Este prato grande de parede tem-me intrigado desde que o meu marido o comprou na Feira da Vandoma, há uma meia dúzia de anos. Há pouco tempo, através do catálogo de um leilão da Christie's que consultei online, fez-se finalmente alguma luz.
É o tipo de faiança azul e branca a que se convencionou chamar Delft, mesmo que não tenha sido fabricado nesta cidade holandesa. Com efeito, várias cidades não só holandesas, mas também inglesas, alemãs e francesas, se dedicaram à produção destas faianças.
A produção Delft iniciou-se na Holanda na 2ª metade do século XVII, crê-se que por influência da faiança portuguesa azul e branca, e obviamente tentando imitar e substituir a porcelana chinesa que à época tinha deixado de chegar aos portos europeus.
Aqui está representada uma cena bíblica, a Última Ceia, com Cristo e os Doze Apóstolos numa disposição pouco convencional e as imagens dos profetas Moisés e Aarão a ladear a cena. Em último plano vê-se um cenário de rua que não consigo interpretar.
A aba apresenta folhagens e arabescos intercalados por figuras de anjos ou putti, ao gosto barroco.
Para além do nome dos profetas, este prato tem uma legenda que embora eu não tenha ainda conseguido decifrar, inclui palavras em holandês ou em flamengo, pelo que deduzo que terá sido fabricado numa cidade dos Países Baixos.
A língua holandesa, sendo de origem germânica como o inglês e o alemão, tem muitas palavras que se conseguem reconhecer por serem parecidas e terem o mesmo significado de vocábulos destas duas línguas.
A primeira palavra parece ser "met" equivalente ao "mit" alemão que significa "com"; a segunda, "dit" é o "this" inglês. A partir daí não consigo identificar as palavras, apenas reconheço em "gedeglen" um particípio do tipo alemão mas talvez esteja numa versão arcaica porque não encontrei nenhuma palavra assim transcrita.
No verso o prato tem dois orifícios para pendurar na parede e uma data , 1727, que faria do prato uma peça do século XVIII, se fosse credível. A verdade é que encontrei pratos Delft com este tipo de datação em catálogos de leiloeiras como a Christie's ou a Sotheby's que eles dizem ser pseudo-datas a marcar pratos do século XIX.
Enfim, sempre as mesmas tentativas de vender gato por lebre e na Europa do séc. XIX a falsificação de marcas e a imitação de estilos foi algo de muito recorrente, graças ao acentuado gosto por tudo o que vinha do passado, mais ou menos remoto.
Prato da Christie's descrito como "A large Delftware blue and white biblical charger 19th century, pseudo-dated 1727".
Muito semelhante e muito coincidente, sem dúvida.
Hoje consegui ser o primeiro a cá chegar, de modo a garantir, que não me roubam as deixas. Lol.
ResponderEliminarMais uma vez começo o comentário pela palavra, “Curioso!”
É curioso, mas a última ceia do seu prato é mostrada como uma cena de teatro. Moisés e Abraão parecem que estão a abrir o pano de boca onde se representa a cena principal, a ceia de Cristo e dos Apóstolos. E depois há uma perspectiva lá ao fundo, para enquadrar os personagens, feita como que em cartão, tal e qual um cenário de opereta ou de commedia dell arte. Há até uns varandins, que sugerem camarotes de um teatro com espectadores lá dentro.
Abraços
Luís
Cara Maria Andrade
ResponderEliminarMais um prato muito bonito e cheio de mistério, como eu gosto:)
A mim, e talvez sugestionada pela resposta do Luís, parece-me que a Última Ceia,que se vê representada, será um cenário, que foi montado, aproveitando,as paredes laterais de dois edifícios.
Repare, na linha horizontal que se pode ver mesmo por cima das cabeças.Parece um pano onde se pintou uma cena:)
Beijinhos e bom fim de semana
Maria Paula
Curioso e bonito este prato de Delft. Não é de excluir a possível influência da pintura flamenga, com o seu gosto pelos interiores pormenorizados (chão em ladrilhos)e representação de objectos de uso quotidiano. As nossas relações comerciais com a Flandres são muito antigas e a presença de faiança portuguesa também. O facto de termos introduzido as primeiras peças de porcelana oriental nesse mercado levaram á sua imitação (por nós) e, a partir de cerca de 1660, pelos próprios Países Baixos que intensificaram a produção de faiança própria, que ficou mundialmente conhecida pela designação de louça de Delft.
ResponderEliminarAbraços e bom fim de semana
if.
Caros Luís e Maria Paula,
ResponderEliminarVou responder em conjunto porq os vossos comentários focam mais ou menos o mesmo aspecto e acabam por se complementar.
Não tinha pensado nesta decoração como uma encenação, mas efectivamente o tema principal que é a Última Ceia é como uma cena dentro da cena. Concordo convosco em q parece ter sido ali criado um cenário teatral, com vários elementos à volta q o contextualizam. Se calhar estão-nos a escapar certos códigos q permitiriam uma interpretação cabal de toda a representação, ou então a tradução da legenda q ainda não desisti de conseguir.
É este tipo de curiosidades , segundo o Luís, ou de mistérios, segundo a Maria Paula, q tornam estas coisas tão desafiantes e por isso aliciantes!!!
Abraços e bom fim de semana para os dois.
Cara if,
ResponderEliminarÉ verdade tudo aquilo q refere e também acho natural q haja aqui influência da pintura flamenga.
O nosso pioneirismo, não só na introdução da porcelana chinesa na Europa, mas também no fabrico de faiança azul e branca seguindo esse modelo, é poucas vezes reconhecido por especialistas estrangeiros nesta área, sobretudo do centro e norte da Europa, o q me irrita um bocado, por isso também não me canso de o repetir...
O assunto já veio à baila a propósito de um prato de faiança portuguesa do séc. XVII q postei a 4 de Março último.
Obrigada pelo comentário e bom fim de semana também para si.