintra, a avaliar por um programa das festas que li num site da internet.
Voltando ao meu prato com a coroa, permanece a dúvida de onde terá sido o seu fabrico. A decoração é muito diferente da dos exemplares açorianos aqui mostrados, para mim tem um ar nortenho, por isso talvez se destinasse a celebrações em terras continentais, mas quais?
Quem se interessar pelo tema do culto ao Divino Espírito Santo, poderá ficar a saber mais em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Irmandades_do_Divino_Esp%C3%ADrito_Santo

Um agradecimento muito especial ao Mercador Veneziano que me sugeriu esta interessante pista, sendo o responsável por algumas (re)descobertas que fiz e por me fazer revisitar outros tempos, outros lugares...

12 comentários:

  1. omo sempre, tudo muito lindo por aqui.
    bjs
    Tina (SONHAR E REALIZAR)

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  2. Olá Tina,
    Muito obrigada pela visita e pelo comentário.
    Apareça sempre!
    Beijos

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  3. Maria Andrade

    Gostei do seu post. Lançou dúvidas muito interessantes, além de que escreveu sobre uma das pequenas cidades mais bonitas de Portugal, Angra do Heroísmo, que é uma espécie de mini capital barroca cheia de charme.

    E talvez o prato ser um fabrico da região do Porto e a coroa ser a do Espírito Santo dos Açores não sejam de todo incompatíveis. Como sabe Angra era o porto de escala entre Portugal Continental e o Brasil. O barroco de Angra sofre a influência do barroco de Minas Gerais e do Mexicano, pois a cidade manteve um contacto muito estreito com as Américas. Não chamam os açorianos ao pau-santo Jacarandá, tal como os brasileiros?

    Mas onde eu quero chegar é que ao longo do Século XIX as fábricas portuenses exportaram em larga escala faiança e azulejos para o Brasil. Já vimos no meu blog urnas e taças de Miragaia e Sto. António do Vale da Piedade em terras do Brasil. Era natural, que alguma dessa produção de faiança ficasse nos Açores e que até fossem encomendados na cidade do Porto ou em Gaia pratos e jarras com o motivo do culto do Espírito Santo para capelas na Terceira.

    Enfim, são tudo conjunturas, para um tema fascinante.

    Abraços

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  4. O Luís tem razão, é muito possível que este tipo de prato fosse fabricado para o mercado açoriano pelas fábricas de faiança do Norte. Afinal a maior parte do abastecimento dos Açores, incluindo loiça, fazia-se a partir do continente, serviços de Sacavém, por exemplo, embora no período do negócio da laranja também lá tenham chegado belíssimos serviços de faiança inglesa de que hoje existe uma importante coleção no Museu de Angra.
    É verdade que a Terceira, sempre considerada a ilha mais festeira das nove, teve o seu próprio fabrico de faiança, mas a fábrica só abriu em 1886, talvez não fosse ao encontro de todos os gostos em todas as ilhas e já antes devia haver procura de loiça deste tipo.
    Quanto à cidade de Angra, é uma pequena jóia que ali está e tenho agora em casa vários livros bem ilustrados, de um autor açoriano, sobre o seu passado glorioso precisamente por ser escala obrigatória das rotas das Américas e da prata e também das rotas da Índia e da África. Na cidade ficavam grandes quantidades de prata e outros objetos preciosos graças à permanência que ali faziam as naus para abastecimento. O pior é que os piratas de vez em quando limpavam-na...
    Enfim, tudo isto é muito interessante, permite-nos divagar muito e lá iremos acertando nalguma coisa... :)
    Abraços

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  5. Olá Maria Andrade.
    Bom ano com continuação de excelentes posts.

    Pois ainda bem que existem pessoas disponíveis para ajudar como o Mercador Veneziano, um simpatiquíssimo rapaz que temos o prazer de conhecer pessoalmente.

    De facto, agora sabemos que a coroa é alusiva ao culto do Divino Espírito Santo, um culto que no continente caiu em desuso por volta dos anos 50...
    Quanto ao fabrico não há dúvidas que é de uma fábrica do norte. Inclino-me para Darque pela barra amarelo canário uma característica usada na decoração desta fábrica e o manganês tipo esborratado como o azul cobalto. Mas pode ser fabrico de Fervença.Pois!

    Gostei de saber das suas vivências nos Açores.Só conheço Ponta Delgada, foram 8 dias espetaculares com o cozido nas furnas.

    Bjs

    Isabel

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  6. Olá Maria Isabel,
    Tem graça que o seu comentário entrou aqui em simultâneo com a resposta que dei ao do Luís :) É verdade que o Mercador Veneziano está sempre pronto a ajudar nestas identificações, é um amigo simpático e atento que traz contributos muito valiosos graças aos recursos de que dispõe.
    Anda é um tanto desaparecido da blogosfera...
    Quanto ao meu prato, pelas cores e pelo que conheço, agora inclino-me mais para Fervença do que para Darque, aqueles círculos a manganés até estão também num prato seu muito bonito, com botões de flores espalhados por toda a superfície, que me parece Fervença e a Mª Isabel penso que também o tem como tal. A barra amarela também acho que aparece em Fervença, mas são sempre dados falíveis e eu da faiança de Viana policromada sei muito pouco. A Mª Isabel talvez conheça outros exemplares...
    Obrigada pela visita e pelo comentário.
    Abraços

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  7. afinal o post lá se compôs depois de uma boa dose de pesquisa sobre as festividades do Divino Espírito Santo...

    tal como lhe tinha dito quando mostrou o prato pela primeira vez, parecia-me que o desenho apresentado estava pouco relacionado com outros pratos contemporâneos decorados com o brasão monárquico e coroa, pelo que a pesquisa nos livros e catálogos que por cá tenho relevaram peças de tema semelhante, mas claro que a possibilidade de poder pertencer às festividades do Divino Espírito Santo só surgiu com a consulta do livro da Cerâmica Terceirense, que para ser sincero, se não o tivesse consultado recentemente, nunca me lembraria de fazer tal associação.

    com isto tudo, não me parece que esteja encerrado o debate sobre qual o propósito da coroa no prato, pois se por um lado falta bibliografia que suporte esta ideia, por outro pode-se dizer que a cerâmica terceirense é bastante distinta na qualidade da pasta e sua decoração, no entanto, parece-me ser uma ideia bastante plausível e acredito que lhe dá um significado especial pela relação que tem com as festividades.

