quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O motivo Faisão ou Asiatic Pheasants em faiança portuguesa


O motivo Faisão, ou em inglês, Asiatic Pheasants, é um dos padrões decorativos mais utilizados na faiança inglesa pelo método de transfer-print, em geral a azul e branco. Em popularidade deve estar a seguir ao Willow - por cá, denominado Chorão - contando-se às dezenas os fabricantes que o reproduziram.
Assim, não é de admirar que tendo as nossas fábricas de faiança fina sido dirigidas por nomes ingleses como  Howorth, Gilman, Stringer, Wall ou MacLaren este fosse um dos motivos decorativos preferidos também por cá.


O primeiro prato que tive deste motivo, um prato de jantar com a marca muito desvanecida,  deixou-me na dúvida se seria português ou inglês.
Lá estão os dois faisões, um de cada lado do motivo floral ao centro, e a decoração floral da aba, com remate em fita  e o ligeiro recorte à volta. 


Entretanto, por comparação com outros exemplares, apercebi-me que o tardoz de círculos concêntricos  e o recorte da aba são muito típicos de Sacavém e comecei a reconhecer naquela marca tão sumida o formato de marcas anteriores ao período Gilman. A forma como se abrem em meio leque as penas da cauda do faisão à esquerda também é recorrente nas peças de Sacavém.


O segundo prato de jantar deste motivo, numa faiança grossa e pesada, tem as iniciais FA junto de uma marca tipicamente inglesa, com um tipo de design a que eles chamam "scroll mark". Fartei-me de correr na internet listas de fabricantes ingleses de "Asiatic Pheasants" mas as iniciais FA é que não apareciam em  nenhum deles.


Finalmente, há pouco tempo, num post do blogue "A Fábrica de Louça de Alcântara" do Mercador Veneziano, fez-se luz: FA significa simplesmente Fábrica de Alcântara e eu tinha em casa mais um portuguesíssimo prato, provavelmente do final do séc. XIX, com esse motivo de origem inglesa.


Este prato de sobremesa de Sacavém, com marca que o data de 1894-1902, foi comprado há pouco tempo por um euro, partido e mal colado, para ensaiar o processo de descolagem e posterior colagem com a cola recomendada pela Sandra Pena.


Apesar das fraturas que apresenta, acho-o muito bonito, não só pela tonalidade avermelhada, mas porque neste caso o desenho da estampa, diferente das anteriores, é mais leve, deixando muita superfície branca à vista. Daqui se pode concluir que a fábrica de Sacavém usou mais do que uma estampa com o motivo Faisão, tal como usou várias com o motivo Estátua, ou popularmente Cavalinho, também este importado de Inglaterra, onde é conhecido por Grecian Statue.


Deixei para o final a melhor peça do grupo, desta vez da Fábrica de Massarelos, uma bacia de lavatório produzida durante o período MacLaren, por volta de 1900.
Foi-me enviada por uma amiga, que a desencantou na casa de família em Trás-os-Montes, e a quis partilhar comigo, e agora também convosco.
No motivo central, reproduzido na primeira fotografia deste post, para além de dois elegantes faisões, aparece ainda uma borboleta, elemento que não conhecia neste tipo de estampa. Devia ser reservado às peças de maiores dimensões.


Também esta é uma decoração mais limpa, desafogada, onde se pode apreciar bem a beleza do motivo, de influência oriental, como o próprio nome indica. A decoração alarga-se ao exterior da caldeira, com o motivo floral, o que enriquece muito a peça.


Aqui a marca com o nome do padrão decorativo, Asiatic Pheasant (neste caso no singular) e o nome da firma MacLaren & Cº.  Se não fosse a presença do carimbo de Massarelos gravado na pasta, poderia perfeitamente passar por marca de fabricante em território britânico.
Agradeço muito a esta amiga pela partilha, que acabou por servir de motivação para este post e o enriqueceu com as belas imagens da sua peça.

