segunda-feira, 22 de julho de 2013

Exposição "Folhas de Clausura" em Coimbra


Não é uma exposição com imagens espetaculares, apelará certamente a um público muito restrito, mas aconselho-a a quem se interesse por livro antigo e pelo trabalho de conservação e restauro de livros. Poderão visitá-la até 28 de Julho, diariamente a partir das 15 horas.

Mosteiro de Santa Clara-a-Nova

Trata-se da apresentação ao público do resultado de um projeto realizado em parceria pela Confraria da Rainha Santa Isabel e pelo CEARTE  para reabilitação de parte do acervo bibliográfico que foi pertença das freiras clarissas do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova em Coimbra. O trabalho foi levado a cabo em duas ações de formação e concluído em regime de voluntariado, sendo as intervenções entregues a formandos sob a supervisão da técnica de conservação e restauro Maria do Céu Ferreira, de cuja oficina já aqui falei e tenho frequentado na Rua da Alegria em Coimbra.

 

Nas paredes do espaço expositivo alinham-se mais de duas dezenas de fotografias que ilustram as fases do processo de restauro dos livros, enquanto nos expositores horizontais se mostram os alvos da intervenção e nas vitrines se expõem materiais, ferramentas e produtos químicos que se utilizam nos trabalhos de restauro.

Um dos expositores com diversos livros e alguns objetos neles encontrados 
Não só pelas obras - todas de cariz religioso e em grande número  livros de ritual litúrgico - mas sobretudo pelos objetos encontrdos nos livros - pagelas, folhas secas, pequenos manuscritos e restos de materiais - é possível desvendar um pouco da vida quotidiana das mulheres que viveram em clausura naquele mosteiro. Daí também o interesse desta exposição.

À direita desenho em forma de leque com carateres orientais ainda não totalmente decifrados

Pagelas, os achados mais comuns dentro dos livros

Obra com encadernação de solapa, sem capa dura, ao lado de pagela e manuscrito nela encontrados







































Nestes trabalhos de restauro de livro antigo, valorizo a manutenção da capa original, sempre que possível, devendo ser colada sobre a nova capa de pele, como se vê  em baixo.




No catálogo da exposição, um dos responsáveis da Confraria da Rainha Santa Isabel faz um breve mas interessante historial das vicissitudes por que passou a comunidade de clarissas do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova e a sua livraria, desde o abandono do velho mosteiro assoreado junto ao rio e a instalação no novo edifício em 1677, até ao aquartelamento ali de tropas napoleónicas e à extinção das ordens religiosas a que se seguiu uma lenta agonia. Daí a dispersão que todo o acervo sofreu, sobretudo  após a morte da última freira em 1891. 
Os exemplares mais raros e mais antigos da livraria monástica foram incorporados em diversos arquivos, bibliotecas e museus - Biblioteca da Universidade de Coimbra, Biblioteca Nacional, Torre do Tombo, Museu Machado de Castro... O que restou no local, resultante já da fusão de dois acervos livrescos conventuais, o de Santa Clara-a-Nova e o de Sandelgas, integra 272 volumes já catologados, com datas entre 1611 e 1893, impressos em Coimbra, em Lisboa e no Porto, mas também noutras cidades europeias como Antuérpia, Madrid ou Veneza.




A caminho da saída, não resisti a fotografar este bucólico recanto do mosteiro, onde imagino uma jovem noviça a colher  folhas de avenca para secar dentro do seu livro de orações, longe de imaginar que esses seus  pequenos e singelos pertences viriam a ser descobertos e expostos a olhos profanos séculos depois...




10 comentários:

  1. Espero ir visitar essa exposição no dia 28 de Julho. Na apresentação esteve presente a Minha Chefe de Serviço e Amiga,e a minha antiga Chefe e também amiga fez uma apresentação, por muita pena minha minha não pude estar presente por causa dos horários do meu Serviço. Obrigada pela divulgação! Bem Haja.
    Maria da Conceição Alves

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    1. Cara M. Conceição Alves
      Ainda bem que tem planos para ir visitar esta exposição. Vale bem a pena porque é algo que raramente se vê.
      Também eu lamento não ter conseguido estar presente no dia da abertura, principalmente pelas intervenções de pessoas cujo trabalho admiro.
      A divulgação aqui tem pouco impacto, mas obrigada pela simpatia. Boa visita!

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  2. Que pena, já não poder ir a Coimbra com a frequência de antigamente. Adoraria dar um pulo à exposição. É uma área na qual tenho trabalhado e sobre a qual tenho um grande interesse pessoal. Muito embora seja um ignorante em restauro, adoro a catalogação de livros antigo e sou um coleccionador amador de estampas e sobretudo de pagelas e registos religiosos e interessa-me perceber o mundo ao qual estes objectos pertenciam.

