Quando o comprei, na feira de velharias de Espinho, há cerca de oito anos, andava numa fase de grande interesse pela porcelana europeia e de pesquisa de marcas de porcelana e por isso, ao ver as marcas deste prato com os dois A maiúsculos, não lhe resisti, apesar dum restauro muito manhoso que lhe tinham feito para encobrir uma zona na aba, partida e colada. Era um ramo pintado, muito mal feito, que consegui remover ao chegar a casa. Não soube logo que marcas eram aquelas, mas sabia que já as tinha visto e que eram de boa porcelana antiga. O prato tem um tamanho considerável para porcelana, cerca de 32cm, e a história que agora conheço do fabricante permite-me atribuir-lhe uma data entre 1776 e 1789.
O fabrico de porcelana em França teve início no final do séc. XVII, em Rouen e St. Cloud, porcelana de pasta tenra que ainda não usava o caulino. Surgem entretanto outras fábricas em Chantilly e Mennecy, mas só a meados do séc. XVIII o rei Luís XV decide financiar a instalação de uma fábrica de porcelana no seu Castelo Real de Vincennes. Para proteger este investimento, promulga um Édito Real que vai condicionar a actividade de todas as outras fábricas de porcelana em França, impedindo-as de usar ouro e determinadas cores na decoração das suas peças e proibindo todos os trabalhadores de Vincennes de se mudarem para fábricas rivais. A protecção real permitiu a esta unidade, transferida para Sèvres em 1756 por influência de Madame de Pompadour, atingir elevadíssimo grau de qualidade que rivalizava com a de Meissen, na Alemanha (de que falei nos primeiros posts deste blogue). A porcelana continuava a ser de pasta tenra, ao contrário da de Meissen, mas a partir de 1769 passaram a fabricar ao mesmo tempo porcelana de pasta dura, como a chinesa e a alemã.
Devido a este proteccionismo de que gozava a porcelana real de Sèvres, às portas de Paris, muitos fabricantes que se estabeleceram em Paris no último quartel do séc. XVIII, mais de uma dúzia, procuravam obter protecção de poderosos para a sua actividade gozar de relativa liberdade de criação artística. Estas fábricas eram conhecidas ou pelo nome do proprietário, ou pelo nome do patrono (nobre ou membro da família real), ou pelo nome da rua onde se instalaram. Está neste caso o fabricante deste prato, André-Marie Leboeuf, que se estabeleceu na rue Thiroux em 1776. Assim, esta porcelana é conhecida por "rue Thiroux" ou também por "Porcelaine à la Reine" já que o seu patrono, neste caso patrona, era nem mais nem menos do que a Rainha Maria Antonieta, sendo o A da sua inicial, coroado ou não, que está na marca. Como esta personagem teve o fim triste que todos conhecemos em 1793, a fábrica mudou de mãos a seguir à Revolução Francesa e terá certamente deixado de utilizar a marca coroada.
À porcelana produzida nestas fábricas de Paris no final do séc. XVIII, início do séc. XIX, muita dela sem marca, convencionou-se chamar "Vieux Paris" - ou "Velho Paris", ou "Old Paris", ou "Alte Paris" porque esta expressão foi traduzida para várias línguas europeias para identificar este tipo de porcelana.
Prato pequeno (23,5cm) com uma das marcas do meu, o A vermelho coroado, à venda na internet |
À porcelana produzida nestas fábricas de Paris no final do séc. XVIII, início do séc. XIX, muita dela sem marca, convencionou-se chamar "Vieux Paris" - ou "Velho Paris", ou "Old Paris", ou "Alte Paris" porque esta expressão foi traduzida para várias línguas europeias para identificar este tipo de porcelana.
Ola Maria Andrade, mais uma belissima peça e um ensinamento precioso. Obrigado por nos tornar mais ricos post após post...