21 comentários:

  1. Olá Maria
    Que bonitas as peças que nos mostra e que bem integradas no texto.Muito obrigada por partilhar connosco os seus conhecimentos, sempre tão detalhados e elucidativos. O motivo faisão é muito agradável visualmente e forma um conjunto harmonioso com as flores. É interessante ver como os motivos se repetiam entre as fábricas. Seria da mobilidade dos artesãos?
    Um abraço.
    if

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. ola colega coleccionador.
      tambem sou um jovem que aprecia este tipo de loiças, sendo eu feirante de antiguidades e velharias estou sempre a aprender com todos.
      seria possivel uma pequena ajuda? conheço poucos simbolos de loiças, apenas conheço bem os de sacavem, é possivel enviar me por mail todos os carimbos ou marcas das respetivas fabricas com datas? deixo o meu email, ruicoelho.velharias@gmail.com, ou se preferir vou estar no proximo domingo em sao martinho do porto, estou perto do restaurante Farol. deixo tambem o meu telm. 918 537 179.
      agradeco a atençao e a diponibilidade.

      Eliminar
    2. Olá jovem colecionador,
      Pode encontrar informação sobre marcas no seguinte blogue:
      http://traposcacosevelharias.blogspot.pt/

      Eliminar
  2. Olá If,

    Fico muito satisfeita por ter apreciado o post.
    Eu também acho este motivo muito bonito.
    Penso que a repetição destes padrões decorativos de fábrica para fábrica tem a ver em primeiro lugar com modas e , é claro, com as estreitas ligações à indústria cerâmica da Inglaterra, onde também floresceu a indústria paralela de produção de estampas e de onde eram importadas quase todas as estampas destas fábricas.
    Muito obrigada pelas suas simpáticas palavras de apreço.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  3. Olá boa noite.

    gosto particularmente do motivo Faisão na produção nacional, até diria que se tivesse hipótese de adquirir um serviço de jantar do século XIX, este seria um dos meus motivos de eleição.

    relativamente ao seu prato de tonalidade anil com marca mal impressa, penso que será do mesmo período do prato vermelho que também mostra. se analisarmos o seu molde, este é típico da produção de Sacavém, assim como a decoração a relevo que é possível ver na aba. ainda sobre o carimbo, os contornos dão-me a entender algo muito semelhante com o carimbo do prato a vermelho pelo que fico com poucas dúvidas sobre ser um prato produzido por Sacavém no final do século XIX.

    Mercador Veneziano

    ResponderEliminar
  4. Bonito post, muito claro e elucidativo.

    Talvez seja uma grande pretensão minha, mas julgo que com esta rede de blogues que formamos, conseguimos dar informações ao grande público sobre faiança portuguesa, que museus com responsabilidade na área não fazem.

    Abraços

    ResponderEliminar
  5. Este seu post deu-me uma informação preciosa e que eu ainda não tinha encontrado antes. Trata-se da existência de peças Alcântara com uma marca do tipo "scroll".
    Sempre tinha associado este tipo de marca como proveniente das Ilhas de Sua Majestade!
    Mais uma ponta do pano que se me levanta.
    Também é verdade que não tenho procurado ou pesquisado o suficiente para ter sentido dúvidas neste campo.
    Se algumas peças Alcântara e Sacavém (e de outras fábricas afins) me interessaram durante algum tempo, posteriormente, por qualquer razão que ainda não entedi bem, deixaram de me motivar tanto.
    É verdade que tenho a casa cheia de faiança de Sacavém, Alcântara, Massarelos, mas em Portugal quem o não tem?
    O seu post é duma clareza que só posso agradecer, pois, tal como frisa o Luís, e muito bem, está a fazer, à semelhança do que o Luís também faz, um papel que deveria caber em primeiro lugar às instituições museológicas (visitei há cerca de 5 anos o Museu da Sacavém - não me deixou qualquer vontade de voltar - e não consigo esquecer o vergonhoso e paupérrimo acervo exposto e a triste literatura disponibilizada pelo próprio museu, ainda que assistido de belíssimas instalações e, julgo, de pessoal com formação especializada - com certeza engano-me, pois custa-me acreditar que pessoal com formação no campo produza a pobreza patente naquela instituição).
    Os meus agradecimentos pelas suas pesquisas e pela clareza com que as expõe
    Manel

