quinta-feira, 27 de junho de 2013

Obras do P. Teodoro de Almeida



Já aqui tenho referido que a principal razão para me sentir atraída por objetos antigos, nomeadamente os de cerâmica, é conhecer a sua história ou a história que muitos deles podem contar. Mas não são "livros abertos" e mesmo quando há marcas, a informação não nos chega de forma direta; temos que interpretar todos os sinais que as peças nos dão e depois procurar saber mais sobre elas, o que, sendo algo de aliciante para os amantes de velharias, causa também alguma frustração por sabermos que nunca teremos a história completa...
A situação é totalmente diferente com os livros, incluindo o livro antigo... desde que haja página de rosto.
Os dois que se vêem na foto são de um autor português do século XVIII, o iluminista Padre Teodoro de Almeida (1727 - 1804), e basta abrir qualquer deles para obtermos sobeja informação sobre o autor e a obra.


Começo pela página de rosto de Recreasão Filozófica ou Diálogo sobre a Filosofia Natural para instrucsão de pessoas curiozas, que não frequentárão as aulas. Neste exemplar o título já não figura completo ao cimo da página porque encontrei-o com as primeiras páginas mutiladas e tive que as restaurar, completando-as com papel japonês.
O que ficou diz-nos que o autor pertencia à Congregação do Oratório de S. Filipe Neri e era membro da Academia das Ciências de Lisboa, da Real Sociedade de Londres e da de Biscaia. Assim, ficamos logo cientes de que se trata de um religioso que se dedicou às ciências e à Filosofia  e atingiu notoriedade, ou pelo menos reconhecimento, em instituições de prestígio, nacionais e estrangeiras. De facto, para além de escritor e filósofo, ele é considerado o primeiro físico experimental português.

Imagem retirada de DE RERUM NATURA a acompanhar texto do Professor Carlos Fiolhais

Quanto à obra, ficamos a conhecer, logo no título,  o assunto tratado - a Filosofia - a forma como é desenvolvido - em diálogo - e a que tipo de público se dirige - para instrução de pessoas curiosas que não frequentaram as aulas. Ficamos ainda a saber que esta é já uma quinta impressão muito mais correcta que as precedentes e que a obra foi desenvolvida em vários volumes, sendo este o 7º, que trata da Lógica. Finalmente o ano em que foi impressa - 1785 - e o local -  Lisboa na Régia Oficina Tipográfica - tendo sido licenciado, como era obrigatório à época.
Como bilhete de identidade de um objeto não está nada mal!
Trata-se de uma obra enciclopédica em 10 volumes, o último dos quais foi publicado em 1800. Do I ao VI trata da Filosofia Natural, o VII como já vimos, trata da Lógica e os VIII, IX e X da Ética e da Moral.


Indo para além da página de rosto, logo nas primeiras páginas aparece o índice das várias Tardes ou capítulos  em que se divide este volume, que começa na Tarde XXXVI. A primeira página está encimada por uma pequena gravura ou vinheta, sem menção de autoria, que apresenta duas figuras, cada uma com uma chama sobre a cabeça, vendo-se ao longe uma candeia a emitir uma luz intensa. Certamente uma representação visual das luzes do conhecimento que iluminam o espírito,  o conceito subjacente ao Iluminismo do chamado Século das Luzes.
Temos logo a iniciar o texto a fala de alguém, Eugénio, que tem como interlocutores Teodózio e Sílvio; são estas as personagens que vamos acompanhar ao longo de todo o volume e cujos diálogos, em linguagem muito simples, têm tiradas deliciosas e exemplos práticos hilariantes. Um deles é a história de um rapaz rude que, ao trabalhar numa horta com amigos, levou com uma enxada na cabeça, ficando com o juizo alterado. Ao contrário do que seria de esperar, ficou tão esperto que se veio a tornar Ministro de nome na Corte! :)



Alguém duvida que este discurso aparentemente tão inocente está a querer atingir o Marquês de Pombal, que perseguiu e obrigou o P. Teodoro de Almeida a exilar-se em França?!
Há uns meses, a Maria Paula, do blogue as coisas de que eu gostofalou deste autor a propósito de uma exposição no Mosteiro de Tibães onde se transcreviam extratos da Recreação Filosófica. Um deles , sobre o amor, não posso deixar de partilhar também aqui:


Para quem não esteja familiarizado com este tipo de escrita, convém lembrar que o som s, quando não está em final de palavra, é representado pelo f.
O outro título do Padre Teodoro de Almeida que tinha para partilhar é O Feliz Independente do Mundo e da Fortuna, mas a conversa já vai longa, acho melhor guardá-lo para outra ocasião.


Agora que está a terminar o mês dos Santos Populares, deixo aqui a foto completa com os livros, junto do meu Santo Antoninho do Pão, acompanhado de uma bromélia que me lembra uma alcachofra do S. João, em noite dedicada ao colega de festejos, S. Pedro :))


11 comentários:

  1. Foi um homem interessante, este Padre Theodoro de Almeida, e o seu "O Feliz Independente do Mundo..." foi um "best-seller", para a época (1779). Tenho a 2ª impressão (1786), em 3 volumes, com finas gravuras. Falei dele em "Bibliofilia 54" (25/11/2011), no sítio do costume...Fez bem falar dele, Maria.
    Bom dia!

