Sou apreciadora de arte sacra em geral, mas há imagens de santos pelas quais tenho uma predileção especial e a Sant'Ana, sobretudo na versão Sant'Ana Mestra, é um desses casos.
Sempre me atraiu aquela figura de mãe, com a sua filha criança ao colo, segurando na outra mão um livro que lhe estará a ensinar a ler.
Interessei-me mais por estas figuras a partir do acesso que tive online à fabulosa colecção de Ângela Gutierrez. São centenas de deliciosas pequenas esculturas de Sant'Ana Mestra, mas também de Sant'Ana Guia e Santas Mães que aquela coleccionadora brasileira foi adquirindo, sobretudo em Minas Gerais, com exemplares que vão do séc. XVII ao século XX, formando assim uma excepcional colecção que hoje disponibiliza para apreciação de toda a gente.
Na Sant'Ana Mestra gosto de ver representada uma mãe educadora, preocupada com a formação intelectual da filha e não apenas com a sua preparação para fada do lar que era tradicionalmente a grande preocupação das mães na educação das meninas.
O livro é um instrumento de saber qualquer que ele seja e embora não esteja aqui explícito o tipo de livro representado, é fácil de supor que se trate de um livro sagrado do Antigo Testamento. Assim esta iconografia contém uma mensagem muito clara para os fiéis: aquela menina foi preparada desde tenra idade para fazer o seu caminho em direcção a Deus e vir a ser a digna mãe de Jesus.
O culto de Sant'Ana desenvolveu-se na Europa do século XII ao século XVI e durante esse período apareceram vários tipos iconográficos envolvendo a figura de Sant'Ana, mas com a presença por vezes do marido, S. Joaquim, ou da mãe de Ana, avó de Maria , Emerenciana. Com o movimento da Contra-Reforma, iniciado pelo Concílio de Trento (1545-1563) que, entre muitas outras disposições, regulou o culto dos santos, foram seleccionadas apenas três iconografias: Sant'Ana Mestra, Sant'Ana Guia e Santas Mães. Na Sant'Ana Guia representa-se a mãe com a menina pela mão e as Santas Mães têm representado também o Menino Jesus, estando portanto presentes duas mães, uma vez que Maria é já adulta e mãe.
Esta minha escultura em terracota mostra Maria muito pequenina com o dedito a apontar para uma linha do texto que estará a tentar decifrar. O rosto da mãe tem uma expressão muito atenta ao desempenho da menina e todo o conjunto, com a posição dos corpos, o movimento e drapeado das vestes, a atenção aos pormenores, revela mão de artista santeiro e não de qualquer artesão barrista com produção de cariz popular. Penso que segue os cânones artísticos do século XVIII mas quanto a datá-la, já não sou capaz de arriscar.
É lindíssima a sua imagem de Santa Ana a ensinar Nossa Senhora a ler. Parabéns.Já há muito tempo que desejava ter uma e finalmente consegui. É muito pequenina (tem cerca de 12 cm de altura) e as expressões de ambas são muito felizes. Gostava de ter a sua opinião? Como o poderei fazer?
ResponderEliminarCumprimentos
if
Cara if,
ResponderEliminarJá viu as Sant'Anas da Angela Gutierrez pelo link q deixei no post? É uma coleção magnífica! A minha Sant'Ana também não é muito grande, tem cerca de 21cm. Não sei se a minha opinião tem algum valor, sou apenas uma amante destas coisas, mas se me quiser enviar fotos da sua santa pode fazê-lo para este endereço de correio eletrónico: andrade.maria82@gmail.com
Um abraço
Olá Maria Andrade,
ResponderEliminarMuito bela sua imagem. Conheço uma pequena parte da coleção da Angela Gutierrez por fotos, em função de matérias em revistas por aqui.
