terça-feira, 26 de outubro de 2010

Conjunto de cuspideiras de faiança...e uma VA


Este é um pequeno conjunto de cuspideiras e cuspidores ou escarradeiras e escarradores (todos estas palavras aparecem nos dicionários) na maioria de faiança, mas inclui uma de porcelana da Vista Alegre. Tenho-as na minha casa de banho do sótão a fazer companhia a uns penicos também de faiança que mostrarei noutra altura.

Cuspideiras de faiança, uma branca de faiança fina, com e sem tampa, sem marca
Já tendia a pensar que os termos no feminino se referiam às peças mais pequenas, sobretudo para uso  doméstico, e no masculino às maiores, usadas em salões, clubes, hospitais, hoteis, carruagens, etc. Só agora confirmei essa impressão no velhinho Novo Diccionario Illustrado da Língua Portugueza, de 1911.
Assim, encontrei aqui cuspideira e cuspidor como sinónimos de escarrador, mas depois aparecem as seguintes definições para escarradeira e escarrador:
Escarradeira, s. f. Vaso de cabeceira ou de sala no qual se escarra: o doente pediu a ----.
Escarrador, s. m. Espécie de caixinha de ferro cheia de areia ou serradura para deitar pontas de cigarro, escarrar, etc. / Escarradeira grande em sítio público.
Só um àparte sobre dicionários: na minha actividade profissional, sempre trabalhei  muito com dicionários, alguns enciclopédicos,  e desenvolvi algum gosto por estes objectos, tendo vários já muito antigos e desactualizados (séc. XVIII e XIX alguns). O certo é q me servem agora para encontrar nomes e definições de objectos do passado, quer em português, quer em inglês (o alemão está mais arrumado na prateleira até porque me é muito menos útil). Quando não têm o ano de edição, o que é raro, basta-me procurar palavras que designam objectos só inventados ou conhecidos no séc. XIX ou XX, para datar mais ou menos a edição.



Cuspidor da Fábrica de Loiça de Sacavém e respectiva marca

As cuspideiras e cuspidores são peças que caíram em desuso há muito tempo, mas fazem parte da história social, sobretudo do séc. XIX, acompanhando uma certa preocupação pela aquisição e manutenção de hábitos de higiene, neste caso procurando evitar o feio e insalubre gesto de cuspir para o chão.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos começaram a usar-se mais ou menos ao mesmo tempo, a meados do séc. XIX, 1840 segundo informação que encontrei na Wikipedia mas que nem sempre é credível. 



Cuspidor, inglês ou americano, numa só peça, com orifício para drenagem, sem marca
Este cuspidor em faiança castanha marmoreada, moldado com formas de conchas (comprado na feira da Vandoma no Porto por 4€) é muito típico de um certo fabrico americano, o chamado Bennington's Rockingham, mas difere no acabamento do fundo porque os americanos ficam a branco.
A verdade é que as fábricas americanas copiavam as inglesas quase ao mesmo tempo e é difícil  distinguir a origem, mas irei continuar a investigar.
Quando andei a pesquisar na net sobre o meu cuspidor castanho marmoreado, descobri que para além de se chamar spittoon (do verbo to spit - cuspir), o termo que eu conhecia em inglês, também lhe chamam , sobretudo nos Estados Unidos, cuspidor e eu pensava que o termo tinha vindo do espanhol por influência dos países hispânicos vizinhos. Afinal, a palavra é referida em dicionários  ingleses e americanos como sendo proveniente do português from the verb "cuspir" meaning "to spit". Segundo estas fontes, os cuspidores eram utilizados especialmente por quem usava tabaco de mascar e depois o cuspia, claro, muito antes do advento da pastilha elástica. Conhecendo nós os contactos multiculturais que os nossos antepassados estabeleceram e cultivaram nas suas deambulações pelo mundo, ao longo de cerca de 500 anos, nada custa a admitir que tenham sido eles, não só a dar a conhecer o tabaco e as formas de dele usufruir aos povos europeus, mas também a trazer da China aqueles recipientes que lhe viriam a ser associados, embora também usados noutros contextos. Assim, terá sido o nome dado em português, cuspidor, que chegou primeiro aos europeus anglo-saxónicos.
 Estes recipientes deixaram de ser usados em locais públicos a partir de meados do séc. XX, nos países ocidentais, porque na China, onde este objecto era utilizado há séculos, só foi abandonado mais para o final do século.