    Mercador Veneziano

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  8. Olá Maria
    Gostei do seu post sobre a ligação do prato coroado com o culto do Divino Espírito Santo, nos Açores. Ainda não tinha comentado, pois estava à espera de falar com uma familiar, natural da freguesia das Lages, na Terceira. Descreveu-me com rigor como se processam as festas do Divino Espírito Santo, na sua freguesia. Estas celebram-se anualmente, durante oito domingos, e têm início no primeiro domingo a seguir à Páscoa. Os dois últimos domingos das celebrações são chamados "os domingos do bodo". É feito um peditório pela localidade. Tudo o que é recolhido (normalmente pão e vinho) guarda-se na "despensa", em edifício próprio, que se situa ao lado do Império. No domingo, distribui-se a quem quiser. No último domingo são escolhidas as oito famílias que irão ficar encarregadas das cerimónias do ano seguinte. A primeira família dessa lista tem, à sua guarda, as coroas do Divino Espírito Santo e, em sua casa, ergue-lhe um altar.
    Cada família indica as pessoas que pretende sejam, simbolicamente, coroadas. Essa coroação é feita na igreja. As coroas vão da casa da família onde se encontram, em cortejo, para a igreja onde se procede à dita coroação e, de seguida, segue novamente em cortejo para a casa da família, onde é oferecido o almoço e se prepara, também, a mesa dos pobres. Findo este, a família e os convidados vão, de novo em cortejo, levar as coroas á próxima família.
    E assim sucessivamente...
    Espero não me ter alongado.
    Cumprimentos.
    if

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  9. Olá Mercador,
    É como diz, o post tardou mas lá se compôs, graças à sua ajuda e ìncentivo.
    Sinceramente, acho que me levou no caminho certo e estou agora convencidíssima que aqueles símbolos são das festividades do Espírito Santo; por isso coloquei em primeiro lugar no post a bandeira com as mesmas representações.
    Não nos podemos esquecer que estas faianças são do final do séc.XIX ou início do XX e nessa altura, o culto ao Espírito Santo no continente podia ter ainda muitas das caraterísticas que se preservaram nos Açores, por isso acho que o meu prato, como os outros, foi fabricado para esse fim.
    Até em Coimbra há ainda anualmente a Romaria do Espírito Santo, hoje mais conhecida pela Feira do Espírito Santo, mas quem sabe como seriam essas celebrações no séc. XIX?
    Foi um contributo muito importante que deu aqui.
    Um abraço

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  10. Olá If,
    Muito obrigada por se ter informado sobre este assunto e por ter descrito tão bem a sequência das festividades.
    É que eu já não tinha memória destes pormenores e também não tinha ninguém a quem perguntar.
    Agora que falou em todo o processo, tenho ideia de que aquelas duas meninas gémeas que me ladeiam e seguram a coroa na 2ªfoto eram filhas de um senhor das relações do meu pai e por isso depreendo que seria essa a família (ou uma delas) encarregada da coroação e que fez o convite aos meus pais para que eu fosse coroada.
    Deve haver pequenas diferenças de ilha para ilha e de freguesia para freguesia, dependendo também do tamanho da localidade, mas em geral penso que as festas do Divino Espírito Santo seguiam os passos que descreveu com todo o rigor.
    Só não refere aqui a tourada à corda que na ilha Terceira era/é um ponto alto das festas, não sei em qual dos domingos, e é a única tourada que eu de alguma forma tolero. Os touros, um de cada vez, andam a correr pelas ruas amarrados por uma corda muito comprida e vão marrando em tudo ou todos os que lhes aparecem à frente, numa brincadeira que magoa alguns mais afoitos mas não magoa os touros :)
    Enfim, os Açores são um lugar muito especial e neles a Terceira é a minha ilha favorita e Angra a minha cidade.
    Foi muito bom recordar tudo isto.
    Abraços

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  11. Cara Maria...estou a visitar o seu Blog pela primeira vez e desde já lhe digo que o acho uma fantástica delícia!!!
    É muito bom poder ler sobre um tema que tanto me apaixona "Antiguidades"...apesar de ao meu alcance estarem mais as velharias!!!
    Conto em tornar-me seguidora...aprender e trocar ideias!!!
    Fantástica a sua parte sobre Faiança e Arte Sacra....no entanto o mobiliário também me fascina.
    Abraços e continue com o excelente trabalho!

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  12. Cara C.Sobral,
    Muito obrigada pelas suas palavras tão amáveis e que são para mim um grande incentivo.
    Já vi que se tornou seguidora do blogue, o que também lhe agradeço.
    Pelos vistos, partilhamos este gosto por velharias e antiguidades e muito me agrada que encontre aqui motivos de interesse, mas são sobretudo a faiança e a porcelana que mais me fascinam.
    Espero poder continuar a contar com os seus comentários, que certamente virão enriquecer a troca de ideias.
    Abraços

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