quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Caneca em faiança neoclássica

Já que ando na onda das faianças, aqui vou mostrar mais um exemplar que comprei há menos de um ano. 


Este jarro ou  caneca, de que gosto muito, apesar das esbeiçadelas e de uma lacuna no bordo do bocal, tem sido para mim fonte de grande frustração neste âmbito das velharias. Quando o comprei, na feira de Aveiro onde vou com frequência, vendo o medalhão com o busto feminino, as figuras de putti e as grinaldas, tudo me pareceu déjá vu e achei que seria muito fácil descobrir-lhe a origem. Enganei-me.
É sem dúvida faiança neoclássica e os vários elementos decorativos lembram os que aparecem em faianças do Rato, de Estremoz, da Bica do Sapato, de Massarelos, de Vandelli, etc. No entanto, neste momento, começo a duvidar de que seja português porque, apesar de me fartar de pesquisar nas colecções dos museus do IMC e em livros e catálogos, nunca vi nenhuma peça de faiança portuguesa, da mesma tipologia, que apresente um bojo recto como esta. Só vejo jarros, infusas, canecas, com bojo curvo e também ainda não vi nenhuma decoração igual a esta ou muito parecida.



Haverá por aí algum amante de faianças que possa ajudar a resolver o mistério?

Pormenor de um prato Vandelli do catálogo da exposição "Cerâmica de Coimbra Séc.XVI - Séc. XX"

Grande caneca do Museu Nacional Machado de Castro
atribuída a Domingos Brandão da escola de Vandelli
A primeira foto do jarro ou caneca do MNMC foi-me enviada pelo Mercador Veneziano que prontamente respondeu ao meu apelo para identificar a caneca deste post e me colocou na pista mais plausível: tratar-se de uma peça Vandelli, ou seja, da Fábrica do Rocio de Santa Clara em Coimbra fundada por  Domingos Vandelli (1730-1816).


Terrina e tabuleiro Vandelli ao lado da peça de Domingos Brandão em exposição no Museu Machado de Castro (foto acrescentada em Jan. 2013)

                                                                                                                                

14 comentários:

  1. olá boa tarde.

    gostaria de deixar algumas suposições que fiz depois de consultar vários livros e catálogos com o intuito de encontrar alguma peça nacional de características semelhantes.

    o facto é que não encontrei nenhuma peça de decoração semelhante, quer em termos da decoração central ou mesmo de padrão floral, o que me fez supor duas linhas de raciocínio totalmente distintas.

    A primeira suposição, e menos plausível, é que poderá ser uma peça de fabrico nacional, e deste modo, com grande interesse na sua catalogação por parte de núcleos de conservação devido a não haver nada de semelhante. A segunda suposição, e mais provável, consiste na peça ser de fabrico estrangeiro, tipo francesa pelo seu desenho clássico.

    estas suposições baseiam-se no facto de haver algumas peças nacionais de formato muito semelhante, de Fábricas como Miragaia, Massarelos etc. devido ao seu formato, parece-me que trata-se de um jarro ao que lhe faltará uma tampa, até porque a peça apresenta uma decoração algo pobre no topo em que provavelmente repetiria-se o padrão na tampa.

    outro pormenor que pareceu-me importante, está nas tonalidades presentes no jarro, nomeadamente o laranja e o vermelho. analisando o fabrico considerado como neoclássico na faiança portuguesa, as peças com tonalidade laranja forte são extremamente raras, então com tonalidade vermelha não reparei em nenhuma. referir ainda que excluo peças de fabrico tipo Fábrica da Bandeira ou Fervença que não considero de decoração neoclássica devido à falta de traço fino nas suas decorações.

    infelizmente não estou a contribuir para uma classificação mais precisa da peça em causa, mas espero ter contribuído para uma partilha de opiniões sobre a sua proveniência.

    Mercador Veneziano

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  2. Caro Mercador,
    Muito lhe agradeço todo o empenho que demonstrou em resposta ao meu apelo para se desvendar este mistério... Tudo o que diz faz sentido e está muito bem fundamentado.
    Eu, como já disse, fartei-me de procurar e o q encontrei de mais parecido em cerâmica portuguesa foi em painéis de azulejaria neoclássica. Os medalhões aparecem muito noutras peças deste período, mas não com moldura semelhante e não com aquele formato de bojo. Quanto aos vermelhos e alaranjados, encontrei em peças Vandelli e vou tentar aqui deixar uma foto de um prato Vandelli, q tenho num catálogo de faiança de Coimbra.
    Um abraço
    Maria Andrade

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  3. olá mais uma vez.

    só por curiosidade, como se intitula esse catálogo de faiança de Coimbra?

    Mercador Veneziano

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  4. Cara Maria Andrade

    Vou vasculhar os meus alfarrábios e com calma tentar fazer um comentário na segunda-feira. Mas a olho nu tb não me lembro de nada parecido nas lusas paragens.

