sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Gravuras de Bartolozzi

Estas quatro gravuras, representando as estações do ano, têm a particularidade de serem da autoria de uma dupla de artistas florentinos dos séc. XVIII/XIX  - o pintor Giovanni Battista Cipriani e o gravador Francesco Bartolozzi.
Comprei-as numa daquela ocasiões felizes em que, não sabendo à partida concretamente de que se tratava, ao ver os nomes nas gravuras bem emolduradas, pressenti serem algo de especial.
Fiz uma rápida pesquisa pela internet e não foi difícil encontrar sobeja informação sobre os dois nomes, mas, pela sua ligação a Portugal, falarei em especial do gravador, Francesco Bartolozzi, um artista de renome que repartiu a sua vida entre três cidades europeias - Florença, Londres e Lisboa - e em todas elas deixou marca e reconhecimento.

Francesco Bartolozzi (1728-1815) nasceu em Florença, filho de um ourives, e cedo iniciou a sua aprendizagem nas artes, tendo estudado na Academia Florentina e mais tarde em Veneza com o gravador Joseph Wagner. Apesar do prestígio que ganhou na sua cidade natal, em 1762 decidiu instalar-se em Londres onde foi acolhido pelo seu conterrâneo e antigo condiscípulo Giovanni Battista Cipriani. Assim se iniciou uma parceria artística, que não sendo exclusiva, se manteve até à morte de Cipriani em 1785. 
Em Londres, F. Bartolozzi manteve uma escola de gravura e foi reconhecido pela qualidade e quantidade dos  seus trabalhos, vindo a ser  nomeado gravador do rei, o monarca Jorge III.
Estas gravuras, com os nomes das estações do ano escritos em inglês, são representativas desse período londrino, o que permite datá-las do final do séc. XVIII.
Nelas, a partir de desenhos de Cipriani, foi utilizado o processo de gravação em metal chamado ponteado, mas foram depois coloridas a aguarela. Cipriani deve ter pensado em belas ragazzas italianas ou em beldades gregas para representar simbolicamente as quatro estações, pois os perfis lembram figuras clássicas, gregas ou romanas.
Os dois amigos e colaboradores foram feitos membros da Royal Academy de Londres, desde o início, e é da sua autoria o diploma  que essa academia passava aos seus membros - desenho de Cipriani e gravação de Bartolozzi - sendo este trabalho considerado uma obra-prima de Bartolozzi.

Em 1802, já em idade avançada, Bartolozzi foi contratado para vir para Portugal para ficar responsável pela Aula de Gravura instituída em 1768. Esta decisão de abandonar uma brilhante carreira de quase 40 anos  em Londres muito surpreendeu os súbditos de Sua Magestade britânica que não compreendiam como ele pôde optar por um país mais atrasado e onde ganhava muito menos do que auferia em Inglaterra. A essas perplexidades ele respondeu com as vantagens da vida simples num país de clima ameno, em que não precisava de muito para viver junto de um povo caloroso do sul da Europa, como o da sua terra natal.
Foi o introdutor em Portugal da técnica do ponteado e na sua Aula de Gravura formou muitos discípulos de renome que continuaram a sua obra no nosso país.
Morreu em Lisboa, em 1815, contando já quase 90 anos de idade.


Esta pintura a óleo sobre tela de John Francis Rigaud, que se encontra na National Portrait Gallery em Londres, retrata três artistas italianos que se estabeleceram e tiveram sucesso em Londres no séc. XVIII, dois deles nossos conhecidos: à direita vemos Cipriani, ao centro,  Bartolozzi e à esquerda o pintor e escultor Agostino Carlini, nascido em Génova. Um pormenor interessante é que cada um dos três homens empunha o instrumento de trabalho com que mais se notabilizou.

A Sociedade Martins Sarmento em Guimarães, detentora de uma notável colecção de gravuras antigas, teve patente há uns  anos uma exposição intitulada "Francesco Bartolozzi e os seus discípulos".
Nessa altura, a Casa de Sarmento - Centro de Estudos do Património concretizou o projecto de digitalizar esta valiosa colecção e torná-la disponível a todos via internet. Aqui deixo o link de acesso: http://www.csarmento.uminho.pt/docs/sms/exposicoes/BartolozziCatalogo.pdf.

6 comentários:

  1. Cara Maria Andrade

    O seu post sobre o Francesco Bartolozzi é muito útil para todos os amantes da gravura (onde eu me incluo). O link que forneceu sobre a exposição na Soc Martins Sarmento é também muito proveitoso, pois além dos elementos sobre o Bartolozzi tem muita informação sobre os seguidores em Portugal. Tenho que explorar muito bem essa parte, mas para já, descobri um Senhor Jesus da Consolação, que está em casa do Manel que foi gravado pelo Bartolozzi.