Agora apresenta-se a princesinha do grupo:

Cuspideira Vista Alegre, marca VA azul
Cá estão as belas florzinhas do séc. XIX nesta cuspideira da Vista Alegre, mas infelizmente falta-lhe a tampa que também devia ser muito delicada.

10 comentários:

  1. Maria Andrade

    Gratificante o mote deste post, achei a ideia de as expor na casa de banho o máximo.
    Lindas e variadas, a branca seguramente é de Sacavém, já vi iguais, a da risca azul e a outra com flores seguramente são de Coimbra, pelo menos a de risca azul é, a minha cunhada ficou na herança com uma igual risca rosa também sem tampa.
    Quando comecei a interessar-me por faianças há 32 anos precisamente quando casei, fiz um quarto todo a ferro e trouxe a travessa oitavada da minha avó de cavalinho verde, ainda da outra avó o copo de pé em vidro da Vista Alegre e ainda uma chávena delicada de porcelana alemã.
    Quanto às escarradeiras, nome porque sempre as conheci, tenho uma completa que falta a asinha,de florzinhas, mui doce ganha na herança do avô do meu marido que pertencera a um tio padre, e outra em azul que falta a tampa que comprei a um cigano na feira de Setúbal.
    A sua colecção é abrangente, delicada, encantadora, e fica magnificamente airosa exposta no móvel, até tem uma estrangeira....caramba, que requinte!
    De facto constato que juntar as peças com a mesma função é mais interessante do que a diversidade que acaba por se perder o encanto.
    Como sempre admirável as pesquisas nos vários dicionários, velhos e novos, sempre na busca do verdadeiro significado, apesar de no momento estar a peça em desuso.
    Sem palavras, amazing!
    Beijos
    Isabel

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  2. Goastei muito do seu post, que foi muito didáctico. Relacionou muito bem o aparecimento de objectos, que hoje nos parecem nojentos, com a melhoria dos hábitos de higiene.

    A sua história recorda-me a dos palitos em madeira, que hoje achamos também uma coisa um bocadinho nojenta, mas quando apareceram foram altamente higiénicos, até porque eram descartáveis. Mas antes dos palitos em madeira, as pessoas usavam palitos em prata, ou pior ainda a faca, para tirar as impurezas dos dentes. Conta-se que foi o Cardeal Richelieu que pôs na moda as facas com a ponta arredondada, pela simples razão que não suportava ver nos seus jantares os seus convidados palitar os dentes com as facas.

    Claro, a minha preferida foi a cuspideira da Vista alegre, pois encanto-me com aquelas florinhas

    Fico com com este post em arquivo mental, para lá voltar quando precisar da informação.

    Abraços

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  3. Caros Maria Isabel e Luís,
    Fico contente por terem gostado deste post. Na verdade, também me deu muito prazer fazê-lo, só q demorou um bocado. Como já tenho dito, adoro estas histórias dos objectos, integrados na vida de um quotidiano já há muito passado e portanto desconhecido da maioria de nós.
    Já tenho a maior parte destas peças há muito tempo e gosto de as ver em conjunto. A mais antiga cá em casa, porq já era de casa dos meus avós, é a q é toda branca, q a Maria Isabel diz q é Sacavém. Durante muito tempo pensei q era VA sem marca porq a faiança é muito fina, mas ontem, ao virá-la para a luz, vi q era opaca e não translúcida como a porcelana.
    A inglesa ou americana foi a última q comprei. A vendedora disse-me q devia ser francesa, mas aquele tipo de faiança, assim marmoreada, já a conhecia de catálogos ingleses. E agora já vi várias com aquela faiança, aquele orifício e os relevos das conchas, sobretudo americanas. Ainda me falta tirar a prova dos nove...
    Obrigada pelos simpáticos comentários.
    Abraços aos dois
    Maria A.

