sexta-feira, 20 de maio de 2011

Prato de "contas"... em conta!

Constatamos a toda a hora que o preço das antiguidades e velharias baixou consideravelmente de há dez anos para cá, mas sobretudo nos últimos cinco anos. Há dez ou quinze anos não me passaria pela cabeça adquirir um prato de faiança do século XVII ou mesmo do século XVIII porque achava os preços completamente proibitivos.


No final do ano passado, numa ida ao Porto com o meu marido, enamorei-me deste prato num antiquário e pensámos adquiri-lo para ser a nossa prenda de Natal. No entanto, fizemos uma oferta que não foi aceite e hesitámos na compra. Há dois ou três meses voltámos lá, o prato ainda lá estava, e desta vez, em conjunto com outra peça de faiança, o preço foi mais convidativo e fez-se negócio.



Na loja estava com mau aspecto, tinha zonas com sujidade entranhada e um restauro antigo com um tom amarelado, para cobrir um cabelo bem visível na segunda e terceira fotos.
Nada que uma boa limpeza não pudesse resolver e foi isso que lhe fiz.
Agora não me canso de o admirar na parede da minha entrada. Adoro aquele azul, os contornos a manganés e aquele ar muito rústico e primitivo.


Tem uma pasta bem diferente de um outro mais ou menos da mesma época que já mostrei noutro post (Prato antigo com decoração barroca) e isso leva-me a pensar que serão de centros de fabrico distintos. O primeiro, de pasta mais clara e fina, será de Lisboa e este... de Coimbra, século XVIII?
Associei-o a fabrico de Coimbra quando vi a pia de água benta atribuída a Brioso que o LuisY mostrou no seu blogue numa mensagem recente, mas as duas peças podem não ter nada que ver uma com a outra.
A verdade é que o tardoz que aqui se vê, com todas as irregularidades e imperfeições, é muito semelhante ao de alguns pratos ratinhos de Coimbra.


Entretanto recebi, por amabilidade duma seguidora deste blogue, fotos de duas peças da sua coleção de faianças - um prato de contas, que se vê acima, em tudo semelhante ao meu e um prato "conventual" de faiança malegueira na imagem abaixo, com o  mesmo motivo floral ao centro. A única diferença que consigo notar entre os dois pratos de contas é o laço na base das flores, que o meu não tem. Parece-me, no entanto, que foi um descuido do pintor, que encheu a azul a parte do desenho que era suposto ser o laço e deixou por pintar o meio que faria de nó. Assim resultou uma versão ligeiramente diferente, o  que também é interessante. 



A verdade é que estas faianças, sendo em geral datadas ainda do século XVII mas continuando pelo XVIII,  já tinham perdido a qualidade e finura da primeira fase em que grande parte da produção se destinava a ser embarcada para o centro e norte da Europa. Como já referi no post sobre o prato com decoração barroca, as faianças da Holanda substituiram as nossas no mercado europeu e a partir daí os nosso artesãos passaram a produzir só para o mercado interno.

Tardoz do prato conventual

Essa produção tornou-se mais grosseira, a decoração simplificou-se, os contornos a manganés, por exemplo nos pratos de contas, ficaram mais grossos. a pasta mais imperfeita, enfim esta faiança ficou mais rústica mas ganhou em encanto pela sua ingenuidade e espontaneidade, muito notórios na chamada faiança malegueira.

14 comentários:

  1. Bela aquisição. Nós temos que ser como os leopardos. Aguardar pacientemente que a presa se canse ou se farte e então ao fim de algum tempo, saltar sobre a vítima e comprar a peça pretendida por um bom preço.

    Ainda bem que as antiguidades baixaram de preço.

    Andei a espiolhar os manuais cá de casa e de facto os pratos com esses motivos de contas costumam ser atribuídos a Coimbra e o tardoz parece o dos ratinhos, mas na faiança tenho sempre mais dúvidas que certezas.

    Mas, como aqui escrevemos muitas vezes, seja lá o que for é uma peça de muito boa qualidade

    Abraços

    Luís

    ResponderEliminar
  2. Belíssimo! Parabéns pela aquisição. Gosto de tudo nele, mas em particular das faixas decorativas em torno do motivo central.
    abraços

    ResponderEliminar
  3. Olá Maria Andrade
    Fiquei estupefacta!
    Parabéns pela aquisição.
    Não tenho o hábito de entrar nos antiquários, pedem sempre muito.
    No caso fez uma excelente aquisição que vale por muitas.
    Julgo não haver dúvidas, trata-se de facto dum prato do século XVIII e seguramente de Coimbra. Pela cor e sobretudo pelo tardoz que não deixa margem de dúvidas, massa malegueira arrepiada( a argila usada tinha na composição algum detrito ou impureza que deixava buracos e faltas no esmalte bem visíveis.Uma característica única de Coimbra.
    Em tempos ao fazer na net umas pesquisas sobre faiança do Brioso descobri um pequeno fragmento de contas igual ao seu prato encontrado numas escavações no norte atribuído a Brioso.