    Abraços

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  5. Olá Mercador, mais um vez!
    O catálogo a q me refiro chama-se "Cerâmica de Coimbra Séc.XVI-Séc.XX" e é duma exposição q esteve patente ao público em 2008 no Convento de S. Francisco em Coimbra. Foi montada e tinha muitas peças do Museu Machado de Castro, algumas do Museu de Arte Antiga e do Museu Soares dos Reis e também peças de coleccionadores particulares.

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  6. Caro Luís,
    Agradeço a sua disponibilidade em aceitar este desafio. Com estas boas vontades e os conhecimentos de cada um, pode ser q se consiga apurar alguma coisa.
    Bom fim-de-semana

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  7. Ola boa noite cara Maria Andrade,
    Não sou entendida no assunto, nem de perto nem de longe, mas tambem eu fiquei curiosa e é sempre bom saber mais acerca de assuntos que nos fascinam, pelo que resolvi responder ao seu apelo.Acontece que depois de uma busca rápida pelos catálogos cá de casa e pela Internet não encontrei nada deste tipo, mas vou continuar a minha procura e tenho a certeza que se encontrará algo...

    Com os meus cumprimentos e com as minhas desculpas por não trazer boas noticias,

    Marília Marques

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  8. Cara Marília,
    Muito obrigada pelo seu comentário e pela disponibilidade em colaborar na descoberta deste enigma. As notícias neste caso são sempre boas, quer se encontre quer não se encontre algo de concreto.
    O problema é q em termos de decoração o jarro lembra muita coisa conhecida, mas certos pormenores como o formato, ou a cor azulada do vidrado não encaixam. Realmente temos q continuar a procurar.
    Beijos

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  9. Olá mais uma vez.

    para ser sincero, na pesquisa que andei a fazer não me lembrei de considerar a faiança de Coimbra visto que a mesma é normalmente caracterizada pela decoração mais tosca. Claro que indo por aí não considerei a faiança da Fábrica de Vandelli ou a de Coimbra do início do século XIX de contornos neoclássicos.

    devido à introdução da foto do prato com a figura clássica e posterior pesquisa no livro “Cerâmica de Coimbra do Séc. XVI -XX”, fiz mais algumas suposições, desta vez sobre o que é possível analisar nesse livro.

    Começo talvez pelo que li no referido livro: “A louça Vandelli distingue-se pelo branco imaculado dos fundos e por uma tonalidade que nenhuma outra manufactura nacional conseguiu encontrar, uma matiz laranja rosado que demonstra o domínio técnico deste mestre e químico italiano, sabiamente conjugado com outras cores suaves, numa paleta absolutamente distinta de todas as outras conhecidas em território nacional. Sintomática das simpatias napoleónicas do mestre é a introdução de duas garrafas em forma de figuras femininas, trajando à moda Império, tema retomado noutros objectos sob a forma de pintura (...). a louça de Vandelli distingue-se da do Brioso pelo fundo branco, lácteo, contrastando com o fundo azulado do oleiro coimbrão, (...) destaca-se o uso de motivos florais como rosas e tulipas (...)".

    Ou seja, comparando o jarro em questão com algumas peças presentes no livro, existem uma grande quantidade de pormenores coincidentes, se não vejamos:

    - tonalidade laranja típica da faiança de Vandelli que está presente no jarro;

    - a existência de uma garrafa de formato feminino e trajada a rigor, com pintura das maçãs do rosto e queixo, coincidente com o jarro e o prato referido;

    - a transposição de peças de formato de figura feminina para apenas pintura, facto que ocorre no tal prato e no jarro a catalogar, sempre com o pormenor da pintura das maçãs do rosto e queixo coincidente;

    - pequenas rosas a decorar o jarro, padrão floral típico da faiança de Vandelli;

    - existência de outro jarro catalogado no mesmo livro, e apesar de ter um formato ligeiramente diferente do exposto, há o pormenor da decoração que coincide em termos de padrão floral, nomeadamente malmequeres e uma bolinhas a simular outra flor, havendo também anjinhos a decorar ambas as peças.

    relativamente ao fundo azulado do jarro em questão, é um pormenor típico das peças do Brioso, e sendo as Fábricas de Vandelli e do Brioso da mesma cidade e período, parece-me plausível que tivesse havido intercâmbio de características de produção, até porque muitas vezes certas peças de uma determinada fábrica são inspiradas noutras de fábricas do mesmo período.

    com isto tudo não estou a concluir que o jarro em questão seja da Fábrica Vandelli ou Brioso, mas a supor que existe uma boa possibilidade da peça ser de fabrico de Coimbra do primeiro quartel do século XIX, visto haver bastantes pormenores coincidentes com peças do periodo referido.

    as minhas desculpas pelo comentário alargado, mas pareceu-me importante salientar todos os aspectos que pudessem ser relevantes para a classificação do jarro.