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  4. olá boa noite.

    parabéns pelo seu blogue, é realmente bastante variado e de conteúdo muito interessante. irei seguir com atenção.

    reparei na cuspideira de tonalidades escorridas a castanho e branco que aponta para fabrico inglesa ou americana, põe em causa a mesma poder ser de fabrico nacional, nomeadamente da Fábrica do Cavaquinho no século XVIII/XIX? digo isto pois tenho um prato com decoração do género e conheço um livro (Faiança Portuguesa: Séculos XVIII-XIX, Colecção Pereira de Sampaio, 2009), que apesar de ainda não o possuir, já tive a oportunidade de o folhear e sei que contém algumas peças de decoração semelhante.

    votos de muito sucesso com o seu blogue,
    Mercador Veneziano

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  5. Caro Mercador
    Seja bem-vindo ao meu blogue e obrigada pela sua amável apreciação.
    Realmente nunca pus a hipótese dessa cuspideira ser portuguesa pelo tipo de construção da peça: é uma peça única, com buraco lateral para lavagem e eu vi-as quase iguais em sites estrangeiros mas nunca vi nenhuma cá. Esse tipo de loiça com escorridos a castanho e beje foi usado em vários países, mas o q me faz apontar para Inglaterra ou USA é o formato da peça, a semelhança com outras de fabrico americano ou inglês, mas não tenho certeza nenhuma. Gostaria de ver essas loiças da Fábrica do Cavaquinho.
    Maria Andrade

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  6. olá mais uma vez.

    relativamente ao prato, pode vê-lo seguindo o link: http://www.miau.pt/leiloes/leilao.jsp?offer_id=9235814

    mesmo assim, denoto alguma diferença entre o escarrador e este prato, nomeadamente entre o espaçamento das tonalidades escorridas. no entanto, nesse livro que refiro, julgo que as peças lá contidas assemelham-se mais com a decoração do escarrador. é uma pena não ter a obra em causa para comparação.

    Mercador Veneziano

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  7. Olá desde ontem,
    Já vi o link q aqui deixou e q agradeço muito, mas o tal prato, embora nos mesmos tons, parece-me ter sido decorado por outro processo, com esponjados e não escorridos.
    Obrigada e quando puder tiro as fotos ao meu prato Alcântara e envio-lhas.
    Até breve
    Maria Andrade

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  8. olá mais uma vez.

    sim, julgo que o processo de fabrico seja um pouco diferente, mas a vantagem do livro que refiro é a de que possui peças catalogadas como Cavaquinho e decoradas com os dois processos (se bem me recordo, serão um conjunto de jarras decoradas com o padrão escorrido).

    com isto tudo não estou afirmar que o escarrador seja de produção nacional, apenas levanto mais uma hipótese.

    quanto às fotos das peças Alcântara, não se preocupe, fica para quando tiver um tempinho.

    cumprimentos,
    Mercador Veneziano

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  9. Bom dia,

    A peça que mais me seduziu foi o cuspidor em tons de verde de Sacavém. Muito bonito na pintura e formato. Tenho algumas destas peças, entre elas um escarrador grande à porta do meu quarto. A minha mãe elogiou-me o bonito "castiçal" que eu tinha, mas quando eu a corrigi... nunca mais o elogiu! Tal como outras pessoas, tem nojo.

    Cumprimentos,
    Hector Castro

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    Respostas
    1. Sim, caro Hector, concordo consigo em relação à peça de Sacavém. Se a cuspideira Vista Alegre é a princesinha do grupo essa é sem dúvida a rainha! :)
      Compreendo alguma repugnância que muitas pessoas têm por estas peças, mas afinal já não estão ao uso há tantos anos... e o formato e decoração são para mim sempre atraentes.
      Cumprimentos

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