ResponderEliminarNo geral os meus olhos tendem mais para ceramicas, mas indiscutivelmente há porcelanas que me tentam a carteira e me provocam com a sua beleza, o que me faz querer saber mais e mais...e este prato é um exemplo dessa provocação! Muito elegante e com muito para contar!
Um abraço Maria Andrade,
Marília Marques
Cara Maria Andrade
ResponderEliminarGostei muito da sua explicação de como surgiu a designação do Vieux Paris, que tantas vezes se houve falar no mercado das velharias, normalmente para tentar vender qualquer coisa a um preço mais alto, mas que ninguém parece saber bem o que se trata realmente.
Pessoalmente tanto gosto de faianças ingénuas como de peças verdadeiramente
raffinées como este seu prato. Só foi pena a Maria Andrade não ter feito um destaque, um grande plano, de um dos ramos de flores, para podermos apreciar melhor a qualidade da pintura. Mas, reconheço que esta mania dos pormenores é minha
Também este seu prato nos faz pensar de imediato, que a porcelana do Vieux Paris terá sido certamente a fonte de inspiração para muito dos motivos florais usados pela Vista Alegre, ao longo do século XIX.
Ainda relativamente ao seu post, que traça brevemente a história da porcelana em França no século XVIII, não posso deixar de me recordar no extraordinário papel que Madame Pompadour, a favorita de Luis XV, desempenhou na fábrica de porcelana de Sêvres. Esta mulher que serviu praticamente de primeiro-ministro de França, tinha um bom gosto extraordinário e promoveu de forma marcante as manufacturas de luxo, e o chamado estilo decorativo Luís XV tem muito da sua marca pessoal. Ainda hoje, Sêvres produz uma cor própria, o chamado rose Pompadour
Enfim, gostei do prato e da explicação
Olá Marília,
ResponderEliminarÉ verdade q muitas vezes escolho as peças para aqui mostrar, mediante a história q têm para contar e não por serem excepcionais ou de grande qualidade. Neste prato, por muito bonito q seja, mas já partido e com o dourado gast, o q eu valorizei mais foram as marcas, q me permitiram ter acesso à história dele e integrá-lo na história da porcelana francesa. Para mim, como já tenho dito, os objectos valem sobretudo por estas referências históricas, pelo q podem contar e não por estarem muito perfeitos ou serem muito caros.
Abraços.
Caro Luís,
ResponderEliminarVou aceitar a sua sugestão e amanhã de manhã vou fotografar um pormenor da pintura do prato e acrescentar ao post. Nunca sinto muita necessidade de fazer isso porq as fotos são ampliáveis, mas acredito q assim se vejam ainda melhor os pormenores.
Foi uma história muito resumida q aqui contei do fabrico de porcelana em França, o estritamente necessário para enquadrar bem esta peça e o seu fabrico. Só Sèvres dava pano para mangas, mas hei-de lá voltar quando mostrar uma peça de Sèvres, mas já da 2ª metade do séc. XIX.
Já visitei o Museu de Sèvres, ao lado da respectiva fábrica, mas sinceramente desiludiu-me um pouco, estava à espera de mais, em espaço e em quantidade de peças. Mas vi colecções magníficas noutros museus, por exemplo no Palácio de Buckingham e na Wallace Collection em Londres. Algumas peças são esmagadoras, tal é a qualidade e o requinte...Para além do rose Pompadour, criaram uma cor magnífica no séc. XVIII, o bleu celeste, um azul turquesa muito intenso q acho deslumbrante, é a minha cor preferida em porcelanas. Outras fábricas o copiaram no séc. XIX, a Coalport inglesa tem peças muito requintadas com essa cor. A Catarina da Rússia tinha um serviço de Sévres com bleu celeste no centro q é das coisas mais lindas q tenho visto em serviços de porcelana, só em fotos, claro...
Já viu q eu ponho-me a falar destas coisas e nunca mais me calo?
Haja paciência !!!
Um abraço
Lolol.
