sexta-feira, 4 de março de 2011

Prato antigo com decoração barroca

Mais um prato de boa faiança portuguesa que tem a mesma proveniência de outras peças que aqui tenho mostrado, ou seja, a casa de familiares. Esta é a peça de faiança mais antiga da casa e obviamente a mais valorizada.
Trata-se de um prato grande (35 cm de diâmetro), gateado na parte de trás mas sem qualquer marca. 
Foi pintado a azul e roxo de manganês sobre branco e a decoração barroca da aba, com volutas ou enrolamentos, leva-nos a acreditar que seja do final do séc. XVII ou inícios do séc. XVIII, comparando-o com vários exemplares do Museu Nacional de Arte Antiga que fui agora rever na obra Faiança Portuguesa, Roteiro Museu Nacional de Arte Antiga, Instituto Português de Museus, 2005.
Pote séc. XVII do MNAA com decoração muito semelhante à do prato
Os oleiros portugueses seiscentistas, deslumbrados com a porcelana chinesa azul e branca que viam chegar em abundância ao porto de Lisboa, passaram a imitá-la nas cores, nos desenhos das reservas e dos frisos, interpretando livremente os temas orientais, e assim foram surgindo várias famílias decorativas - desenho miúdo, aranhões, espirais, rendas, contas e caracóis barrocos. Aquele pássaro, flores e rochas do motivo central, quer do prato, quer do pote, são o tipo de elementos decorativos que se encontram também no chamado "desenho miúdo", mas aqui não aparece a composição orientalizante com profusão de cenas, sobretudo na aba, que caracteriza a faiança dessa família. Com a decoração barroca da aba do prato e dos frisos do pote,  estas peças pertencerão à família decorativa alcunhada de caracóis barrocos.



Quanto a determinar o local de fabrico destes exemplares, apesar de não se conhecerem nomes das oficinas de malegueiros dessa época, pelo que tenho lido o fabrico de faiança durante o séc. XVII estava centralizado em Lisboa, que só deixou de ser o grande centro produtor de faiança em Portugal com o terramoto de 1755.
Até à segunda metade do séc. XVII, muita desta produção era exportada para países do centro e do norte da Europa onde também já chegava a porcelana chinesa, mas apenas acessível a reis e a príncipes. Assim, a faiança portuguesa, de qualidade reconhecida, ia satisfazendo as necessidades de uma clientela burguesa e lançando a moda das loiças ao gosto oriental.
Este mercado europeu acaba por ser perdido a favor da faiança holandesa, conhecida até hoje por Delft, e a produção nacional vê-se confinada ao mercado interno, o que faz as oficinas irem diminuindo, definhando e perdendo qualidade, até virem a desaparecer com o terramoto de Lisboa.

8 comentários:

  1. Muito bonita e apelativo o prato que expõe. Bem haja quem permite a divulgação de peças de tal qualidade. Concordo quanto à sua datação ( segunda metade do século XVII) e de produção das oficinas de Lisboa. Aqui já se produzia faiança, à semelhança da chinesa, que se exportava para os Países Baixos, onde era muito apreciada.Já dizia Manuel Severim de Faria, na sua obra Notícias de Lisboa, 1655 (embora já estivesse pronta em 1625) que "Poucos anos há que um oleiro, que veio de Talavera a Lisboa,vendo a bondade do barro da Terra, começou a lavrar louça vidrada branca, não só como a de Talavera, mas como a da China, porque na formosura e perfeição podiam competir as porcelanas de Lisboa com as do Oriente; e imitando outros oficiais,cresceu a mercadoria de maneira que não somente está o reino cheio desta louça, mas vai muita de carregação para fora da Barra".

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  2. Caro anónimo(a),
    Muito obrigada pelo contributo q aqui deixou, acrescentando informação relevante ao meu post. Acho o texto q transcreveu um documento muito importante de q eu só conhecia a última frase, citada, se não me engano, por José Queirós na sua obra maior sobre cerâmica portuguesa. É uma parte da história das nossas artes decorativas q não é muito conhecida mas q temos o dever de divulgar o mais possível. Com esse objectivo, apetece-me às vezes fazer posts em inglês, mas ainda não me decidi...
    Tenha um bom domingo e volte sempre.