    ResponderEliminar
  6. Caro Mercador,
    Agradeço-lhe ter vindo aqui partilhar o que sabe, e é muito, àcerca da produção destas fábricas portuguesas, neste caso referindo-se especificamente à de Sacavém. Assim confirmou-me as suspeitas que eu tinha quanto à marca mal impressa.
    Também acho que um serviço neste motivo Faisão, em azul ou em vermelho, fará uma mesa muito bonita.
    Uma das razões que me fez comprar o prato vermelho partido foi ele ser muito parecido na cor e no estilo com um serviço de jantar inglês Johnson Brothers que tenho, oferta de casamento, e eu quis comparar as cercaduras.
    É o serviço que sai mais em jantares de família e com uma toalha branca fica muito bonito em cima da mesa.
    Mais uma vez obrigada e tenha um bom fim de semana.

    ResponderEliminar
  7. Olá Luís,
    Muito obrigada por me vir aqui dar um reforço tão positivo, achando útil aquilo que faço aqui no blogue, aliás como o Luís faz no seu e outros também fazem, como o Mercador Veneziano, embora já noutro estilo não tão pessoal.
    Fazemos isto por prazer, com espírito de partilha e não para alardear saber, e isto nem sempre é bem compreendido...
    Um abraço

    ResponderEliminar
  8. Manel, sabe que passei toda a minha vida profissional, e já antes disso os anos de formação académica, imersa no ensino e aprendizagem da língua e cultura inglesa - e também, é claro, de outros países anglófonos - e sempre achei muito interessante encontrar pontos de contacto entre essa cultura e a nossa. Acabei por encontrar no mundo das antiguidades, sobretudo na cerâmica, imensos pontos de interesse que nos são comuns, desde a história do chá e os objetos a ele ligados até à importação de porcelana chinesa e à produção de faiança industrial. Assim me fui embrenhando em muitas histórias que agora me dá muito gozo ir partilhando por aqui e ainda bem que há quem as aprecie…
    Quanto ao papel destes blogues na divulgação e informação sobre o património das artes decorativas, acaba por ter alguma importância, na mesma medida em que falham as instituições que o deviam desempenhar em primeira linha. Acontece que as artes decorativas sempre foram um parente pobre da família das artes e isso vê-se na forma como são (ou não são) tratadas pelas altas instâncias da cultura.
    Mas os blogues não vivem só da inspiração e conhecimentos dos respetivos administradores, dependem muito dos contributos valiosos dos seus comentadores, criando-se uma dinâmica muito rica nos dois sentidos e aí o contributo do Manel - aqui, no Velharias e noutros - tem sido inestimável.
    Muito obrigada pela parte que me toca.
    Bom fim de semana (e oxalá seja o último fim de semana com calor de Agosto…)

    ResponderEliminar
  9. Ola Maria Andrade!!!


    Interessantíssimo post!!

    Gosto imenso deste motivo!! Tenho algumas peças de Sacavém, da Real Fábrica poucas..


    Peças inglesas é que não tenho nenhuma. São bastante interessantes!!

    Adorei a peça da sua colega, a "bacia" de lavatório.

    Bjinho

    Flávio

    ResponderEliminar
  10. Olá Flávio

    O motivo é realmente bonito e neste caso todas as peças foram fabricadas em Portugal: Sacavém, Alcântara e Massarelos.
    Eu também não tenho nada inglês com o "Asiatic Pheasants". Pensava que tinha o prato a anil, mas vim a descobrir ser Alcântara :).
    Ainda bem que gostou do post!
    Bjs.

    ResponderEliminar
  11. Bom dia Maria Andrade,

    Antes de mais, quero dar-lhe os parabéns pelo seu blogue, a forma cuidada pela apresentação, as fotos, a redacção e todas as informações. Vê-se que é uma apaixonada por esta área.

    Nos meus tempos livres gosto de bisbilhotar tudo sobre Sacavém. Não sei qual o motivo, mas as outras marcas não me conseguem atrair. Colecciono apenas Sacavém. Gosto deste motivo, embora o Estátua seja o meu favorito. Sempre que possível gosto de ir a feiras e "absorver" as bancas à procura de novidades. Às vezes é um pouco complicado. Ou não encontro uma única peça que me agrade ou o preço que pedem é tão elevado que chego a pensar que não ouvi bem!

