As celebrações do Senhor dos Passos constituem a maior festa religiosa que se realiza anualmente na vila de Condeixa-a-Nova. Durante as procissões, a nocturna de Sábado e a diurna na tarde de Domingo, há paragens com rituais de canto e de reza em várias estações da Via Sacra.
Uma dessas estações está assinalada com este painel de azulejos com data de 1782. Está numa casa particular, como estão outras já sem azulejos, e muitas mais já desapareceram.
Não creio que esta tradição condeixense de celebrar os Passos da Paixão seja muito anterior à data dos azulejos, já que, ao reler as Memórias Paroquiais de 1758 referentes a Condeixa-a-Nova, não a vi referida e sabemos como os aspectos religiosos de cada freguesia eram contemplados no inquérito ordenado pelo Marquês de Pombal e detalhadamente descritos nas respostas dos párocos.
Voltando aos painéis de azulejos, o que sei sobre eles encontrei sinteticamente referido no livro de José Queirós, Cerâmica Portuguesa, na parte III que é dedicada precisamente aos azulejos. Na listagem que faz, por ordem cronológica, dos azulejos datados, diz o seguinte no ano de 1780:
CONDEIXA. Nas paredes de algumas casa da vila, em azulejos, cruzes da Via Sacra, com as hastes e as molduras das bases polícromas. Dentro dessas molduras, cenas da Paixão. As figuras a azul. Há sete destas cruzes em diferentes ruas da vila. (o sublinhado é meu)
Quanto ao ano de 1782 diz o seguinte:
CONDEIXA. Motivo semelhante ao datado de 1780.
Tendo esta obra de José Queirós sido escrita no início do séc. XX, publicada em 1907, pode-se calcular o estrago que foi feito nos últimos cem anos. É certo que os edifícios se vão degradando, é necessário fazer obras e muita coisa tem de ser alterada, mas certamente teria havido forma de poupar os painéís de azulejos. Esperemos que pelo menos este belo exemplar seja preservado para as gerações futuras.
Para além da qualidade pictórica da cena retratada a azul, admiro a beleza da moldura no seu inconfundível estilo barroco com o mesmo tipo de elementos que eu, uma leiga no assunto, consigo identificar, por exemplo, no estilo D. João V - as folhas de acanto, as volutas e os concheados - embora este painel tenha sido fabricado já em pleno reinado de D. Maria I.
Em data muito posterior à desta publicação, três anos depois, vim a saber pela obra de Diana Santos, Azulejaria de Fabrico Coimbrão (1699-1801), Artífices e Artistas. Cronologia. Iconografia, que se trata de azulejos fabricados em Coimbra por Salvador de Sousa Carvalho, que esteve responsável pela Fábrica de Telha Vidrada, ali fundada pelo Marquês de Pombal.
Em data muito posterior à desta publicação, três anos depois, vim a saber pela obra de Diana Santos, Azulejaria de Fabrico Coimbrão (1699-1801), Artífices e Artistas. Cronologia. Iconografia, que se trata de azulejos fabricados em Coimbra por Salvador de Sousa Carvalho, que esteve responsável pela Fábrica de Telha Vidrada, ali fundada pelo Marquês de Pombal.
Ainda bem que se vão encontrando ainda alguns testemunhos deste conjunto, que, no seu apogeu, deve ter sido fantástico, não que o não seja hoje, mas porque se deve ter perdido a maior parte!
ResponderEliminarConheço Condeixa e dou conta da destruição que por ali grassou!
Este painel foi produzido, como a Maria Andrade refere, segundo o gosto Barroco, apesar de executado durante os anos em que em França se vivia o "Rocaille".
Sendo do conhecimento geral que nós, em Portugal, seguíamos de próximo os cânones franceses, é no entanto peculiar que o Rocócó, como ficou conhecido no nosso país, não angariasse muitos seguidores por aqui, excepto no Norte do país, onde nasceram vários edifícios sob o traço de Nasoni e Carlos Amarante, e de algumas obras isoladas, e mais eruditas a Sul, como Queluz, com infuências nitidamente francesas introduzidas por Robillon.
O Barroco manteve uma identidade mais ou menos forte e austera durante a fase do Rocócó português, estando traduzida na obra de Ludovice (um ourives alemão que, a par da ourivesaria, também desenvolveu os seus conhecimentos de arquitectura lá por Itália, e que aqui em Portugal praticou um barroco extremamente contido e até algo germânico), do húngaro Mardel, Mateus Vicente de Oliveira e Reinaldo dos Santos.
