quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Galheteiro em faiança de Gaia ou de Miragaia?



Tinha este galheteiro de faiança já há algum tempo à espera de saber algo mais sobre ele, para além de, pela decoração, lhe atribuir origem "porto-gaiense". Bem sei que haveria muita gente a afirmar a pés juntos que ele é de Miragaia, mas já sabemos como essa atribuição é muitas vezes errónea, havendo várias outras possibilidades.
Os galheteiros que tenho visto com atribuição séria a Miragaia, ou estão marcados com o R de Rocha Soares, ou, marcados ou não, apresentam a base vazada, em policromia com grinaldas ao gosto neoclássico ou com argolas circulares ou ovais que se sucedem a toda a volta.


A semana passada, na minha última visita ao Museu Soares dos Reis, no Porto, reparei num exemplar em pó de pedra dentro duma vitrine, com exatamente o mesmo formato deste meu galheteiro, quer na pega, quer nos encaixes cilíndricos da base, quer no recipiente frontal em forma de concha com tampa. Vê-se a parte de trás na foto dentro da vitrine, e foi pela forma da pega, em D ou orelha, que me apercebi da semelhança.

Vitrine do Museu Soares dos Reis com faiança da Fábrica do Cavaquinho

Entretanto, já encontrei vários com a mesma estrutura e formato nas coleções dos museus nacionais, uns em pó de pedra outros em faiança mais grosseira, mas sempre em museus do Norte. Foi do Matriznet que copiei a foto que se segue, do mesmo exemplar que está dentro da vitrine, e para comparar juntei-lhe uma fotografia do meu galheteiro em "pose" idêntica.



Acontece que o galheteiro do MNSR,  como as restantes peças de pó de pedra que o acompanham, está atribuído à Fábrica do Cavaquinho, uma das unidades cerâmicas instaladas junto ao Douro no final do séc. XVIII, a par de Massarelos e de Miragaia, mas na margem de Gaia. Só que se trata de uma segunda sociedade fundada com este nome em 1786, que integrava o Dr Domingos Vandelli  já ligado à produção cerâmica em Coimbra, e que, ao contrário da primeira unidade fabril, dedicada à faiança, decidiu lançar-se no fabrico de louça de pó de pedra à maneira inglesa, projeto que foi bem sucedido durante alguns anos, até às invasões francesas. É desse período o galheteiro que se vê na vitrine.


Quanto a este meu, não será fabrico Cavaquinho, pelo menos não desse período já que não é em pó de pedra e tem um vidrado muito brilhante, mas é possível que tenham pertencido a essa fábrica, ou sido dela copiados, os moldes onde ele foi buscar a forma.
A Fábrica do Cavaquinho, em fases posteriores, dedicou-se à faiança de novo e pode até ter fabricado este tipo de galheteiros. Mas já em período decadente, a meados de oitocentos, acabou por ser vendida ao proprietário da Fábrica da Fervença, quando este teve que abandonar as primitivas instalações, bastante próximas do centro de Gaia, e passou a laborar ali. Quem sabe se ainda lá estavam muitos dos primitivos moldes prontos a serem reutilizados?
E agora, só para baralhar um pouco, resolvi aqui acrescentar uma base de galheteiro que encontrei à venda numa feira... como azeitoneira!


Está em péssimo estado, com o vidrado todo a descascar-se, mas a forma é a mesma, ressalvando que os encaixes cilíndricos são mais baixos e de maior diâmetro, como ligeiramente maior é o tamanho da concha.

Quanto à decoração, onde é que eu já vi isto? Lá para os lados de Viana... ou será Fervença?!

Entretanto, mais uma vez a If, que também gosta de galheteiros e no seu comentário admite a hipótese de o meu galheteiro ser de Miragaia - eu diria que sim pela decoração mas não pela forma - enviou-me várias fotografias de um belo exemplar seu, certamente bastante mais antigo e com pormenores de maior requinte.

A mesma estrutura e número de elementos

A elegância das galhetas e a concha com divisória ao meio

Decoração de grinaldas e laços ao gosto neoclássico

A pega mais fina mas de desenho semelhante
Este a ser Miragaia, uma hipótese que também se coloca, seria certamente do 1º período (1775 - 1822).

Graças à achega da If sobre o meu galheteiro, até já acrescentei o título do post!!!

Nota: A informação que aqui partilho sobre a Fábrica do Cavaquinho obtive-a em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/3834.pdf

14 comentários:

  1. Adoro este tipo de galheteiro! Acho mesmo lindo, e gostaria muito de ter um ao menos parecido, seja em azul ou policromia. O mais engraçado é que a única fábrica que fez algo assim no Brasil, no passado, não era de portugueses, mas sim de um italiano. Já comentei isso uma vez, talvez tenha sido mesmo neste teu blog, que gosto tanto de visitar e me meter a comentar.
    b'jinhos!