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  3. Gostei muito do prato da sua família, ou melhor, seria muito ignorante e estúpido se não gostasse. Sabe o que também achei muito curioso? É que os chamados caracóis barrocos que decoram os frisos do prato e das outras peças aqui mostradas são semelhantes aos frisos de azulejos usados nos finais do XVII e pelo século XVIII fora. No meu post http://velhariasdoluis.blogspot.com/2010/05/arqueologia-dos-contentores-das-obras.html apresentei uns azulejos com esses caracóis. Com nossa mania de classificar as artes, tendemos a esquecer as ligações entre olaria e azulejaria

    Abraços

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  4. Olá Luís,
    Agora é a minha vez de evocar a imagem do filho pródigo e de lhe dar as boas vindas pelo regresso a casa. :)
    Senti bastante a sua ausência nos posts e nos comentários, e ainda por cima coincidiu com a ausência da Maria Paula e com o desaparecimento da Maria Isabel. A Maria Paula também já está de regresso, mas não sei o q terá acontecido à Maria Isabel para deixar de vir aqui comentar... Quanto ao prato com decoração barroca, essa sua constatação de q se encontram os mesmos motivos em azulejos da época, já também a tenho feito e acho natural, afinal o suporte é cerâmico nos dois casos e muitas vezes eram as mesmas fábricas ou oficinas q produziam azulejos e loiça de faiança, pelo menos no Porto e em Gaia era assim. Quando andei a pesquisar por faianças neoclássicas a propósito do meu jarro Vandelli, encontrei muitos painéis de azulejos com as mesmas grinaldas, medalhões e arabescos q se vêem nas peças de faiança. Não me lembro desses azulejos com caracóis barrocos, tenho de ir ver de novo, mas o Luís também já mostrou um azulejo, penso q do séc. XVIII, q tem a mesma flor ao centro q aparece em pratos de faiança da mesma época.
    Um abraço

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  5. Tirei uns dias de férias no Carnaval e também andei com mais trabalho do que é habitual, de modo que nem tive tempo para actualizar o meu blog ou para ir espreitar os blogs dos outros. E enfim, estas actividades têm que ser feitas com algum tempo e ponderação, para não nos sairmos com disparates.

    Abraços

    Luís

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  6. Olá Maria Andrade.
    Estive ausente, uma constante em mim. Levo tudo menos a net...
    Impensável não apreciar este magnífico prato. Maravilhoso em excelente estado de conservação. Um exemplar de requinte e antiguidade, não há dúvidas nenhumas.
    Assim também gostava de ter um...inacessível à bolsa do cidadão comum. Contudo congratulamos-nos com os que por aqui vão sendo mostrados gratuitamente, o que desde já agradeço. Beijos
    Isabel

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  7. Boa tarde, Maria Andrade. Parabéns pelo "museu virtual".
    Gostaria de lhe por uma questão, se possível...
    -Tenho um "Pote séc. XVII do MNAA com decoração muito semelhante à do prato"(sic), num estado de conservação idêntica.
    Terá ideia aproximada do valor actual da peça?
    Abraço,
    Henrique N.

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  8. Caro Henrique Nande.
    Bem vindo ao meu blogue e muito obrigada pela simpatia em relação ao que aqui publico.
    Já fui fazer uma visita rápida ao seu espaço virtual e gostei muito do que vi. Tenho que lá voltar com mais tempo.
    Quanto à sua peça, não lhe consigo atribuir valor comercial porque como sabe os preços baixaram muito, eu diria que se compram agora boas peças de faiança por um quarto ou um quinto do preço que tinham há dez ou quinze anos, mas depende muito da peça em si. O melhor é perguntar numa boa leiloeira que esses estão sempre atualizados nos preços.
    Um abraço

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