A propósito de um pequeno e discreto pires de porcelana, retomo aqui uma história que comecei a contar no post de 10 de Fevereiro .
A flor de lis, como marca de porcelana, foi usada quer na mítica Fábrica de Capodimonte, junto a Nápoles, em actividade durante um pequeno período de tempo do séc. XVIII (1743 - 1759), quer na Fábrica de Buen Retiro em Madrid, igualmente de curta duração (1759 - 1810).
A flor de lis, como marca de porcelana, foi usada quer na mítica Fábrica de Capodimonte, junto a Nápoles, em actividade durante um pequeno período de tempo do séc. XVIII (1743 - 1759), quer na Fábrica de Buen Retiro em Madrid, igualmente de curta duração (1759 - 1810).
Percebe-se que este pires já viu melhores dias, mas guardo-o ciosamente, convencida como estou que é um digno e raro representante da produção de uma destas fábricas.
Inclino-me mais para que seja Buen Retiro dada a maior proximidade a que estamos deste local e considerando que foi comprado numa loja de velharias de Fronteira cujo dono fazia colecção de grandes pratos de Talavera, fazendo portanto muitas compras em Espanha. Estava lá abandonado, no meio de muita tralha (acho que já tinha servido de cinzeiro) e eu, mais uma vez, fui atraída pela marca.
Para além de esta marca poder pertencer a qualquer das fábricas, o pires tem outra característica que também lhes é comum e é distintiva da sua produção: a decoração pintada à mão com uma pincelada miúda, em leves toques com a ponta do pincel, feita por pintores treinados como miniaturistas. Como o pires é muito pequeno, cerca de 9 cm de diâmetro, cada uma daquelas casinhas tem menos de 1cm de lado e atente-se em todos os pormenores em miniatura que compõem a paisagem. Vêem-se minúsculas figuras humanas de pastor e pescadores, por exemplo, e os ramos e folhas das árvores, assim como as janelas dos edifícios, são sugeridos só por pontos. Vêem-se ainda minúsculos barcos ao longe no mar, para além de um que está em primeiro plano, o que pode lembrar mais as paisagens costeiras de Nápoles do que o interior árido de Madrid, mas não nos podemos esquecer que Carlos de Bourbon, ao transferir a fábrica de Capodimonte para Buen Retiro, em 1759, transferiu também materiais, moldes, caulino e muitos trabalhadores que certamente teriam estas paisagens no seu imaginário.
Chávena Capodimonte de cerca de 1750 |
Marcas usadas
em Capodimonte
e algumas
também em
Buen Retiro
e algumas
também em
Buen Retiro
O nome Capodimonte acabou por ser banalizado e depreciado pelo facto de ter continuado a ser utilizado, por outras fábricas, para porcelana e faiança italiana de inferior qualidade, se comparada com o nível atingido pela fábrica original de Capodimonte ou mesmo pelas de Nápoles ou Doccia do séc. XVIII.
É o caso desta bacia e gomil em miniatura, o tipo de peças que se compram ainda hoje como souvenirs de viagens por Itália.
Apresentam baixos relevos com figuras mitológicas em policromia e muitos dourados, também como neste caso, no interior das peças, tentando imitar o que se produziu nas fábricas originais, mas tendo perdido todo o requinte e delicadeza.
Este conjunto, por ser de pequenas dimensões, poderá ter alguma graça, até tem uns putti que eu acho figuras muito simpáticas, e durante o séc. XIX ainda se fabricaram peças com este tipo de decoração que eu não me importava nada de ter em casa, mas estas mais recentes estão a anos luz da qualidade artística da primitiva Capodimonte.
O brilho e finura de uma peça original que as mais recentes pretendem imitar |
Gostei da sua explicação muito clara e didáctica, da história do Buen Retiro e de Capodimonti e de como esta última manufactura viu o seu nome depreciado ao acabar por fabricar souvenirs de gosto algo duvidoso.
ResponderEliminarFicarei atento às Flores de Liz nos versos do prato.
Gostei do seu pires e da pintura delicada. Devia ser uma delícia comer nele. As crianças deviam adorar estas loiças e facilmente imaginariam histórias com as casinhas e os barcos, que decoram o bordo, esquecendo-se certamente de comer. A minha filha é assim, distrai-se e esquece-se de comer e eu também fui assim no passado e no entanto estou sempre a repreende-la. Enfim, contradições da educação.
Estou como a Maria Isabel, a dispersar-me em todas as direcções. Mas voltando, às velharias, há uns tempos, um dos seguidores do meu blog, também me referiu esse antiquário em Fronteira, onde comprou o pratinho e a sua colecção deslumbrante de louça de Talavera de La Rena. Fiquei cheio de curiosidade de visita-lo.
Abraços
Cara Maria Andrade
ResponderEliminarÉ verdade! Tal como o Luís, gostei muito desta sua "aula"sobre as porcelanas Capodimonte e Buen Retiro, de que conheço muito pouco. Da primeira,tinha a vaga ideia de serem de gosto duvidoso e de Buen Retiro, nunca tinha ouvido falar.
O pires é lindo,e nunca tinha visto um motivo destes.Que minúcia!
Um abraço
Maria Paula
O pires é muito fino e delicado, surprende pela minuciosidade da decoração. Já agora, o antiquário de Fronteira é o Sr. Duarte Galveias.