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    1. Olá Fábio,
      Também adoro galheteiros de faiança, sobretudo os mais toscos e antigos ;), mas continuaram-se sempre a fabricar por cá. Há muitos modelos em faiança de Alcobaça e a Fábrica de Sant'Anna em Lisboa tem feito muitas cópias de modelos antigos. Quando cá voltar é só escolher...
      Obrigada pelo comentário.
      Beijos

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  2. Não conhecia o seu Blogue e gostei muito de o visitar. Ficarei "cliente". Cordialmente,
    APS

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    1. Obrigada APS. Dou-lhe as boas vindas ao meu blogue.
      Cumprimentos

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  3. Me encanta la céramica azul y si es antigua ya no hay palabras.
    Un Abrazo

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    1. Olá Princesa,
      Ainda bem que partilhamos o gosto por estas cerâmicas.
      Obrigada pela visita.
      Beijos

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  4. Olá Maria
    Elegante e sofisticado o seu galheteiro.A sua forma, pouco usual entre este tipo de peças, dificulta a atribuição do seu fabrico. No entanto, o esmalte brilhante, os azuis degradés e o branco das flores que sobressaem, sugerem Norte e, provavelmente, Miragaia (aliás já aqui publicou um prato marcado Miragaia com a mesma cercadura de flores.
    if

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    1. Sabe bem, If, como eu prezo as suas opiniões e o facto de admitir que o meu galheteiro possa ser de Miragaia deu-me bastante satisfação. A ser assim seria uma peça do 2º período de fabrico(1822-1850) quando se introduziram na produção as decorações estampilhadas em tons de azul. A verdade é que toda a decoração do galheteiro lembra essa fase, mas sabemos como as cópias proliferaram pelas fábricas das redondezas e eu nunca encontrei um galheteiro deste formato atribuído a Miragaia; nem mesmo um igual em forma e decoração que vi num catálogo online da leiloeira Cabral Moncada de Maio de 2003. Mas as descobertas vão-se fazendo e de qualquer maneira é uma peça que me dá muito prazer ter.
      Obrigada e bom fim de semana.

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  5. Maria Andrade

    Em primeiro lugar o seu calheteiro é lindo e faz-me roer da mais pura e espontânea inveja. Lol. Depois, a If, brindou-nos com mais outro galheteiro fantástico,

    Agora quanto a atribuições...fico sempre hesitante, mas de facto, a If tem razão numa coisa, as florinhas são semelhantes aquelas da série País de "Miragaia", portanto do chamado segundo período. Mas todas estas manufacturas se copiavam umas às outras e usavam os mesmos moldes. Já aqui se falou o papel da Fábrica do Rato, que servia de escola para aprendizes vindos de todo o País e que quando regressavam às suas terras levavam não só as técnicas mas também os moldes consigo.

    Em todo o caso, achei interessante a sua linha de pensamento, que a levou a atribuir a peça ao Cavaquinho.

    Bjos

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    1. LOL, Luís, somos uma cambada de invejosos!
      Sabe, nestas atribuições, às vezes apetece-me ir pela rota menos batida, explorar hipóteses de que se fala menos, e sempre se aprende alguma coisa. E esta hipótese do Cavaquinho é tão boa como qualquer outra, dentro daquela zona, já que sabemos como as coisas se passavam entre fábricas tão próximas e até mais longínquas...
      Mas confesso que a filiação do meu galheteiro em Miragaia me agradaria muito...
      Beijos

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  6. Belíssimos galheteiros e interssante fonte de informação!
    Visitar este espaço é um momento de prazer... e de saber!
    Parabéns!
    Beijinho!

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    1. Ainda bem que gostaste, amiga! São temas não muito divulgados, que têm um público restrito, mas que podem contar histórias muito interessantes.
      Volta sempre!
      Beijinhos

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  7. É raro desaparecer-me um comentário, mas desta vez ... foi-se.
    Tinha-lhe dito que tinha muita inveja (sei que é um sentimento muito feio, já sei ... lol) deste seu galheteiro pela beleza da forma e a harmonia da cor, mas, mais ainda que este galheteiro que apresenta, prefiro, sem qualquer dúvida, aquele que adquiriu sem galhetas, como azeitoneira!
    Aquele friso de pequenas contas, ondulado, os ramos terminados com um pouco de cor, como se fosse uma flor, é indubitavelmente fantástico.
    Na verdade é pena que não tenha as galhetas, mas a beleza da peça não é em nada diminuída!
    Também lhe tinha dito que tinha achado curioso ter colocado a hipótese de ser Cavaquinho, pois não me teria lembrado disso, mas entendo as suas razões. Teria mais rapidamente pensado em Miragaia, por exemplo.
    Um bom resto de semana
    Manel (vamos lá a ver se agora não desaparece o comentário)

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    1. Eu sei o transtorno que é perder-se um comentário, amigo Manel! Não me tem acontecido ultimamente, mas quando menos se espera... Depois não apetece nada começar tudo de novo e tentar reproduzir o que já se tinha dito, mas obrigada por ter feito esse esforço.:)
      Quanto à base sem galhetas, descreveu muito bem a decoração, que eu acho ingénua e popular, mas muito delicada e de bom gosto; para mim é déjà vu mas não consigo localizar bem onde.
      O galheteiro tem uma decoração típica daquela zona de Gaia ou Porto, lançada por Miragaia é certo, mas depois reproduzida pelas outras fábricas de um lado e outro do rio; por isso fui ter ao Cavaquinho pelo formato, mas é só uma hipótese, tão válida como a de Miragaia ou de qualquer outra daquela zona.
      Acho os galheteiros peças muito engraçadas e lá tive a sorte de encontrar mais este a bom preço e a base uma pechincha! ;)
      Um abraço e um bom resto de semana também para si.

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