    Gostei das suas gravuras e estão muito bem emolduradas. Julgo que voltarei ainda a este post

    Abraços

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  2. Olá Maria Andrade.
    Lindas, muito bonitas as suas gravuras.
    Em pouco tempo tornou-se numa bela historiadora com uma panóplia de gostos em arte admirável. Estas gravuras das estações do ano nunca tinha visto. Conheço as da Vista Alegre, tenho os pratos em grande e umas gravuras minúsculas com o mesmo motivo dos pratos emolduradas a madeira em redondo que comprei há 30 anos e me custaram 10 cts, caríssimas, e não estão assinadas. Ainda decoram a minha casa, tal a finura em contempla-las.

    O seu texto muito enriquecedor para os amantes das gravuras, o Luís um deles, eu a dar os primeiros passos

    Parabéns, tem uma colecção de encher o olhar, tal o requinte e delicadeza do traço e das tonalidades suaves tocantes

    Beijos
    Isabel

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  3. A par da que o Luís descobriu cá por casa há outra ainda deste autor, que pertence a uma série de gravuras de diversos gravadores/artistas, onde se descreve a partida de Junot, após as negociações da retirada das tropas francesas de Portugal, estipuladas na "Convenção de Sintra". Uma gravura que, não sendo tão perfeita como aquela a que o Luís faz referência (esta é relamente a minha favorita pela delicadeza de trabalho e elegância de forma), é um documento histórico de grande relevância, e que me encanta observar pelo pormenor relativo aos usos e costumes da época.
    Quanto às suas gravuras, são de qualidade e ao gosto neoclássico tão caro aos ingleses, que tiveram sempre grande dificuldade em aderir ao gosto francês de finais do século XVIII (considerado até algo decadente), tanto mais que, já desde o século XVII, tinha entrado nos hábitos das classes inglesas mais abastadas o chamado "grand tour" europeu, com passagem obrigatória pela Grécia e Roma.
    Estas suas gravuras coloridas, segundo técnica que ele mesmo criou e desenvolveu, fazem-me lembrar em técnica e estilo a gravura em que ele recriou a obra de Maria Coswey denominada "The Hours".
    Manel

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  4. Luís, também adorei ter encontrado aquele endereço pois obtive ali informação preciosa. Para além disso consultei uma biografia de Bartolozzi, em inglês, q encontrei online e era muito extensa e pormenorizada.
    É tão aliciante descobrir-se um peça, ou peças neste caso, e atrás delas vir uma história interessantíssima q nos era desconhecida até então! É este o verdadeiro encanto de comprar e coleccionar velharias e antiguidades - são uma fonte inesgotável de conhecimento!
    Ainda bem q já descobriu uma bela obra de Bartolozzi em casa do Manel...e mais descobertas virão, certamente...
    Um abraço

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  5. Maria Isabel,
    Estou muito longe de ser uma historiadora e muito menos de arte, mas dá-me um prazer enorme contar estas histórias. Quanto a isso ter acontecido em pouco tempo, não será bem assim...
    A minha experiência bloguista é recente, mas tudo o resto tem décadas de interesse, estudo e investigação... O conhecimento vai-se construindo, como sabe...
    A minha formação académica já incluia cadeiras de História, embora mais anglo-saxónica e germânica, mas também tive uma cadeira de História da Arte, só uma, note-se, e era de opção, o q é manifestamente muito pouco...O resto vem por acréscimo, como eu disse, com interesse e pesquisa aprende-se muita coisa e penso q é isso q também está a acontecer com a M. Isabel.
    Ainda bem q gostou das gravuras e da história a elas associada.
    Beijos

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  6. Manel,
    Começo a acreditar q a sua casa é uma espécie de caverna de Ali Babá onde se podem encontrar imensos e preciosos tesouros...
    Então, para além da gravura q o Luís referiu, também tem uma gravura da partida de Junot e suas tropas, em navios carregados de riquezas q os franceses nos roubaram e os ingleses deixaram sair, assim despudoradamente... (é um episódio da nossa história q eu não perdoo a uns e a outros...)Segundo informação q li, se não me engano,no texto da exposição da Soc. Martins Sarmento, grande parte dos trabalhos de gravação de Bartolozzi e seus discípulos, incidiu precisamente na ilustração dos acontecimentos históricos da época.
    Ainda tenho q ir ver a gravura q refere sobre "The Hours".
    Um abraço

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