Em simultâneo, a necessidade de acudir à reconstrução de Lisboa durante toda a segunda metade do século XVIII obrigou a uma contenção e racionalização de despesas na arquitectura, mantendo-se esta com características que estão mais próximas já da simplicidade, ordem e austeridade classicistas, e a que se convencionou chamar de "pombalino".
No entanto os concheados que se observam na parte inferior e o movimento de curvas e contra-curvas no desenho da moldura, que em alguns sítios até parecem chamas, estão realmente aparentados com o gosto "rocaille".
No entanto, a simetria e o "trompe l'oeil" da moldura estão relacionados com a opulência racionalista ligada mais à arte barroca.
Afinal, o Barroco, como movimento de Contra-Reforma, é também uma arte cénica do "faz-de-conta".
Um bom final de semana
Manel
O painel é magnífico com a cercadura barroca em cor vinoso. Evidencia o gosto arreigado pelo barroco, que português sentiu e que o leva a preferir este estilo até muito tarde
ResponderEliminarDurante as procissões, as beatas e outras almas piedosas emocionar-se-iam com o sofrimento de Cristo ao olhar para este painel, com uma representação teatral da Paixão. No entanto, apesar do tema macabro é uma representação elegante, tal como muitas destas procissões deveriam ser nos finais do século XVIII com as senhoras e meninas fidalgas de caras empoadas e sinais falsos desenhados no rosto. A igreja e as Ordens religiosas também eram muito mais ricas que nos dias de hoje e as procissões deveriam ser verdadeiramente sumptuosas com imagens de mantos de brocado, muita prataria e ouro.
Enfim, o painel apresentado fez-me recriar na minha cabeça uma procissão faustosa do período barroco
Olá Maria Andrade.
ResponderEliminarParabéns pela foto. Painel lindíssimo, a meu gosto azul e vinoso.
Excelente estado de conservação.
Conheço este ou outros do género, tantas as vezes que passei por Condeixa a caminho de Coimbra. Paragem para beber um cafezinho, apreciar as ruínas de tantos palacetes por metro quadrado,no pais não deve existir igual, alguns incendiados pelos desertores do Buçaco. Ainda o solar com mais janelas no pais ao cimo da praça com o riacho.
Tanta história numa vila, ainda a casa Museu do"nosso" Fernando Namora...
Eu a divagar...
Desculpe também gosto imenso de Condeixa
Beijos
Bom fim de semana
Isabel
Manel, achei muio interessante e elucidativa a dissertação q aqui deixou sobre o Barroco e as referências ao Rocaille, q em Portugal se manifestou como Rococó. Há até quem defenda q o termo Rococó resultou da junção das palavras Rocaille e Barroco e parece-me plausível.
ResponderEliminarNas igrejas, e estou-me a lembrar, por exemplo, das igrejas de Ouro Preto, consegue ver-se bem a diferença entre o Barroco e o Rococó, este mais leve, com menos talha dourada e com muita pintura a branco ou a cores claras nos altares, mas noutras formas de arte já me é difícil distinguir.
Chamei volutas às formas enroladas, quase espiraladas da moldura dos azulejos, mas não sei se é o termo mais correcto. Em inglês chamam-se "scrolls" ou "scroll work", em português não tenho a certeza.
Obrigada pelo seu contributo, sempre esclarecido e interessante.
Bom Domingo
Luís, acho muito engraçado ter essa facilidade de imaginar pessoas e cenas de épocas passadas em ocupações e cenários actuais, a participarem em actividades, religiosas ou outras, q ainda hoje se mantêm. É uma reconstituição histórica mental, q talvez se deva à sua formação em História... Só não estou a ver as meninas e senhoras fidalgas de caras empoadas a participar nas procissões, misturando-se com a "gentalha", vejo-as mais a acompanharem a celebração no recato das suas janelas ou debruçadas nas varandas dos seus palácios (e em Condeixa havia e há abundância deles, considerando o tamanho da localidade.)
ResponderEliminarA evocação das cenas da Paixão nestas procissões q ainda se realizam em Condeixa é muito emotiva ainda hoje e até eu, q não sou crente, já me tenho emocionado na procissão das velas, com todo aquele cenário nocturno de muita devoção à luz da vela (lembro-me do pregão da minha infância "Copo e vela 2 tostões!")o som de um coro de homens seguido de música fúnebre, em frente precisamente a este painel de azulejos, enfim, recria-se um ambiente q já me tem levado às lágrimas, mas se calhar é por me trazer recordações de infância em q eu ia à procissão com a minha avó paterna e outras pessoas muito chegadas q vão desaparecendo...
Foi bom falar destas coisas!
Bom Domingo
Olá Maria Isabel!