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    1. Este é mais um dos nossos ilustres esquecidos...
      Sei que "O Feliz Independente..." teve uma grande aceitação, mesmo durante o século XIX, considerado uma leitura muito adequada para os pais porem nas mãos das suas filhas donzelas :) Tenho que ir ver o seu post sobre ele. O exemplar que tenho é de 1779, mas só o 1ºvol. Veio de casa de uns avós, não sei o que terá acontecido aos restantes.
      Obrigada e bom fim de semana.

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  2. Olá Maria,

    Obrigada por partilhar da existência desta obra, e respectivo autor.
    Confesso que desconhecia em absoluto.
    A Filosofia não é matéria das minhas predilecções, sendo que, ao tempo do liceu, e no que a esta matéria dizia respeito, apenas me conseguia entender com Descartes e Sócrates. Foi-me extremamente difícil ter de conviver com Kant, ou Nietzsche…
    Seja como for, e pelo pequeno texto da obra que transcreveu neste post, consegui aperceber-me que terá sido um homem que, apesar de filósofo, tinha os pés bem assentes na terra.
    Atraída pela curiosidade fui pesquisar na internet, e percebi - tal como havia referido no seu post - que tinha sido uma figura de relevo do Iluminismo português.
    Ora, neste contexto e período, é conveniente fazer a distinção entre Iluminismo Joanino e Iluminismo Pombalino, sendo este último um despotismo esclarecido.
    Cumpre aqui destacar a instituição, sob os auspícios de D. João V, da aula de Física Experimental no Palácio das Necessidades, a cargo da Congregação do Oratório (à qual pertencia o Padre António Teodoro), assim como as lições de Filosofia proferidas, no seio da referida Congregação, pelo P. João Baptista de Castro (professor de António Teodoro) e mais tarde impressas na sua obra Philosophia Aristotelica (1748). A década desta publicação ficará, assinalada pela publicação de dois textos bem representativos do nosso iluminismo: a Lógica Racional Geométrica e Analítica, de Manuel de Azevedo Fortes, e o Verdadeiro Método de Estudar, de Luís António Verney – assinale-se que António Teodoro foi amigo constante de um sobrinho deste, de seu nome Padre João Chevalier. A polémica gerada em torno desta última obra constituiu um dos mais importantes momentos de afirmação do ideário das «Luzes».
    E já me alonguei em demasia, volto porém a agradecer-lhe ter-me proporcionado mais algum conhecimento com estes seus posts sempre agradáveis!

    Abraço

    Alexandra Roldão

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    1. Cara Alexandra,
      Fico muito satisfeita por este post lhe ter proporcionado um profícuo mergulho nos meandros do nosso iluminismo e no riquíssimo século XVIII português com os respetivos nomes sonantes.
      Tanto quanto sei, o próprio Padre Teodoro de Almeida passou por fases distintas no seu percurso, na última afastando-se do iluminismo e tornando-se mais conservador...
      Muito obrigada pelo contributo que trouxe a este assunto com o seu comentário.
      Um abraço

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  3. Cara Maria Andrade

    O Padre Teodoro de Almeida é um homem que periodicamente se atravessa na minha vida. Julgo que em todas as bibliotecas de livro antigo que tratei, existia sempre uma edição do nosso Padre Teodoro de Almeida. Cataloguei pelo menos uma dúzia de edições dele ao longo de 25 anos de actividade profissional. Claro, catalogar, classificar e cotar não é a mesma coisa que ler a obra. Mas, a frequência com que as edições de Teodoro de Almeida aparecem nas livrarias antigas portuguesas levou-me a perceber a sua popularidade na época.

    A estampa que fotografou, ou melhor a vinheta, é muito bonita. Não tem o nome do gravador ou do impressor?

    Fiquei de antenas no ar com a vinheta.

    bjos

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    1. Amigo Luís,
      Não tive a sorte de me ter cruzado com esta figura antes de ter adquirido este livro, já lá vão uns anos.
      Foi mais um ganho que tive com a compra de uma obra incompleta e não em muito bom estado, como me acontece tantas vezes. Talvez o nome tenha sido mencionado nas minhas aulas de Literatura Portuguesa, ainda no liceu, mas onde é que isso já vai...
      Quanto à estampa, é realmente bonita, embora pequena, mas não há no livro qualquer referência à autoria ou impressão, lamento. Merecia ter sido mencionada no texto, mas ainda estou a tempo de o fazer. Obrigada pela achega.
      Bjos