Me envaideço em contar que a Angela Gutierrez possui um pequeno trabalho meu, este que pode ser visto no link a seguir:
http://www.fabiocarvalho.art.br/pa20a.htm
Este prédio era uma antiga estação de trens em Belo Horizonte (Minas Gerais), que ainda funciona como tal, mas que também há coisa de 10 anos abriga em suas belas instalações um Museu de Artes e Ofícios, que ela dirige desde o início.
http://www.mao.org.br/port/default.asp
Em tempo: o acervo deste museu é todo da coleção particular da Angela Gutierrez também.
abraços!
Caro Fábio,
ResponderEliminarQue boa surpresa ter aqui deixado o link pra apreciarmos o seu belo trabalho! Tem razão em se envaidecer, não só pelo trabalho em si, mas por ele pertencer ao acervo de uma coleção com tanto prestígio no mundo lusófono, pelo menos.
Quando estive recentemente no Brasil, uma das cidades q queria visitar era Belo Horizonte, precisamente por ser a principal sede das coleções Angela Gutierrez, mas como o tempo foi pouco e as distâncias aí são muito grandes, tive q adiar essa visita para uma próxima ida ao seu belo país.
Agradeço também o envio do link para o Museu de Artes e Ofícios.
Um abraço
Estou certo que não terá deixado escapar, em Ouro Preto, a colecção organizada por esta senhora fantástica, versando maquinetas e oratórios.
ResponderEliminarFoi uma noite mágica preenchida pela música barroca de Bach, Vivaldi, além de um ou dois compositores brasileiros da época, dos quais não me recordo dos nomes, mas cujas influências eram algo misturadas, para mim até exóticas, apesar de serem orientados pelas regras de composição europeias, tocada em instrumentos de época e no espaço da própria colecção, cujas peças ajudavam à mística criada pelos acordes.
Fiquei ensimesmado junto a cada um deles; já tinha tido conhecimento de algumas destas peças aquando da sua passagem por Lisboa, mas ali, naquela "ilha" no meio do Brasil, o efeito é perfeitamente surpreendente.
Claro que depois de chegar a Lisboa, após esta visão mística, tratei de arranjar o meu próprio oratório para colocar as imagens e peças de devoção popular que andavam à solta pelo apartamento.
Não consegui visitar a colecção patente em Belo Horizonte, mas seguramente não perderá pela demora!
Manel
Olá Manel,
ResponderEliminarNão se enganou ao conjecturar q eu não podia ter deixado de visitar o Museu do Oratório em Ouro Preto.
O Museu do Oratório, o Museu da Inconfidência, a Casa dos Contos, o Museu de Arte Sacra, o Museu do Aleijadinho, para além das maravilhosas igrejas barrocas, aquele casario antigo tão bem preservado, fazem de Ouro Preto uma jóia inestimável no coração de Minas Gerais.
Não tive a sorte de desfrutar de um programa musical como o q o encantou no Museu do Oratório mas fiquei deslumbrada com todas aquelas peças e a história a elas associada. Acabei por comprar um oratório-bala numa loja de artesanato perto do museu, pequeno para o poder trazer no avião (dá apenas para uma imagem não muito grande). Tenho intenção de o mostrar aqui qualquer dia.
Tal como o Manel, tenho a visita a Belo Horizonte nos meus planos para a próxima vez q vá ao Brasil. É pena ser tão longe, mas há voos directos Lisboa-Belo Horizonte.
É bom termos sempre planos e sonhos para realizar, mesmo q seja a longo prazo!
Cara Maria Andrade
ResponderEliminarJá cá tinha vindo espreitar a sua bela Santa Ana, mas sem tempo para deixar um comentário com cabeça tronco e membros.
A sua imagem é bonita e tal como a Maria Andrade gosto de arte sacra. Se tivesse dinheiro, transformava a minha casa rapidamente numa espécie de sacristia.