    Prefiro o seu prato a um ratinho e sou louca por eles.
    Tem outro ellan...outro brilho...outra magia na conjugação das cores manganês com o azul.Uma peça de se tirar o chapéu.

    Acredito que o seu hall ficou soberbo.

    Sabe que nas minhas andanças junto ao cais das colunas também encontrei um pequeno fragmento de contas.

    Beijos
    Isabel

    ResponderEliminar
  4. Caro Luís,
    Já deve ter reparado q acrescentei o post, o que me tomou algum tempo desde que cheguei a casa vinda aí dos seus lados.
    Estive no MNAA a visitar a exposição sobre a Doação Castro Pina, com peças magníficas e mais uma vez acho que o MNAA tem um acervo enorme que dava para desdobrar em dois, um Museu Nacional de Artes Decorativas e um Museu Nacional de Belas Artes. Sinto falta de um Museu Nacional de Artes Decorativas, o que quer? :)
    Assim dava para sairem das reservas de vários museus peças q eu adorava ver expostas...
    Mudando de assunto, no que toca à minha aquisição de antiguidades, tenho-me sentido mais vezes presa do que predadora, no sentido em que se vamos comprar, tudo é muitíssimo valorizado, mas se nos queremos desfazer de alguma coisa, as peças, por um motivo ou por outro, já não valem quase nada... Nesta altura as coisas estão melhores para quem compra mas até há pouco tempo qualquer caco de faiança portuguesa atingia preços ridículos.
    Ainda bem que gostou do meu prato. Também acho que foi boa compra.
    Abraços

    ResponderEliminar
  5. Caro Fábio,
    Seja bem aparecido por aqui!
    Já sentia a sua falta, quer aqui, quer no seu blogue. Deve andar muito atarefado para nem sequer ter participado no Tea Cup Tuesday...
    Estes pratos de contas têm mesmo um encanto muito especial. Há quem diga que são uma interpretação à portuguesa de um determinado motivo da porcelana chinesa, mas não sei ao certo.
    Abraços

    ResponderEliminar
  6. Cara Isabel,
    A explicação que aqui dá sobre a razão das imperfeições nestes pratos faz todo o sentido. O meu prato de contas tem realmente muitos pequenos orifícios e faltas de esmalte, talvez seja dessa massa malegueira arrepiada. Não conhecia o termo nem sabia que isso era uma caraterística de Coimbra, mas que a pasta é muito semelhante à dos ratinhos, nota-se bem.
    As peças de faiança mais antigas geralmente só se encontram em antiquários ou nos leilões, por isso vale a pena lá entrar de vez em quando, pelo menos para apreciar peças e ver preços.
    Já tive a sorte de encontrar peças de faiança antigas e boas em feiras, como foi o caso daquele meu jarro Vandelli, mas isso não é muito comum e geralmente, se aparecem, são tão caras como nos antiquários.
    Duma maneira ou doutra, o que interessa é continuarmos com este entusiasmo por velharias, contentes e felizes, à procura dos nossos tesouros...
    Beijos

    ResponderEliminar
  7. Maria Andrade

    Adorei a exposição Castro Pina. A faiança, o mobiliário, a porcelana Companhia das Índias, os marfins, os pequenos escitórios, a prataria e os tecidos eram de uma qualidade expecional e era tudo muito português ou relacionado com a expansão portuguesa. A exposição recomenda-se.

    Teve imensa piada aparecer um prato semelhante ao seu e ainda um prato malegueiro com uma flor igual aos anteriores. Assim, vamos-nos apercebendo que aquilo que parecia afinal uma simples flor pintada ao acaso é um motivo decorativo típico, que faz parte de uma gramática decorativa usada por muitas décadas a fio.

    Não há dúvida que aqui vamos aprendendo sobre a faiança.

    Abraços

    ResponderEliminar
  8. Olá Maria
    Muito bom e enriquecedor o seu post, para os apreciadores de faiança portuguesa. Realmente a faiança malegueira é única pela sua leveza e graciosidade, apesar da pasta mais grosseira e do esmalte, por vezes menos cuidado.Com economia de meios conseguiam belíssimos efeitos decorativos, como é o caso da chamada decoração de contas. A produção de Delft veio fazer concorrência à nossa, que foi perdendo qualidade e passou a ser produzida para o mercado interno.
    Parabéns pela enriquecimento da sua colecção.
    if.

