quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Pires de porcelana Doccia ou Nápoles?

Esta pequena maravilha de arte em porcelana foi adquirida há quase quatro anos no Marché aux Puces, em Paris, no mesmo dia em que comprei as Obras de Horácio de que falei no post de 7 de Janeiro último. O pires estava marcado por 35€ mas com uma pequena negociação, comprei-o por 25€.
Foram os meus dois "souvenirs" dessa viagem em família a Paris.


Quando o vi, reconheci a decoração, por já ter visto peças semelhantes nas minhas frequentes visitas virtuais a colecções de cerâmica de museus ingleses. Tenho alguma memória visual para estas coisas, e embora não tivesse a certeza do fabrico, percebi que era boa porcelana antiga italiana.
A decoração de putti e grinaldas em relevo, pintada à mão, é muito característica da porcelana italiana do final de setecentos, até hoje imitada com o nome generalizado de Capodimonte.


Capodimonte, junto a Nápoles, foi de facto um dos primeiros locais onde se fabricou verdadeira porcelana em Itália, a meados do séc. XVIII, mas durou muito pouco tempo a unidade aí instalada (1743-1759) já que foi transferida para Buen Retiro, perto de Madrid, graças a vicissitudes históricas de que falarei a seguir.
Entretanto, a pesquisa que fiz para identificar a fábrica de origem do meu pires, como não lhe detectava qualquer marca, levou-me à produção de Doccia, perto de Florença. Esta fábrica foi a segunda mais antiga fundada em Itália, nos anos 30 de setecentos, por iniciativa do Marquês Carlo Ginori, também ele entusiasmado com a recente descoberta, na Europa, da fórmula da verdadeira porcelana.
Encontrei online peças com decoração semelhante à do meu pires, atribuídas a produção Doccia do final do séc. XVIII, e assim fiquei convencida de ter em casa um exemplar de porcelana Doccia desse período.
No entanto, há dias ao tirar esta peça duma vitrine, já a pensar em mostrá-la num post, vi por uma qualquer incidência de luz que tem uma marca pouco perceptível gravada na pasta. Com muito esforço, lá descobri tratar-se de um N coroado, o N de Nápoles, inciso na pasta.


E lá tenho eu que voltar à história de Capodimonte. A fábrica ali instalada teve o patrocínio de Carlos  de Bourbon, o rei de Nápoles, e usava como marca a flor de lis das armas dos Bourbon. Ao ter que assumir o trono espanhol por morte do pai, Filipe V de Espanha, e instalar-se em Madrid como Carlos III, desmantelou por completo a fábrica de Capodimonte e reinstalou uma unidade equivalente em Buen Retiro, mas de pouca duração, usando a mesma marca, a flor de lis.


Foi o filho de Carlos III, o rei de Nápoles Fernando IV, que em 1771 aí fundou a Fabbrica Reale Ferdinandea, desejando recriar a porcelana de alta qualidade que tinha sido produzida pelo seu pai. Para isso empregou muitos dos artesãos que tinham trabalhado em Capodimonte, mas os motivos decorativos passaram a ser dominados por um novo gosto, clássico, influenciado pelas recentes escavações em Pompeia e Herculano, ali tão próximas. Esta porcelana passou a ser marcada com a sigla do rei, FRF, ou com a letra N de Nápoles sob uma coroa, geralmente pintada em azul sob o vidrado. A mesma marca incisa na pasta foi usada no primeiro período de fabrico, entre 1771 e 1782 e pode ser essa a marca do meu pires.

DOCCIA 19th Century.<BR>
<em>Italian Hard-Paste Porcelain.</EM>
Açucareiro Doccia do séc. XIX

Esta fábrica  real de Nápoles só sobreviveu até 1806 e a confusão com Doccia deve-se ao facto de ter sido  a família Ginori, ainda à frente dos destinos de Doccia, que se mantinha a produzir com sucesso, a adquirir o que restava da fábrica de Nápoles, tendo usado o N coroado a azul sob o vidrado em muita da sua produção, já que se considerava  sua legítima sucessora.