ResponderEliminarSim, concordo consigo estas histórias são como os fios da teia das Parcas. Existem imensas pontas por onde começar a puxar e quando se começa é difícil acabar. As suas palavras sobre a Catarina da Rússia trouxeram-me logo à memória o serviço em faiança, conhecido por la Grenouillière, que a soberana encomendou em Inglaterra à Wedgwood e que tinha originalmente 944 peças! Vi umas quantas delas na exposição do Hermitage em Lisboa e eram de cortar a respiração.
Abraços
Olá Maria Andrade
ResponderEliminarQue mais poderei dizer eu?
Pouca coisa. Dizer-lhe que o a decoração do prato é delicadamente requintada, e que, ao contrário dos coentros e rabanetes,este prato, foi certamente "à mesa do rei".
Acho que fez bem em aceitar a sugestão do Luís e fazer um grande plano de um dos ramos.Assim, consegue-se perceber o magnífico o trabalho de pintura.
Beijos
Maria Paula
Luís, também vi a exposição do Hermitage no Palácio da Ajuda e lembro-me de ter ficado que tempos a admirar todos os pormenores dessas peças magníficas de fabrico Wedgwood...
ResponderEliminarJá não me recordava bem delas, mas graças ao seu comentário, fui revisitá-las em fotos q estão na internet. Este é realmente um grande meio q temos à disposição!!!
Olá Maria Paula!
ResponderEliminarNão sei se este prato "foi à mesa do rei", mas sei q a Rainha Maria Antonieta encomendou muitas loiças a este fabricante, para dependências do Palácio de Versalhes...
Também acho belíssima a pintura dos ramos de flores, aliás a pintura de flores em porcelana causa sempre em mim um efeito de deslumbramento.
Ainda bem q gostou!
Beijos
A peça é espantosa de delicadeza e elegância.
ResponderEliminarE ainda bem que tirou a fotografia detalhada, pois creio que consigo mesmo ver o trabalho do pincel lavrando sobre a porcelana. Perfeito!
Desde há muito que ouvia mencionar o termo "Vieux Paris", nome que aqui em Portugal não creio que tenha sido aportuguesado, e perguntava-me o que quereria dizer.
Claro que, desde a generalização da genial internet, comecei a pesquisar e o conhecimento começou a fluir e, finalmente, percebi donde vinha o termo, e, a partir daí, comecei a descortinar peças desta origem, se bem que não é fácil, pois, aparentemente, confundem-se com outras proveniências e, para complicar as coisas, uma grande parte delas não estão marcadas.
Aqui em Portugal, julgo que a influência deste tipo de pintura sobre porcelana, já no século XIX, dever-se-á aos artistas de origem francesa que ingressaram na Vista Alegre, e aos quais devemos peças absolutamente fantásticas, como Victor Rousseau ou Gustave Fortier.
Confesso ter uma paixão "assolapada" pelas peças de porcelana do século XVIII conhecidas como da "Companhia das Índias", mas as que apresenta em nada ficam aquém daquelas!
Antes pelo contrário, creio que até as prefiro, pois não se trata de artesãos orientais a tentar agradar a uma clientela ocidental longínqua sobre a qual nada mais conhecem que algumas peças que lhes chegaram, para que nelas se inspirassem ou mesmo copiassem.
Neste caso são ocidentais cuja sobrevivência depende de agradarem a mecenas igualmente ocidentais e a viverem quase "paredes meias" com eles! As peças ganham em frescura e veracidade! Perdem no aspecto ingénuo que algumas peças orientais possuem, que quase nos desarmam e nos fazem sorrir pelo lado "naif".
Em resumo, gosto imenso deste seu prato, e o facto de estar partido em nada lhe tira encanto!
Seria muito interessante perceber as razões que nos leva a adquirir peças, pois cada um de nós possui razões, seguramente diferentes e, muitas vezes fascinantes! Mas isso é tema para outros encontros.
Como sempre, sinto que escrevi em demasia, peço desculpa, mas tenho tendência a perder-me em pensamentos que me vão surgindo!