    ResponderEliminar
  9. Olá Maria Andrade

    No fim como quase sempre, mas ainda a tempo de dizer que o seu prato é uma preciosidade, não só pela sua antiguidade, mas também pela sua beleza.

    Como tenho horror ao que é "feito a metro", acho um encanto, a diferença entre o seu prato e o primeiro da sua gentil seguidora(que nos dá oportunidade de apreciarmos as suas faianças), e a semelhança entre o laço deste, e do último prato.É um prazer, poder olhar, comparar, divagar e... aprender.Sem dúvida que tenho aprendido bastante com esta comunidade de amantes e conhecedores de velharias.
    Um abraço
    Maria Paula

    ResponderEliminar
  10. Luís, muito obrigada por mais estas achegas sobre a exposição da Doação Castro Pina e sobre os pratos deste post.
    Vamos aprendendo muito uns com os outros, sobre faianças e não só, e é isso que torna este intercâmbio muito estimulante.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  11. Cara if
    Agradeço muito o seu comentário a este post.
    A verdade é que eu sabia muito pouco sobre a faiança malegueira e foi graças às peças gentilmente cedidas para este post e para o do LuísY que me inteirei mais sobre o assunto. São realmente faianças de uma simplicidade encantadora.
    Um abraço e apareça sempre.

    ResponderEliminar
  12. Cara Maria Paula,
    Como vê agora ando sempre atrasada nos comentários... mas é por uma boa causa! :)
    É verdade que este caráter único de cada peça, o sabermos q cada uma teve o seu tempo próprio de execução nas mãos de determinado artesão que deu um cunho pessoal ao seu trabalho, num determinado contexto que gostamos de conhecer, é o que torna estes objetos tão apetecíveis, para nós amantes de história e de velharias.
    Penso que todos nós estamos a aprender aos poucos, e isso é muito bom.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  13. Chego em último, mas o tempo não me dá para tudo.
    No entanto vale sempre a pena visitar aqui o seu blog, pois é certo que tem sempre uma peça que nos surpreende e que está rigorosamente referenciada, como nos habituou sempre.
    Se está escrito aqui (o mesmo acontece com o blog do Luís) tenho a certeza que a informação é correcta e rigorosa, e que, como tal, posso confiar.
    Pois tendo aprendido com alguma, pouca, gente até hoje (tive alguma sorte) também o tenho feito convosco, o que é uma sorte, pois sempre me pareceu que a informação sobre a faiança (menos com a porcelana, que me parece mais estudada e publicada) era algo quase de cabalístico e ritualista, passado e pais para filhos, e só se atingia o conhecimento quando se era "iniciado nos mistérios da confraria"!
    É um verdadeiro prazer ver a informação completamente aberta e acessível a quem a quiser consultar, e, ainda por cima, exposta de forma rigorosa, acessível, bem ilustrada e, ainda por cima, agradável de ler!
    Desta forma só fica ignorante quem quiser mesmo!
    Claro que muito está por explorar, mas, pelo menos, quem o faz, fá-lo da melhor forma como sabe e pode! Mais não se pode pedir!
    Quanto ao seu prato, considero-o uma peça muito boa, herdeira da nossa melhor tradição.
    Fico sempre a pensar como é verdadeiramente fantástico que, apesar de todas as vicissitudes, e tendo em conta a fragilidade do material, ela sobreviveu até nós e pode ser por nós exposta, estudada e admirada!
    Bem haja pela informação e pela sua disponibilidade
    Manel

    ResponderEliminar
  14. Pois é, Manel, andamos nesta luta contra o tempo, que não nos dá tréguas...
    Muito obrigada pela confiança que exprime naquilo que publico.
    É verdade que tenho o máximo cuidado em não induzir ninguém em erro, a internet já está cheia de lixo informativo e eu não quero contribuir para o aumentar, mas tenho sempre muitas dúvidas e às vezes engano-me... não sou como o outro!!!
    Precisamente porque a faiança nunca nos dá grandes certezas, e gostando eu de saber tudo o q é possível sobre as peças, é que me entusiasmei sempre muito com a porcelana, nacional e estrangeira, mais pela estrangeira, já muito estudada, porque nacional antiga só temos a Vista Alegre...
    Bem haja também e um abraço

    ResponderEliminar