ResponderEliminarCaro Luís,
ResponderEliminarRealmente este pratinho, quer pelas dimensões, quer pela decoração, só lembra loiça para crianças. Sabe q eu acho q as decorações nos pratos das crianças podem distrai-las mas a nosso favor, isto é, enquanto se distraem com os bonecos e com a histórias q lhes contamos sobre eles, abrem a boca automaticamente e lá vai colherada. Funcionou assim com os meus filhos e acho q já funcionava assim comigo, mas certamente a sua filha já passou essa fase, já é mais crescida e mais difícil de enganar...
Estas histórias q conto aqui obrigam-me a sistematizar conhecimentos, são fichas q ficam a acompanhar os objectos e isso também é útil para os meus filhos, saberem o q têm em casa, por pouco valor comercial q estas coisas
tenham.
A colecção de faianças Talavera do antiquário de Fronteira é impressionante, se calhar agora mais do q na altura em q vi alguns exemplares e já lá vão uns anos.Eram pratos invulgarmente grandes com decorações muito elaboradas, mas já não tenho uma ideia muito nítida do q vi, só sei q vale a pena.
Um abraço
O pratinho é de uma beleza que impressiona, ainda que com as marcas da idade. O importante está lá, que é a minúcia do desenho e o preciosismo a que se chega com este tipo de decoração, a qual tem muito de orientalizante. Se quer que lhe diga, prefiro o pratinho como ele está agora, com aquelas mazelas todas. É delicioso.
ResponderEliminarJá noutro local, creio que no blog do Luís, fiz referência a que os meus pais só conseguiam que eu comesse alguma coisa porque me davam a comida num prato com desenhos de animais e eu, com a pressa de os pôr a descoberto, comia tudo. Claro que os adultos, manhosos, só descobriam os animais da minha eleição já lá para fim da refeição ... como eu faria hoje também, claro!
Quanto aos últimos exemplares que mostra será até preferível esquecer que existem ... tive sempre alguma aversão a Capodimonte. Alguma coisa que herdei dessa proveniência ou dei, de muito bom grado, ou parti ...
Manel
Olá Maria Andrade
ResponderEliminarVim por último e fiquei ainda mais encantada, pela sua aula e pelos comentários.
Corroboro tudo o que foi dito e bem!
O pires apesar de muito gasto é de uma beleza deliciosa, pintado a azul, a minha cor preferida e de motivos delicados. Um horror alguém te-lo usado como cinzeiro, é o que faz parecer.Também comprei um prato que serviu de lamparina a um pavio de algodão em azeite.
Só conhecia os souvernirs(horrorosos) de Capodimonte.Sou muito crua em porcelanas. Consigo tenho aprendido e muito!
Confesso que fiquei curiosa sobre a faiança de Talavera no antiquário de Fronteira. Há que anos lá não passo, num tempo que ia a Badajoz todos os anos à feira de S. João, a 1ª vez 1973.
Vou ter que ir conhecer, agora que tenho 4 exemplares espanhóis e pelos vistos 2 são pelo tamanho e motivos Talavera.
Beijos
Isabel
Caro anónimo,
ResponderEliminarAinda bem q gostou da minha singela peça e agradeço-lhe muito ter aqui disponibilizado para todos o nome do antiquário de Fronteira, o Sr Duarte Galveias, possuidor da belíssima colecção de faianças de Talavera de la Reina. Espero q ele a tenha continuado a aumentar e a torne cada vez mais digna de ser vista e apreciada.
Cumprimentos
Esqueci-me de a felicitar pelo aspecto gráfico do post. Destacar pequenos detalhes fica muito bem e chama a atenção para a minúcia da decoração ou para qualquer outro aspecto que queremos evidenciar
ResponderEliminarObrigada Luís pelo reforço positivo. Vou sempre tentando fazer o melhor possível, mas sou muito atabalhoada no tratamento da imagem.
ResponderEliminarGostava de dominar essas técnicas, como o Luís consegue, mas aos poucos vai-se melhorando um bocadinho...
Caro Manel.
ResponderEliminarEntão consigo também resultava essa estratégia de prometer q havia coisas muito lindas no fundo do prato? Ainda me lembro de fazerem isso comigo, só q muitas vezes era descaradamente enganada... Com os meus filhos já não fiz assim, havia mesmo boneco ou então ia contando histórias...
Fico contente por ter apreciado o meu pratinho mesmo com todas as mazelas. Eu , sinceramente, se pudesse escolher, preferia-o em "mint condition"!!! No caso da porcelana, para mim quanto mais perfeita melhor, mas se encontrasse peças destas muito perfeitas, talvez não estivesse disposta a dar todo o dinheiro q pedem por elas e assim sempre vou tendo o prazer de ter em casa exemplares com a sua beleza e culturalmente interessantes.
Um abraço
Olá, como vai? estou realizando a curadoria de um material arqueológico e me deparei com um fragmento de louça onde consta a inscrição " bay of naples" abaixo deste consta "W.R" e mais a baixo "Italian". você conhece essa inscrição? poderia me ajudar quanto a essa elucidação?
ResponderEliminarmeu email é: wenderarqueologia@gmail.com
desde já agradeço!
Wender
Olá Wender,
ResponderEliminarTrata-se de uma peça inglesa do séc. XIX do fabricante William Ridgway (W.R).
"Bay of Naples" é o nome do padrão decorativo, da série "Italian".
Apareça sempre, ajudarei no que me for possível.
Bom trabalho!