Um bom final de semana
Manel
Caro Manel,
ResponderEliminarNunca acho q se escreva em demasia quando as ideias fluem assim, num encadeamento lógico, em q tudo tem a ver com o assunto em causa.
Quanto aos motivos q nos levam a escolher comprar uma ou outra peça, no meu caso é o prazer de levar para casa um exemplar q ainda não conheço bem, mas q é representativo de qualquer coisa q me interessa, pela qual tenho curiosidade, ou cuja história já conheço e valorizo, por isso quero possuir algo q a representa. Isto tudo, ponderando sempre a minha capacidade aquisitiva, claro... No caso deste prato as marcas foram determinantes na compra e como está partido, não foi nada caro.
Sabe q, ao contrário das primeiras fábricas de porcelana na Alemanha e na Inglaterra, q copiaram inicialmente os motivos chineses, em França, desde o início, os motivos foram europeus. Até as flores eram diferentes, porq os motivos chineses tinham sobretudo peónias e outra flores exóticas, o q os alemães chamavam "Indianische Blumen", enquanto q em França se pintavam rosas, miosótis, campainhas, malmequeres...
Já agora, olhe q o termo "Velho Paris " assim traduzido, usa-se muito no mercado de antiguidades, quer cá quer no Brasil, pelo menos é essa a minha experiência quando aparecem peças destas à venda nas feiras ou nos leilões. Quando a expressão aparece escrita é q surge muitas vezes o termo original, de resto, oralmente, é a tradução q é mais usada, até para facilitar o entendimento... sabemos como a pronúncia francesa não é o forte de muitos de nós... :)
Um abraço e bom Domingo.
Ai Maria Andrade, deve ser a minha mania, e prazer, no uso do galicismo correspondente que me faz insistir e raramente dar conta quando usam o equivalente português! Talvez o meu ouvida já "calhado" traduza o termo automaticamente ... manias antigas dificilmente desaparecem!
ResponderEliminarBem, quanto às terras da Vera Cruz têm como prática corrente o "abrasileiramento/aportuguesamento" de todos os termos, tal como acontece em Espanha (primeiro que eu descortinasse quem era o Alberto Durero foi uma obra!!! hehehe).
Manel
Cara Maria Andrade
ResponderEliminarSó agora vi as imagens de detalhe e o seu post ganhou imenso em beleza, como também evidenciou de forma ainda mais inequívoca, que foi na porcelana do Vieux Paris, que a Vista alegre buscou inspiração para as florzinhas com que decorou a sua loiça ao longo do século XIX.
Olá Manel,
ResponderEliminarÉ engraçado como nós, amantes de arte e de antiguidades,acabamos por andar pelos mesmos circuitos: exposições, museus, feiras de velharias... se calhar já nos cruzámos sem saber.
Também me lembro de ter ficado perplexa e ter demorado algum tempo a entender, quando vi no Museu do Prado o auto-retrato de Albrecht Dürer ser atribuído a Alberto Durero !!!
Acho q nisso os espanhóis ultrapassam as marcas, muito mais q os brasileiros. Estes, por outro lado, usam muitas palavras inglesas sem as traduzirem, por influência norte-americana, mas depois pronunciam-nas e escrevem-nas à portuguesa (Aidis para SIDA é um bom exemplo, tenho pena de não me lembrar agora doutros...)
Um abraço
Olá Luís,
ResponderEliminarTambém acho q aquelas fotos dos ramos de flores valorizaram muito o post, acho até q ainda não me tinha apercebido de toda aquela beleza.
É natural q a inspiração da boa pintura da Vista Alegre tenha vindo de França, de onde eram naturais os dois nomes incontornáveis da pintura de porcelana V.A do séc. XIX - V.Rousseau e G.Fortier - q o Manel já referiu. Ando tentada a fazer um post com loiças V.A. q tenham flores pintadas à mão, mas há tantas outras coisas para postar...
Um abraço