Referiu que com o movimento da Contra-Reforma, foram seleccionadas apenas três iconografias para esta figura Sant'Ana Mestra, Sant'Ana Guia e Santas Mães. Contudo, em Portugal, aparece uma quarta iconografia de Santa Ana, uma variante à Santa Ana Mestra, em que esta aparece só, com um livro na mão e é facilmente confundível com Santa Teresa de Ávila, não fosse esta última apresentar-se em traje de carmelita. O Museu de Alberto Sampaio tem uma Santa Ana deste tipo, datada do Século XVI, inv E 6, que poderá encontrar no matriz e já vi pelo menos uma destas imagens numa capelinha, em Outeiro Seco. Não sei é se estas santas anas solitárias não terão sido executadas antes do Concílio de Trento e repintadas posteriormente para parecerem barrocas. Em todo o caso, fica aqui a nota.
Vi uma exposição dos oratórios da colecção Ângela Gutierrez em Lisboa, no Museu S. Roque e fiquei encantando. Até tinha o catálogo, mas, “hélas”, deve ter ficado em casa da minha ex-mulher.
É verdade. Gostei do desenho do Fábio Carvalho
ResponderEliminarLuís, já tinhamos falado dessa Sant'Ana solitária com livro na mão a confundir-se com Sta Teresa de Ávila penso q na sequência do seu post sobre a sua Sant'Ana em espuma do mar.
ResponderEliminarNão percebo é a sua estranheza em relação à existência desta iconografia na imagem do séc. XVI do Museu Alberto Sampaio. Se o Concílio de Trento se realizou a meados do séc. XVI, esta imagem, sendo do séc. XVI, pode ser anterior a ele, sua contemporânea ou mesmo ligeiramente posterior e ainda não obedecer às disposições dele emanadas. Terminado o concílio ainda devia demorar algum tempo, talvez anos, até q se redigissem todas as novas regulamentações, se distribuissem para envio para os países católicos e depois finalmente chegassem ao destino e fossem aplicadas em todas as paróquias.
Não me parece por isso q a existência dessas imagens do séc. XVI contradiga em nada o q foi dito no post.
Será q me está a escapar alguma coisa?
Abraços
Não há nada no seu post de contraditório. Aliás a Maria Andrade é sempre cuidadosa e coerente nas suas afirmações. É provável que essas imagens de santas anas sós sejam anteriores ou concílio de Trento, ou vá lá, produções arcaizantes, que escapavam aos cânones da altura.
ResponderEliminarEm todo o caso espreite este link http://outeiroseco.blogs.sapo.pt/228946.html. A imagem parece posterior ao século XVI.
A Maria Andrade ainda me mata à paulada!!!
ResponderEliminarMas as Santas Anas não me saem da cabeça. Sabe que fui ao matriz das Misericórdias, um site recomendado por si e fiz uma pesquisa combinada pelos termos “Escultura” e “Ana” em todos os museus e tive naturalmente muitos resultados, mas surgiram duas santas anas só com o livro e sem nenhum acompanhante. A primeira do século XIX, da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos e a segunda, do século XVIII, da Santa Casa de Setúbal. Julgo quem em Portugal houve este vago desvio à iconografia oficial de Santa Ana Mestra.
Luís, longe de mim reagir de forma tão violenta!!! a esta sua insistência q só serve para nos esclarecermos mutamente.
ResponderEliminarSabe q eu também sou um pouco assim: quando ouço ou leio alguma coisa q contraria uma ideia q eu tinha ou algo q eu conheço, argumento e contra-argumento porq o q eu quero é ser bem esclarecida antes de mudar de opinião...
Aqui parece-me q o q podemos concluir é q apesar das recomendações ou mesmo imposições emanadas do Concílio de Trento, continuou a haver representações de Sant'Ana q fogem às iconografias seleccionadas.
E nós portugueses sempre fomos danados para pisar o risco... :)
Pelo pouco q se vê da imagem de Santa Ana de Outeiro Seco, eu diria q é já do séc. XVIII. O movimento do manto de cabeça e as dobras voluptuosas da roupa apontam para aí, mas até pode ser posterior.
Achei muito curioso o pormenor do livro com páginas numeradas e escritas.
Ainda hei-de ir tentar ver as imagens da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos e de Setúbal, mas já não sei q site é esse q lhe recomendei...
De qualquer forma hei-de lá chegar.
Abraços...sem pauladas!!!