9 comentários:

  1. Eu lá vou aprendendo consigo a história da porcelana europeia, que no Século XVIII se associa ao poder real e às peripécias dinásticas. Não fazia a menor ideia da relação entre as porcelanas de Nápoles e as do Bom Retiro e a Maria Andrade explicou-as claramente. Julgo que pelo facto de ser professora há muito tempo, aprendeu a simplificar os conhecimentos e a transmiti-los de forma clara. Deixou aqui um registo muito útil a estudantes de arte e amantes das coisas antigas e belas.
    Abraços

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  2. Olá Luís! Sabe que fui descobrindo estas histórias da porcelana graças a pequenas peças q fui adquirindo porq me despertaram o interesse por qualquer motivo. A história de Capodimonte e de Buen Retiro veio atrás de uma pequena peça minha q tem a marca da flor de lis e eu quando vejo marcas antigas q não conheço fico logo com as antenas no ar... Hei-de falar dela um dia destes. Mas é verdade aquilo q diz, a minha experiência de muitos anos como prof.acho q foi determinante sobretudo nesta minha compulsão para dar testemunho daquilo q vou sabendo, e também acho q me habituei a escrever com clareza. Tenho q fazer algum esforço para me limitar ao essencial, senão estas histórias seriam bem mais longas, mas também mais maçadoras, receio eu... Um abraço e bom fim-de-semana

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  3. Olá Maria Andrade
    Que requinte esta sua peça e tanto sobre ela demonstrou saber.Apreciei o seu comentário ao Luís. Vou aprendendo a sintetizar e não maçar com coisas desnecessárias.

    Pessoalmente não sou amante de porcelanas, pendo mais para as faianças grosseiras de cores fortes.
    Todos temos a nossa queda , o importante é aprender a partilhar e com a partilha de informação enriquecer o nosso gosto.

    Espero que o Gabriel sorria para a avó a pedir colinho
    Beijos
    Isabel

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  4. Olá Maria Isabel!
    Seja bem-vinda de volta ao meu blogue! Já sentia saudades dos seus amáveis comentários!
    O Gabriel ainda não pede colinho, a avó é q está sempre desejosa de lho dar!!!
    Quanto aos nossos gostos e preferências, eu acho q tenho gostos bastante ecléticos q vão das faianças às porcelanas, passando por vidros, livros, pintura, gravura, arte sacra, enfim, é um nunca acabar de paixões, mas obviamente não gosto de tudo, mesmo dentro de cada uma destas áreas.
    Gosto muito do aspecto rústico das faianças portuguesas, do carácter único e artesanal de cada peça, mas também me perco de amores por faianças com transfer-print, sobretudo as inglesas, porq os motivos têm quase sempre histórias à volta. As porcelanas pintadas à mão são outra perdição, principalmente com flores.
    Bem, fico-me por aqui...
    Beijinhos

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  5. Ah, imagino q o post de hoje já seja mais ao seu gosto!!!

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  6. Cara Maria: Ao que me consta este tipo de porcelana continua a ser produzido em fábricas alemãs, ou pelo menos era-o há alguns anos trás. Eu próprio comprei em tempos uma leiteira nesta mesma linha e com a mesma marca. Fui averiguando em livros da especialidade, sempre muito imprecisos, e desconfiando de determinadas características da pasta, acabamentos, pintura, etc. Até dos formatos! Se reparar com uma pesquisa no google, o formato do seu pires é um standart, tal como a minha leiteira o é... Muito obrigado por mostrar a sua colecção. Vi por aqui peças muito interessantes. Fico igualmente contente por ver que há quem goste de peças europeias, muito desvalorizadas entre nós, e ainda para mais algumas compradas por cá. Penso que em determinados momentos algumas produções europeias estiveram tão ou mais presentes que a afamada, e claramente banalizada "companhia das Índias". Obrigado.

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  7. Caro Manel,
    É com muita satisfação q aqui recebo a visita de alguém q é apreciador de porcelana europeia, como eu, e também conhecedor.
    Quanto à marca deste pires, o N coroado, eu também conheço várias fábricas alemãs, sobretudo da Saxónia e especificamente de Dresden, q o usaram ao longo do séc. XIX e talvez ainda no séc. XX. Só q aí, como a intenção era mesmo vender as peças como Capodimonte, a marca de imitação era bem visível, a azul sob o vidrado, e não pouco perceptível como esta gravada na pasta. Além disso, já tenho suficiente manuseamento de porcelana antiga para ter alguma noção do tipo de pasta. Tenho na minha colecção peças alemãs dos mesmos fabricantes do séc. XIX q imitaram esta marca, Potschapel, por exemplo,e a porcelana é já muito perfeita , sem irregularidades. Este pires, pelo contrário, tem umas bolhas e uns altinhos na pasta q parecem grãos de areia, q também vejo em peças inglesas mais antigas e isso faz-me pensar num fabrico mais primitivo, ainda quase experimental.
    Claro q posso estar enganada, não tenho certezas, só palpites e convicções q penso terem algum fundamento, mas...
    Agora vou responder-lhe ao outro comentário, sobre porcelana inglesa.
    Cumprimentos

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  8. Seu blog tem coisas que amooo...já por aqui seguindo...abraço

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