ResponderEliminarJá por várias vezes se referiu a Condeixa, q parece conhecer bem, mas só neste comentário tive a percepção clara do porquê - é q efectivamente quem vinha dos lados de Ansião para Coimbra, desembocava na Estrada Nacional Nº1 no centro de Condeixa, atravessava grande parte da vila, aliás, passava obrigatoriamente na rua e na casa onde eu nasci, mas isso a M. Isabel não sabia... :)
Realmente Condeixa é uma terra de palácios e a explicação q penso haver para isso é q como Coimbra estava na posse da Igreja e das Ordens Religiosas, as famílias nobres tinham q construir os seus palácios fora do seu termo e claro escolhiam terras aprazíveis próximas, como é o caso de Condeixa.
Beijos e bom domingo também para si.
Peço desculpa pelo tom algo didático que vou tomar, mas é uma forma de clarificar e ordenar também as minhas ideias, se a aborrecer não a levarei a mal se apagar o comentário, pois pode estar a mais!
ResponderEliminarSegundo alguns dicionários de termos de arquitectura (por exemplo, o "Arquitectural and Building trades Dictionary"), uma das traduções possíveis para o "scrollwork" - esta palavra está relacionada com as curvas de um pergaminho enrolado, o dito "parchment scroll" - será "volutas", mas o termo está ligado à tridimensionalidade arquitectural, enquanto o "scroll", e ainda segundo o mesmo dicionário, estará mais adaptado às formas para construção de mobiliário, por isso com uma dimensão mais "doméstica" e íntima (apesar de já ter visto este termo associado à descrição arquitectural).
Como seguramente sabe, pois é de conhecimento generalizado, um dos primeiros usos da "voluta" caracterizou o capitel da ordem Jónica, clássica.
Segundo o mesmo dicionário também existe o termo "volute", com um significado algo afim.
O termo "espiral" tem um significado ligado, preferencialmente, à linha bidimensional.
Quanto à formação do termo "Rococó", não conheço essa teoria sobre a sobreposição dos dois termos, nem nunca a vi publicada, mas não me admiraria se alguém a tomasse como uma possibilidade, desde que devidamente baseada.
Sei que o termo foi tomado no século XIX como pejorativo, sendo utilizado em vários outros países, Itália inclusive, e segundo tenho lido deriva do latim "rocca" (rocha), donde surgiu o "rocaille", pelo uso de muitos elementos arquitecturais decorativos a partir da aglomeração de pequenas rochas, termo aquele que derivou posteriormente para o "Rococó".
Por volta de 1760, em França, este estilo já estava ultrapassado, abrindo-se o caminho para outras vertentes mais clássicas que deu lugar ao denominado "Luís XVI".
Peço desculpa por escrever tanto e ser tão descritivo, mas são coisas pelas quais me interesso e acabo por discorrer sobre elas de forma quase automática ... tenho muito receio de aborrecer e não é esse o meu intuito, prometo tentar controlar-me :)
Manel
Que ideia essa de eu poder apagar o seu comentário! É claro q não aborrece nada, Manel, eu própria levantei estas questões porq gosto de ser esclarecida sobre certos termos de áreas q não domino bem. O problema é q sempre li muito em inglês sobre artes decorativas e antiguidades e como entendo sem precisar de traduzir, há termos q conheço bem em inglês mas não sei qual é o equivalente mais adequado em português. É o caso de “scroll” para o qual encontrei num dicionário generalista a tradução de “voluta”. Efectivamente começou por designar os rolos de pergaminho q serviam de suporte aos textos antigos, mais tarde o papel enrolado de documentos oficiais, diplomas, por exemplo. O termo alargou-se por analogia às linhas curvas enroladas nas pontas, usadas como ornamento em desenhos, molduras, mobiliário, o q corresponde a uma definição q encontrei no meu dicionário Webster: “an ornament of a coiled or spiral form, as the volute of the Ionic and Corinthian capitals;” por isso sei q aqueles desenhos da moldura dos painéis de azulejos são “scrolls”.
ResponderEliminarSó por curiosidade, formou-se um verbo a partir deste substantivo q se usa muito hoje em dia na linguagem informática q é “scroll up/down” e significa mover a informação para cima e para baixo no ecrã do computador, está a ver a analogia e a capacidade q a língua inglesa tem de se adaptar a novas situações?
Penso q não há problema nenhum em q os textos sejam didáticos, pelo contrário,
estamos sempre a aprender uns com os outros e é esta partilha de conhecimentos, consoante o saber de cada um q torna esta troca tão aliciante. Se fossem demasiado académicos é q podiam estar desadequados a este meio, mas não é o caso.
Discorra sempre à vontade sobre as ideias q estes posts lhe suscitarem q será seguramente bem-vindo.