    O espaço da exposição parece magnífico.

    Bjos e obrigado pela divulgação

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    1. Pois é, Luís, tenho a certeza que iria gostar de ver a exposição. Todo o acervo exposto tem muito a ver com os seus gostos e com a sua experiência profissional e até poderia ficar mais elucidado sobre restauro.
      O espaço monástico de exposição é muito adequado, mas um pouco inacessível para visitantes menos motivados e falta divulgação no próprio local, por exemplo junto à igreja, o que é pena.
      Beijos

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  3. Sra Maria A., e Sr Luis, tive a sorte de ter como Chefes duas grandes profissionais da catalogação do livro antigo, das quais tenho como Amigas, as Doutoras Graça Pericão e Isabel Faria, talvez por isso a minha grande paixão pelos livros antigos e velharias! tudo tem uma história maravilhosa ...
    Boa semana e bom trabalho
    Maria da Conceição Alves

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    1. São dois nomes bem conhecidos de investigadoras com obra publicada na área do livro antigo, nomeadamente o "Dicionário do Livro". Ainda bem que lhe transmitiram esse gosto pelo livro antigo, extensivo a outras velharias. É realmente um mundo maravilhoso!
      Um bom resto de semana também para si.

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  4. Olá Maria Andrade

    Muito interessante e obrigado pela divulgação.
    Apaixonado pelo restauro de objectos antigos em diversos materiais , o restauro de livros antigos passou ultimamente a interessar-me particularmente( agora com um espaço generoso para uma biblioteca).

    Um abraço

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    1. Caro Joaquim Malvar,
      É um prazer tê-lo por aqui de novo! E sabê-lo também entusiasmado pelo restauro de livros antigos, imagino que do acervo familiar. Se quiser pôr mãos à obra em casos menos difíceis, depois posso dar-lhe algumas dicas :)
      Um abraço

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  5. Olá Maria,

    Coimbra é de facto uma cidade linda! E essa exposição deve ser um maravilha. Pena é que esteja relativamente longe da minha área de residência.
    Seja como for, ao olhar para esses Missais e afins, veio-me de imediato à lembrança o meu Missal que albergava o tal "Canivet". Não há dúvida de que no interior desses livros escondem-se pequenos tesouros que lá foram deixados pelos seus anteriores proprietários. E por vezes através deles se faz história. Intrigou-me deveras aquele pedacinho de papel (manuscrito). Será uma oração específica? Uma mezinha caseira para alguma maleita?
    Também achei curioso um outro papelinho em forma de peixe. Embora o peixe fosse nos primórdios o símbolo dos Cristãos,portanto está adequado, mas parece-me descortinar algo escrito. E aquele leque com caracteres orientais é um autêntico quebra-cabeças.
    Outro facto que achei curioso, é que designam como pagelas,aquilo que comummente apelidamos de Santinhos. Ou chama-se pagelas aos Santinhos a branco e preto?
    Enfim, um Mundo dentro de outro Mundo que eram os Conventos.
    Ah, já me esquecia de referir que, certamente alguma freira em tempos idos deve, de facto, ter-se detido para colher as avencas. Esta planta tem qualidades curativas bem conhecidas desde tempos recuados. As minhas avós e bisavós - mulheres dadas aos chás- nunca a deixavam faltar nos seus armários. Segundo consta era muito usada para atenuar as dores menstruais, ou reumáticas, tendo essencialmente propriedades anti- inflamatórias.

    Abraço

    Alexandra Roldão

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  6. Olá Alexandra,
    É verdade que o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, do alto da sua colina, tem uma vista privilegiada sobre a bela encosta de Coimbra no outro lado do rio.
    Quanto a estes livros litúrgicos, sendo já de si tesouros bibliográficos, continham efetivamente outros pequenos tesouros. Havia variados manuscritos, desde anotações em latim que tinham a ver com o ritual da missa, até notas de compras de rendas e cretone com os respetivos preços :). Especificamente este manuscrito penso que era uma reflexão sobre a morte de Cristo. Havia recortes de papel, entre eles o peixe com várias palavras escritas, provavelmente com a simbologia cristã que sugere.
    Penso que pagela e santinho se referem à mesma coisa, só que o primeiro termo é, digamos, linguagem técnica e o segundo linguagem familiar.
    Foi novidade para mim essas propriedades anti-inflamatórias das avencas. Foram encontradas muitas folhas secas de avencas nos livros e se calhar a razão está mesmo aí... Sabiam muito as freiras!
    Um abraço

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