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  4. Antes de ter lido o post da Maria Paula desconhecia este autor de todo.
    Mas, após ter sido apresentado, fui lendo sobre o senhor e tive uma impressão muito favorável sobre, não só os assuntos aos quais se dedicou como igualmente a forma, que é clara e tranquila. Para um religioso não é pouco!
    A literatura apresenta tal vastidão de estilos e nomes (e ainda bem), há tanta coisa boa para ler, que o tempo não chega para tudo (nem sequer fico sem sono se não chegar a tudo o que quero :-) ... limito-me a vogar por aqui e por ali).
    Nestes últimos anos tenho-me dedicado a uma literatura heterógenea, mas fico encantado e absorvido quando consigo apanhar obras de epistolografia, biografia (auto ou hetero) ou história de arte.
    O romance, claro, também faz parte da lista, mas os outros campos ganham, se puder escolher.
    Na área de Filosofia prefiro deixar para quem goste mais que eu, apesar de ter ficado absolutamente ensimesmado com a leitura de Hesse.
    Quanto ao uso de papel japonês, achei curioso, pois há uns anos, quando tentava colar as folhas de um livro de infância que tentava restaurar, aconselharam-me a utilização das mortalhas para fazer cigarros, e o uso de cola branca de madeira, diluída. Lá tive paciência para fazer umas quantas folhas, mas depois, enfadei-me ... deve andar o livro algures pelas minhas prateleiras ... continua rasgado, claro está.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Quanto a leituras, Manel, ando sempre a saltar de umas coisas para outras - Aquilino, A. F. Castilho, Graham Greene, foram os últimos autores, veja só a diversidade! Leio diariamente mas não tanto como imaginava ser-me possível nesta fase da vida, esta bendita internet toma muito tempo...
      Olhe, para mim foi novidade o uso das mortalhas para colar rasgões, mas se calhar o papel é semelhante ao japonês, tipo papel vegetal, porque convém que seja translúcido. É verdade que quando há muitos rasgões para colar o processo torna-se moroso e enfadonho, compreendo a sua desistência.
      Tenho ido muito menos à oficina de restauro de livros, mas há tarefas simples que vou fazendo sozinha. Sempre que possível gosto de manter a encadernação original, estes dois só os limpei e passei cera, embora reconheça que ficariam muito mais bonitos com novas capas.
      Um abraço e uma boa semana também para si

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  5. Olá Maria Andrade
    Gostei de ver a “Recreação” em livro, em suporte de papel, que deduzo tenha sido restaurado por si. Guardado no computador, em suporte digital, tenho precisamente o tomo VII, numa sexta impressão de 1805, portanto, mais recente vinte anos que as suas edições. É interessante verificar-se as diferenças ortográficas que surgem entre estas duas versões que, ao fim e ao cabo, não estão muito afastadas temporalmente uma da outra.
    Desde que descobri o Padre Teodoro de Almeida que não paro de me fascinar com a sua versatilidade nas diferentes matérias filosóficas ou científicas e lamento a total ausência de divulgação desta figura da nossa cultura. Por isso, congratulo-me, com a emissão no ano passado, por parte dos CTT, de um selo que evoca o padre Teodoro de Almeida e o seu trabalho no campo da astronomia mais precisamente sobre o Trânsito de Vénus de 1761 e em que, Teodoro de Almeida, na altura refugiado no Porto, participa na observação deste fenómeno juntamente com mais 120 astrónomos espalhados por todo o mundo, com o intuito de a comunidade científica da época perceber qualquer coisa muito complexa para mim  mas que está relacionada com o cálculo exato da distância entre a Terra e o Sol. Alonguei-me ! É para compensar a minha ausência. Beijinhos e boa semana,

    Obrigada por referenciar o meu blog.

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    1. Esqueci-me de lhe deixar o link para espreitar o selo de que falo :) Os quadradinhos de cima deveriam ser sorrisos :)Não sei o q aconteceu :)

      http://www.publico.pt/ciencia/noticia/selo-portugues-comemora-transito-de-venus-1552263

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    2. Gostei muito do seu alongamento, Maria Paula :))
      Este volume de Recreação Filosófica foi efetivamente restaurado por mim, mas foi um restauro ligeiro e simples, só limpeza e completamento de algumas páginas.
      Também acho curiosas as diferenças ortográficas, a começar pelo nome do autor, que numa obra aparece como Teodoro d'Almeida e na outra como Theodoro de Almeida. Percebe-se que estamos num tempo em que a ortografia ainda não tinha regras bem estabelecidas...
      Este autor é realmente uma figura típica do iluminismo - multifacetada, com relevância tanto nas letras como nas ciências - só que pouco conhecida do grande público, apesar da emissão no ano passado desse selo comemorativo. Também o encontrei nas minhas pesquisas para o post, mas optei, talvez mal, por não o incluir aqui e deixá-lo para uma próxima publicação sobre Teodoro de Almeida, quando tratar da outra obra. De qualquer forma, obrigada pelo link que ficou aqui muito bem.
      Quanto aos sorrisos, transformam-se em quadrados quando o texto vem do word; aqui têm que se apagar os quadrados e repor os sorrisos :))
      Beijos

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