    Mercador Veneziano

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  10. Olá Maria Andrade.
    Venho por último,atenta fui lendo,fiquei com a pulga atrás da orelha ao chamar jarro neoclássico, palavra usada este mês pelo Luís num prato policromado com uma figura ao centro.
    Fiquei a matutar, até tive insónias e num repente apeteceu-me folhear a obra de José Queiroz.

    Corroboro o que diz o Mercador veneziano.
    A sua caneca de faiança, porque não tem bico e assim foi chamada na época de fabrico. Inicialmente disse aqui o Mercador, que lhe faltaria a tampa, por isso o pescoço mais direito, sublinhou, e bem, quanto a mim.
    Será do principio do séc.XIX de Coimbra. Em 1789 o Domingos Vandelli vai para Gaia onde com outros funda a fábrica do Cavaquinho.Curiosamente a loiça mantêm nesta fábrica a particularidade das cores, onde o ocre se destaca, azuis e o desenho miúdo, fino,delicado, mimoso.

    No livro de José Queiroz aparece um exemplar a que chamam caneca com tampa de faiança no topo com um cão, decoração muito parecida com a sua, anjos e grinaldas,na sua busto anteriormente pintado pelo Vanderlli, e na do livro apresenta uma decoração com pássaros, vasos com flores e grinaldas a enlearem uns e outros.

    Exemplar que pertence ao Museu do Instituto de Coimbra. Diz ainda que aos continuadores de Vanderlli é atribuída as decorações policromadas sob esmalte branco, sendo uma das melhores peças esta caneca a que faço referência, que deve ter sido pintada por Domingos Brandão, catalogando-a como uma peça superior, como olaria, pintura e esmalte.Diz ainda no livro que há outras peças desta olaria cuja pintura não é um tudo ou nada menos delicada, com as flores um pouco maiores...

    Deixo o repto. Quando tiver tempo passe por Coimbra e tente ver a caneca com tampa de faiança com uma altura de 0,43 cm.

    Desculpe se de todo me tornei maçadora
    Beijos
    Isabel

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  11. Caros Mercador Veneziano e M. Isabel,
    Ainda por cima pedem desculpas? Se há desculpas a pedir é da minha parte, por vos ter dado tanto trabalho a pesquisar e depois verem-se obrigados a escrever estes textos. Mas eu sei q para além da simpatia de quererem responder ao meu pedido, há a curiosidade natural e o amor à arte, q nos move a todos os amantes destas coisas...
    Com tudo isto, já temos uma boa pista q eu vou tentar seguir. Ainda este fim-de-semana estive no Museu Nacional de Arte Antiga e no Museu da Farmácia e lá andei eu de olhios bem abertos a ver se encontrava alguma coisa parecida, até na faiança italiana, mas nada.
    Tenho q procurar em Coimbra, mas o Museu Machado de Castro está fechado em remodelação e o Museu do Instituto penso q já não existe, por isso, não é para já q posso ir por aí, mas a seu tempo será
    Muito obrigada.
    Abraços

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  12. Fui agora verificar e o Museu do Instituto forneceu o núcleo inicial do acervo do Museu Machado de Castro, criado há cem anos. Assim, as peças referenciadas por José Queirós como existentes no Museu do Instituto estarão hoje no Museu Machado de Castro.

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  13. Confesso-lhe que também o que encontrei de mais parecido foram as peças do Vandelli no catálogo Cerâmica de Coimbra Séc.XVI - Séc. XX"

    Também há a hipótese de ser faiança espanhola. Os nossos vizinhos sempre estiveram aqui ao lado e fartaram-se de produzir. Sei que em Barcelona e Valência há dois bons museus de artes decorativas como muita faiança. Talvez fazer uma pesquisa no google pelos termos correspondentes em castelhano.

    Abraços e boa sorte

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  14. Caros amigos,
    Depois de analisar com cuidado o jarro de que fala a Maria Isabel e a que tive acesso através de fotos enviadas pelo Mercador Veneziano e de um link enviado pelo Luís, comparando-o com o meu um em frente ao outro, estou agora convencida de que o fabrico é o mesmo. Há realmente pormenores da decoração muito parecidos, sobretudo o tipo de flores e a forma como as grinaldas estão penduradas nos arabescos, também eles muito semelhantes nos dois jarros. A base e as respectivas riscas são outro dos elementos comuns. Acredito também que a peça devia ter tampa, como foi sugerido aqui.
    Estou muitíssimo agradecida aos três pela preciosa colaboração e agora só me falta tirar a prova real e levar a minha peça ao MNMC e pedir para comparar ao vivo e a cores :)
    Abraços

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