    Neste seu post, como em outros blogues e em todas as feiras onde já fui, tenho sempre encontrado peças Faisão monocromadas. Isto levava-me a crer que Sacavém produziu este motivo apenas numa cor. Assim pensava eu! Sensivelmente, há cerca de dez anos entrei num antiquário, no Porto, onde a iluminação não era muita e as peças amontoavam-se nas prateleiras. Para meu espanto encontro uma chávena de chá Faisão colorido! Lá está na minha vitrina. Foi a única vez que vi uma peça com este motivo em azul, vermelho e amarelo.

    Desculpe esta mensagem ser um pouco longa. Continuação de bom trabalho e excelentes pesquisas.

    Cumprimentos, Hector C.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Hector C,
      É este tipo de comentário que dá sentido ao blogue e não me refiro á parte dos elogios, que agradeço, mas à partilha de gostos e de informação, sempre tão útil e motivadora para dar continuidade a este trabalho.
      Sabe, tenho uma vaga ideia de já ter visto o motivo Faisão policromado, mas não sei se em peça portuguesa se inglesa. Não chegou a referir, mas depreendo que a sua chávena seja de Sacavém.
      Foi um verdadeiro achado essa chávena de chá, quem me dera ter tido essa sorte, mas quem anda por feiras e antiquários, vai sempre encontrando um ou outro "tesouro" e eu não me posso queixar...
      Cumprimentos

      Eliminar
    2. Boa tarde,

      Esta chávena é de Sacavém. Para além do carimbo Gilman & Cta. tem também 3 pontos em linha. Disseram-me que estes 3 pontos era uma forma de personalização da peça, ou seja, uma assinatura pessoal.

      Cumprimentos,
      Hector Castro

      Eliminar
    3. Boa noite, Hector Castro,
      Realmente esses pontos que aparecem nas loiças e outros sinais no género são tidos como marcas de operários, uma espécie de assinatura para contabilizar o nº de peças que lhes passavam pelas mãos ou talvez verificar a qualidade do trabalho que faziam...
      Cumprimentos e apareça sempre.

      Eliminar
  12. Esses 3 pontos(dentro do carimbo) significam uma determinada "época" de fabrico,porque o mesmo carimbo,com diversas cores,foi usado durante imenso tempo.Quanto mais "pontos" menos recuado é.Penso que o máximo é 9.

    João Rosa

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada pela sua achega.
      Já tinha ideia que os pontos dentro do carimbo tinham a ver com a época de fabrico, há fabricantes ingleses que também os usam, mas aqui interpretei como estando noutro local do tardoz. Será assim?

      Eliminar
  13. Pois é com muita satisfação que tenho seguido os vários temas abordados neste blog apesar de não ter ainda participado e agora por causa destes faisões recordei-me que tenho ali num armário uma terrina linda azul e branca de Alcântara que infelizmente perdeu a tampa porque a Srª da limpeza a deixou cair e depois apanhou os cacos e deitou fora....é uma terrina redonda se por acaso alguém tiver uma tampa porque perdeu a terrina eu estarei interessado em adquirir a mesma.
    Os meus parabéns pela excelente abordagem a temas que nos ajudam na nossa procura por partes da história e pela partilha de conhecimentos que sem eles tudo seria um pouco mais difícil
    Eduardo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Eduardo,
      É uma pena quando acontecem esses desastres, mas com cerâmica estamos sempre sujeitos...Desejo muito que venha a encontrar uma tampa para essa linda terrina Alcântara. Percorrendo as feiras de velharias pode ser que tenha sorte, como eu já tive com uma terrina antiga da Vista Alegre.
      Seja bem-vindo e apareça sempre.

      Eliminar
  14. Foi com surpresa e alegria que cheguei até aqui, buscando que estava por informações sobre um prato que pertenceu aos meus avós portugueses! E descobri que é um Asiatic Pheasants MacLaren, Muito bom o texto, e as histórias! Obrigada.

    ResponderEliminar